O corpo e a dança

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Normalmente só se vê na arte culinária a variedade e excelência do sabor e dos sabores. E aí reduzimos essa arte essencial e originária ao estreito e parcial caminho dos sentidos, como se fosse possível haver sentidos sem o sentido. O sentido dos sentidos é o saber do sabor de toda arte culinária. Quando se reduz também o vigor das obras de arte aos efeitos estéticos, está-se, no fundo, reduzindo o saber do sabor das obras de arte aos sabores dos sentidos do saber em seu sentido essencial. É uma redução sem sentido, porque reduz o sentido às sensações dos sentidos. É necessário ler os sabores do saber de toda obra de arte na escuta que todo ditar do sentido manifesta nas obras de arte: são os sabores do sentir do sentido que –sentindo – manifestam o ser do homem em seu sentido corporal. É um saber essencialmente poético-onto-fenomenológico. A concentração máxima na corpo e como corpo dos sabores do saber acontece como dança.

Assim como não podemos reduzir o corpo a um organismo dotado de movimento nem à constituição de seus componentes materiais, nem aos contornos de suas formas em suaves ou feias superfícies e linhas móveis e fugidias e mutantes - isso não é um corpo -, também não podemos reduzir os “materiais” ou “ingredientes” da arte culinária à sua constituição “orgânica” e “alimentar”. Na arte culinária e no de que ela se constitui, a Terra também eclode como Terra, como a Mãe nutriz Terra, celebrada imemorialmente nos ritos dos mitos, isto é, Ela se faz arte, assim como a música se torna som, a pintura, cor, o monumento, pedra, a mdeira, estátua, a palavra, som, a poesia, poema, a dança, corpo. Basta integrar aos sentidos da visão e da audição os sentidos do gosto e do tato. A integração de todos os sentidos como movimento do ser em seu sentido se chama dança e isso é o corpo. Não é o gesto que faz a dança do corpo, mas o sentido do ser do corpo como dança origina o gesto e as gestas. O gesto é o rito do mito que é o corpo como poiesis da linguagem. Tanto dança, como sentido de todos os sentidos, alimenta e faz desabrochar o ser humano, quanto toda arte culinária. A separação “entre” artes e arte culinária se alimenta do mesmo preconceito e dicotomia da redução do corpo a um organismo ou da sua dicotomização metafísica em matéria e espírito, em matéria e razão.

Na dança do corpo o corpo é a Terra em sua concentração e vigor máximo de sentido, porque a Terra é a Mãe e Vida e o alimento misterioso da morte, pois como pensar e experienciar a vida sem a morte e a morte sem a vida?

Como alimento que toda “arte” é, em primeiro lugar a todas as artes integrando como sabores e sentido do saber e de sentido que é a dança, a “este” “alimenta” em que sentido? No dar sentido à vida como morte e à morte como vida. Ao afirmar a arte é alimento não podemos pensar o alimento na reduzida percepção do corpo como algo que – materialmente – se alimenta. O alimento aí diz do ser, manifesta o sentido do que é. E o que é o que é? A morte se fazendo vida, o não-ser se fazendo ser. Por isso o que é vem a ser no como é. E o como é é o sersendo se manifestando a partir do não-ser-morte: é a eclosão, o desvelamento, a presentificação do ser no que é – vida, em tensão com o que não-é – morte.

Se bem observarmos o destrutivo e o corrosivo se tornam evidentes manifestações da morte. Como então a morte pode ser o sentido da vida? Da mesma maneira que a renúncia não tira, dá. O sofrimento, a disciplina, a medida têm sua razão de ser no ser da renúncia pela qual chegamos a ser. E isso não é tão difícil de ser compreendido. Quando olhamos a mãe se doando em criaturas-filhos e se consumindo, na realidade, leva seu corpo a uma plenitude que nenhuma “malhação” dá, porque é uma beleza sendo.

O alimento não colhe e recolhe o seu sentido dos sentidos e dos sabores, mas do não-ser-morte e do ser-vida. Arte e alimento se tornam, portanto, o que é e o como é do sendo se presentificando. Desvelamento e velamento, presença e ausência, ser e não-ser, vida e morte eis a arte como alimento no horizonte da necessidade e liberdade. O sentido dos sentidos é a liberdade da necessidade. A necessidade não é negativa se vista como a medida do ser corpo como o apropriar-se do que nos é próprio. O corpo que se dá como limite – tende já desde sempre ao não-limite – liberdade. E “isso” é a dança. A dança é a musa de todas as musas.

O corpo é dança

E a dança é corpo

Se fazendo ser.