24 junho 2007

Clareira

Manuel Antônio de Castro

A clareira é uma questão fundamental. Ela, como o livre aberto onde o ser humano já está originariamente jogado, articula em si as questões fundamentais de verdade, mundo, memória e liberdade. Mas estas questões vão ser ambíguas, pois tanto dizem respeito ao aprendizado quanto à aprendizagem, ao saber quanto à sabedoria. Então a verdade, o mundo, a memória e a liberdade podem ser vistas no âmbito de uma ou outra dimensão. A clareira como lugar não diz respeito a um tempo e a um espaço, mas vigora sempre enquanto verdade, mundo, memória e liberdade. Nela acontece o ser do homem como homem humano.

05-06-07

Número e limite

Manuel Antônio de Castro

"Os átomos não são objetos. São apenas tendências" (Heisenberg). Os números são a tendência do não-limite para o limite. E é neste sendo que o não-ser se desvela, velando-se. Tendência é o poder amar de todo amor: eros.

23-06-07

Sabedoria

Manuel Antônio de Castro

Se o saber da realidade gera a verdade, o saber o não-saber da realidade conduz à não-verdade. É a sabedoria.

Pensador

Manuel Antônio de Castro

O pensador não diz verdades,
escuta o apelo da não-verdade.

Não faz descobertas,
acolhe a vigor do não-saber.

Não busca o uniforme do idêntico,
afirma a unidade do diferente.

Lançado nos limites do é,
pensa os não-limites do não-é.

O pensador não pensa o ser,
é pensado pelo não-ser.

O pensador não ensina nada,
aprende a aprendizagem do Nada.

22-06-07

13 junho 2007

A ação e a caminhada de vida





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O universo não é uma idéia minha.
A minha idéia de universo é que é uma idéia minha.
(Caeiro/Pessoa)

Verdade

Os olhos são a janela da alma.
Cada um vê o mundo da sua janela.
O mundo não é o que se vê.
É o que acontece.

Método é uma palavra grega e diz concretamente toda caminhada que o ser-humano faz para atingir seus fins. Isso pressupõe o agir e seu sentido. O agir e seu sentido diz-se em grego póiesis, ou seja, ação com sentido tendo em vista a manifestação e construção de algo. Por isso todo nosso agir tem um fundo poético em sentido essencial. O sentido em sua etimologia significa caminho que dá unidade às sensações de todos os sentidos. A esta unidade ou sentido entendemos como tempo e póiesis, memória e linguagem.
Não podemos considerar o método apenas como um conjunto de procedimentos para delimitar um objeto, uma análise, um estudo, pois devemos distinguir a caminhada de vida e realização que todo ser-humano deve necessariamente empreender e a metodologia filosófica e científica como resultado de uma teoria. Tais procedimentos brotam naturalmente da posição epistemológica que parte da constatação de que todo conhecimento resulta de um “como se conhece” e que o conhecimento assim constituído se torna o resultado dos procedimentos científicos e sua aplicação correta e exata (metodologia). É a teoria do conhecimento ou espistemologia.
Essa regra epistemológica e científica se tornou padrão e até parece hoje impossível constituir qualquer conhecimento sem se fundar nessa relação. E isto vale tanto para as ciências físicas como para as ciências não-físicas, como, por exemplo, as ciências sociais e artísticas. Mas então os procedimentos têm um significado mais amplo. São atitudes, estratégias, paradas, observações, avanços, redirecionamentos, reflexões, práticas, tentativas, fracassos, acertos, incertezas, perplexidades, paradoxos. Essencialmente todo procedimento é a concreta proposição de uma disposição. Mas é esta que dimensiona aquela. Tudo isso essencialmente é a questão se manifestando em sua concreticidade.
A posição epistemológica está sofrendo um profundo questionamento como pressuposição para qualquer conhecimento, daí a questão do método se tornar sempre a questão inicial. E isto vale sobretudo para as “ciências” artísticas. E é sobre elas que se concentram as nossas reflexões. Mas para tanto é necessário um defrontar-se com a posição epistemológica pela qual o pensar racional precede o próprio ser, ou seja, “o como” é que determina “o que” cada conhecimento é.
Diz-se que a essência de “algo” é “o que” ele é e “o como” ele é. Nesta formulação “o que é” advém na prática só na medida em que “o como” manifesta “o que é algo”. Consideremos esse “como” como sendo o conjunto de procedimentos e de sua aplicação. Na realidade “o que é” advém como conhecimento (da essência, do que é) na medida e alcance dos resultados da aplicação desses procedimentos. Será de fato assim? Partamos de algo concreto que tem uma dupla face: uma leitura de uma obra de arte como sendo uma viagem, tratando-se de uma obra e não e jamais de um “objeto” passível de um desmonte analítico ou explicativo.
1º. Antes de surgirem os procedimentos e até a “idéia” da viagem já temos que ter a “própria obra”, ou seja, sempre que surgem procedimentos e viagens eles se fazem a partir de “algo” que já existe. Não são os procedimentos que a “criam”. Na realidade vai haver uma dialética “entre” a obra e a caminhada. A caminhada resultante da seleção e aplicação dos procedimentos proporcionará a cada leitor/caminhante uma compreensão. Um conhecimento “objetivo” do que a obra “opera” e “opera” a obra jamais ocorrerá.
2º. Porém, antes de resultar essa compreensão já devo partir necessariamente de uma pré-compreensão. Pelo simples fato de que se não houvesse esta nem poderia saber nem distinguir de que é que se trata, muito menos estabelecer os procedimentos, pois estes mudam de acordo com aquela viagem que se vai empreender e da obra que se quer apreender. Toda leitura pressupõe já uma pré-compreensão que está muito além da simples consciência.
3º. Devemos, portanto, dizer e afirmar que a pré-compreensão já está dada de antemão. Isso quer apenas dizer que a compreensão se funda num agir que se exerce numa abertura de pré-compreensão, onde o próprio agir funda a pré-compreensão e a compreensão, na medida em que uma e outra são o próprio agir agindo.
4º. Se o agir é sempre agindo temos que ter uma ação concreta onde tal se dê. E a ação concreta que nos ocupa é certamente o melhor exemplo. A leitura como caminhada de compreensão de uma obra. Se o agir funda essa ação concreta, o que funda o agir? Ao fazermos essa pergunta já estamos agindo e queremos com ela conhecer o que é o agir. Mas só podemos perguntar pela essência do agir agindo, isto é, perguntando. Por isso na pergunta já está originariamente colocado o fundamento do agir, por dois motivos muito simples. De um lado, se eu quiser perguntar pelo fundamento do perguntar só o posso fazer perguntando. De outro, ao perguntar, se eu não soubesse de algum modo o que é o agir nem poderia perguntar. De fato, eu só posso perguntar porque de alguma maneira já sei e não-sei senão também não precisaria perguntar. O agir funda o saber e o não-saber no sentido de que ele já nos advém no simples perguntar pela essência do agir. Não é minha pergunta pela essência do agir que funda o agir, assim como não é meu pro-pósito de fazer uma leitura-caminhada que funda a obra e até a compreensão que possa vir a ter dela. Porque o agir já precede toda ação concreta significa isso que no simples ato de perguntar já me advém o sentido do próprio perguntar, ou seja, o agir não só funda todo saber que se sabe mas também de algum modo todo saber que não se sabe. É o que se está querendo dizer ao nomear isso como a compreensão e a pré-compreensão. Isso se chama o círculo poético-hermenêutico. Por isso enquanto necessário perguntar já somos de antemão fundados e constituídos pelo questionar, ou seja, pelas questões.
5º. O agir e sua essência necessariamente circular não é um agir no sem sentido, ou como se diz no linguajar cotidiano, um agir no vazio. Isto quer dizer duas coisas. Que o agir busca sempre uma compreensão e que essa compreensão não é algo aleatório, mas pressupõe sempre um penhor (fim) no empenho (ação) da compreensão. Isto em relação às leituras/viagens tem uma importância fundamental, pois não só determina os procedimentos mas também pro-voca a diferença das múltiplas leituras e viagens. Ou seja, toda viagem é empreendida dentro de uma pro-cura (o empenho pelo penhor). A identidade das diferentes leituras é a pré-compreensão assim como a identidade das diferentes pro-curas é a Cura. Porém, a ação de procurar e seus procedimentos tem uma dupla finalidade, que vai fundamentar toda nossa relação com a obra de arte ou qualquer outra relação, inclusive a relação com o outro. De um lado temos as ações que pro-curam a compreensão de “algo”. Elas fundamentam todo o aprendizado, que é sempre conceitual, toda a elaboração de conhecimentos tendo em vista os diferentes “objetos” de conhecimento. Estes são múltiplos em sua variedade e complexidade e são ampliados por diferentes teorias e procedimentos através de novas e contínuas pesquisas e estudos no percurso histórico. Nestes estudos tende a haver uma dispersão de conhecimentos perdendo-se a unidade de onde provêm, além de perderem de vista a outra finalidade. Ou seja, os empenhos são tantos no afã metodológico de estabelecimento dos conhecimentos que se perde de vista o penhor que move todas as nossas pro-curas. Perde-se no fundo o sentido do próprio agir. E que sentido é este? Ele é muito simples: A pro-cura do que nos é próprio. E o que nos é próprio? O que nos move em todas as pro-curas: a Cura, ou seja, o Penhor dos penhores de nossos empenhos. Noutras palavras: toda compreensão busca no fundo a pré-compreensão, essa abertura do que já desde sempre somos. Todo agir da pro-cura como também todo o agir inerente à Cura já são essencialmente póiesis. E como agir da póiesis pro-curamos mais do que o aprendizado, pois está em jogo o que somos, o que cada um é, a identidade poética de cada um, pois não temos uma “essência” prévia já dada e realizada. Nossa essêncica nos advém da póiesis de todo agir. Então a essência é o apropriar-se do que nos é próprio enquanto acontecer. Só agindo no horizonte da póiesis é que chegamos a ser o que somos. Só somos acontecendo. Só acontecendo como apropriação realizamos nossa identidade e diferença.
À pro-cura da Cura, do penhor podemos denominar aprendizagem. Mas para esta não pode haver procedimentos que nos tracem a caminhada. É a própria caminhada-leitura como apropriação do que nos é próprio. É a eclosão do que somos como, na e pela póiesis. Ao exercício concreto desta póiesis se chama artes. Cada obra de arte é alimento e energia que, ou seja, póiesis que opera a realização da essência de cada um, de um grupo sócio-histórico e até da Terra e a aventura humana.
É necessário compreender que não pode haver dicotomia entre aprendizado e aprendizagem. Ambos são facetas e margens da caminhada. Elas se realimentam continuamente. Mas ocorre algo muito simples. O aprendizado não pode se constituir em algo em si. Ele deve funcionar como os degraus da escada: possibilitar ascender e ampliar e aprofundar o horizonte da aprendizagem. Mas isto só ocorre se os conceitos em que se estrutura o aprendizado forem como os degraus de uma escada que fazem descortinar as questões. Nelas e por elas a aprendizagem se torna o horizonte que descortina a amplitude e densidade do que cada um é, e doa, ao mesmo tempo, o próprio aprendizado. Pois o que cada um é nos vem do horizonte onde já desde sempre estamos mergulhados e nos movemos pro-curando o sentido do que somos pelo agir em seu sentido. Mas aqui não há mais necessidade de procedimentos porque eles são fundados pela Cura de toda procura e pela pré-compreensão de toda compreensão. Na nossa condição de seres-do-entre, ou seja, porque nos experienciamos como liminaridade, no horizonte sempre partimos da Cura, da pré-compreensão como ato concreto de compreensão e pro-cura. É o ato concreto da pergunta, da questão. Quando nos abrimos para a pré-compreensão e para a Cura, então os degraus são desnecessários e até podem atrapalhar se insistirmos em ficarmos presos a eles, pois não deixarão adentrar o único penhor de todos os nossos empenhos: sermos o que somos, isto é, nos apropriarmos do que nos é próprio, nossa finalidade maior, o penhor de todos os penhores.
Ao aperfeiçoamento do aprendizado corresponde ou pode ou deve corresponder um se abrir para o sentido do agir, para a póiesis. Não que esta dependa dele. Pelo contrário só pode haver aprendizado porque já somos agidos pela póiesis em seu sentido, senão nenhum aprendizado seria possível, porque seria sem sentido. Mas nem sempre ocorre a acolhida da aprendizagem porque na caminhada podemos ficar presos demais aos procedimentos e seus frutos, os conhecimentos funcionais e utilitários e formais. Podemos nos perder e enredar no enleamento dos múltiplos conhecimentos classificatórios, formais, historiográficos, circunstanciais e perder a linha do horizonte sempre dinâmica e instável, pois pro-curamos sempre um lugar seguro que nos dê a tranqüilidade diante do fugidio e do instável. Pro-curamos a certeza e segurança dos conceitos. Porém, a nossa pro-cura mais profunda é sempre a da Cura. O aprendizado que se guia pela Cura tem sempre em vista uma aprendizagem que nos doe justamente a Cura. Pois de onde partimos é aonde queremos já desde a partida chegar: em toda compreensão buscamos a pré-compreensão, em toda pergunta o não-saber, em toda pro-cura pro-curamos a Cura: o sentido do que somos, da nossa existência.
Nossa existência se desenha literalmente num mundo, pois somos como ser-humanos algo que desde sempre já age no mundo. É a liminaridade, o entre. Mas o que é o mundo? Há dois mundos. 1º O que nos convém no aprendizado, já estabelecido e conhecido e que os procedimentos tentam facilitar para ser apropriado como acúmulo funcional e até técnico. É o mundo dos conceitos, dos saberes sabidos, da comunicação, das doutrinas, das ideologias, dos valores estabelecidos e dominantes; 2º. O que nos advém na aprendizagem, o não-delimitado e desconhecido que deve ser configurado pela procura do sentido de nossas ações e escolhas, absolutamente singular e irrepetível, tendo, portanto, a ultrapassagem dos procedimentos como exercício e experiência contínuos, uma vez que tem em vista uma manifestação do que ainda não-somos, mas tendemos sempre a ser. É o mundo aberto pela arte, pelo estranho e pelo extra-ordinário. É o mundo sempre em tensão de disputa com a terra-mãe-vida. Toda aprendizagem é aprendizagem de mundo: sempre inaugural e originário. Mundo diz aí, portanto, o âmbito de realização e acontecer de nossa essência identitária. Todas as obras de arte inauguram mundo. Nisso consiste o seu operar, porque é o operar da verdade. E a verdade é sempre verdade do real.
Nossa viagem-leitura diante a obra de arte se dá na articulação deste duplo mundo. Os procedimentos de aprendizado têm sempre em vista este duplo mundo. É que a obra de arte opera este duplo mundo, porquanto nela a verdade opera o real. Real passa então a ser este duplo mundo. Nele o real como verdade nos advém como póiesis e linguagem. Esse duplo mundo se constitui como memória da linguagem e como póiesis do tempo. Ligando-os a ambígua consciência, o véu diáfono e especular da memória e do tempo, da linguagem e da póiesis.
Este véu não é tão difícil de compreender. Sirvo-me das imagens-questões de Clarice Lispector, que sabe o sabor poético das coisas. “Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra – a entre-linha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorpora-a. O que salva então é escrever distraidamente”. (In: Água viva. Rio, Artenova, 1973, p. 25). O poder criativo da poetisa, ao deixar a póiesis e a linguagem agir e falar, jogando-se no entre da distração, nos sintetiza o que até agora quisemos dizer. E o diz com uma palavra inaugural: incorporar.
De um lado a incorporação diz a não dicotomia entre aprendizado e aprendizagem. De outro nos lança em algo que a compreensão e pré-compreensão, a pro-cura e a Cura, o aprendizado e a aprendizagem, a póiesis e a linguagem, o duplo mundo, tomadas todas estas palavras separadamente ainda não dizem. Tudo se torna con-creto na imagem-questão do corpo, do incorporar. Toda viagem/leitura é uma caminhada do corpo, com o corpo e para o corpo. Nele, tudo isso que constitui o ser-humano se incorpora. O corpo não é uma extensão, é o con-crescer poético do que é o ser-humano. Os limites do corpo são o duplo mundo. Toda viagem/leitura precisa ser, portanto, uma caminhada de incorporação. À incorporação preside como pré-compreensão e Cura, memória e tempo, póiesis e linguagem. O ser-humano se constitui na caminhada da incorporação, porque nós não sabemos ainda o que é corpo, porque não sabemos ainda o que é o ser-humano.
Ele nos advém em sua manifestação na medida em que esta é um acontecer poético, onde todas as artes são a melodia e harmonia enquanto dança do corpo, a “ciranda” que é o acontecer da coisa-mundo-corpo.
Esse acontecer da coisa-mundo-corpo está assinalado na reflexão da poetisa no agir misterioso da entrelinha. Esta é a não-palavra enquanto abertura constitutiva do ser-humano para a pré-compreensão, a Cura, o não-saber de toda a pergunta. É o não-saber de toda pergunta, como questão, que morde a palavra. Mas esta é a isca, como pergunta e busca de conceito, que quer iscar a não-palavra (o não-saber de toda pergunta, a questão). E é esta que vai iscar a palavra, ou seja, o agir é da não-palavra, ou seja, da póiesis e da linguagem. Mas não há aí uma dicotomia e, sim, uma entrelinha. Esta se manifesta no morder, no incorporar. Quando “isso” acontece então “alguma coisa se escreveu”. Não é o poeta que “escreve”, é sempre “alguma coisa”, isto é, a “coisa” se manifesta como póiesis-linguagem enquanto obra da verdade do real.
A leitura-viagem é sempre uma pescaria, onde as diferentes passagens e paragens não podem ser determinadas nem pelo aprendizado nem pela aprendizagem, pois o agir e seu sentido provêm da não-palavra. Na pescaria – a leitura-viagem - deve acontecer o que ela deve ser, uma salvação: “O que salva então é escrever distraidamente”. Todo escrever é um ler inaugural, ser-pescado pela não-palavra. E então o procedimento essencial soa estranho na palavra manifestativa da poetisa: a atitude fundamental é de dis-tração. Atenta à ação-verbal da palavra ela nos propõe o inaugural. O radical da palavra dis-tração provém do verbo latino trahere, que quer dizer: puxar, ser atraído, arrastado. Que atração vigora na distração é o que nos diz o seu prefixo latino “dis”: através de, entre. Nesse sentido, a distração não diz a desatenção, mas o se dispor para o advento da entre-linha, a não-palavra. É nesse e só nesse sentido que toda arte é distração e jamais um mero e descartável prazer estético. Ler é sempre uma caminhada-viagem de espera da não-palavra que nos advém de uma distração como uma “inocente” e salvadora pescaria.
Método e ação: passagens e paragens quer dizer aqui o processo poético-artístico de incorporação do que cada ser-humano já desde sempre é no que lhe é próprio, em sua identidade de diferenças. Por isso a incorporação pressupõe passagens e paragens. Estas indicam um movimento poético de ascensão e descensão que configuram o que somos. O que entendemos por ascensão e descensão indicamos numa imagem-questão: a árvore tanto mais ascende ao livre aberto do céu quanto mais desce com suas raízes às misteriosas entranhas da mãe-terra. Só assim ela cresce e chega a ser o que é, só assim ela se configura. Nosso corpo é feito de paragens (limites) e de passagens (não-limites). O corpo-acontecimento é o entre-ter de paragens e passagens.
É delas que tratamos a seguir. Todas elas devem se mover no duplo mundo do aprendizado e da aprendizagem. Cabe ao leitor ficar atento e aberto ao apelo de póiesis que as percorre. Mas é necessário ter a disposição da distração, da pescaria que salva na sempre perigosa leitura-caminhada. Feliz viagem.

A arte como lugar do porvir





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Todas as manifestações artísticas ao longo do percurso do ocidente foram sendo estudadas e classificadas dentro de paradigmas epistêmicos e metafísicos. Os profissionais de artes, os professores de literatura, os pesquisadores das histórias das artes, todos usam conceitos que se foram consolidando ao longo desse percurso. Eles se traduzem através de poéticas, gêneros, estilos e correntes críticas. E nas suas relações com as obras de arte usam normalmente o conceito análise. Como os conhecimentos são divididos em disciplinas como filosofia, sociologia, literatura etc. etc. criou-se a convicção de que cada disciplina tem sua autonomia e cada um deve dominar a sua nomenclatura e conceituação. Esta formação, hoje em dia, está sendo questionada. Por dois motivos. O principal é a necessidade da interdisciplinaridade. O segundo diz respeito a um questionamento que vem crescendo muito e de que o desconstrutivismo é um sintoma. As fronteiras entre as disciplinas começaram a ser questionadas. Na diluição das fronteiras começaram-se a perceber, por exemplo, as artes dentro de conceitos mais amplos. O exemplo vivo seriam os Estudos Culturais. Aí a palavra estudos já demonstra uma abertura para diferentes disciplinas, embora predomine a visão sócio-cultural dentro do horizonte das identidades e diferenças culturais. Até onde eles conseguiram ultrapassar os conceitos epistêmicos? Até onde tais estudos não ignoram o isto que é a arte? O importante a destacar é que as artes e seus estudos e suas conceituações, o vocabulário da teoria literária, da poética tradicional e da estética, elaborados sob a domínio da epistemologia passou a ser repensado.
A tudo isso subjaz uma questão que esses novos movimentos não têm a coragem de enfrentar ou então passam a escamotear. É o problema epistemológico. Este termo soa até estranho para alguém que tenha só formação em letras ou em artes, pois acham que isso é um problema que diz respeito à disciplina filosofia. E aqui se vive um grande engano. Toda a nomenclatura científica e artística resulta de uma decisão epistêmica, resulta de posições filosóficas, resulta de teorias metafísicas. É isso que hoje está sendo questionado.

O resgate do vigor do poético, a poiesis
Contudo, tudo isso gera uma grande confusão, porque são conceitos profundamente arraigados, é um vocabulário que já faz parte de uma tradição multissecular. E fica muito difícil dar a essas palavras novos significados. Ou seja: é quase impossível desfazer-se dessas palavras usuais. Por outra lado, não se pode cair na ilusão de que um novo “ismo” pode acabar com os anteriores. A sucessão de “ismos” pode acabar gerando o “Cretinismo”, como tão bem diz o filme Invasões bárbaras, ao fazer o levantamento dos “ismos” que freqüentaram as cinco últimas décadas. Será que vamos continuar na “modismo” dos “ismos”? Certamente não é o melhor caminho. O que fazer então?

Uma posição equilibrada e questionante

Na realidade, toda nomenclatura aplicada à teoria literária e às diferentes artes foi sendo construída a partir do início da metafísica no ocidente. E é uma tradição muito rica. O caminho mais adequado passa naturalmente pelo questionamento. E este pergunta algo muito simples: O que uma tal nomenclatura esqueceu em relação às diferentes artes? O que ficou silenciado e abandonado? Como se pode a partir da nomenclatura existente tentar ir mais profundamente e resgatar o vigor da poiesis? Como deixar as obras de arte falarem e não as teorias filosóficas, sejam elas quais forem, através dos seus conceitos aplicados às obras de arte? Mas será que é possível deixar a obra de arte falar? As condições sociais, psicológicas, históricas não acabam determinando o que chamamos de obras de arte? Por isso não predomina nas obras de arte a representação? E aí já não voltamos a discutir problemas filosóficos? Não há uma certa ilusão e ingenuidade em acreditar que as obras de arte estão aí a salvo dos esquemas ideológicos e vivendo num mundo “puro” à espera dos seus salvadores? Não se pode ignorar este perigo.

Uma posição questionante

O primeiro passo para ultrapassar esses perigos é substituir os conceitos e jargões por questões. Mas para tanto é necessário uma atitude muito forte e cartesiana, ao iniciar uma ascese negativa: pôr tudo em dúvida e sair em busca de ... do quê? O perigo nessa atitude é acabar fazendo o mesmo itinerário de Descarte que redundou no itinerário da Modernidade. O questionar, por isso mesmo, deve ser mais radical do que o próprio Descartes. Ele queria achar um terreno firme, um princípio de que não mais pudesse duvidar. A busca da poiesis deve gerar em nós um outro percurso, também de ascese e renúncia, porque a renúncia não tira, dá. O que fazer então?
Pensar:
Não tenho certezas nem incertezas.
Sou possuído pelas questões.
Penso. Cuido do que nas questões
Me questiona.
A questão não nega os conceitos, mas questiona-os. Isso gera uma dialética altamente produtiva. Tudo começa a se mover e a nos envolver. É isso que faremos. Mas antes ainda uma outra palavra. Os grandes poetas de todos os tempos não se prenderam nunca a essa nomenclatura e conceitos das teorias das artes. Até porque não precisavam. As obras falam por si. Por isso é que devemos ter sempre em mente as obras, mas numa atitude inicial de despojamento de qualquer visão prévia, de qualquer classificação e tentação de querer definir, de reduzir a explicações e análises. Até por um motivo muito simples: as teorias e “ismos” se sucedem e as obras estão aí nos convocando a novos encontros e escutas.

Escutando as obras

Como é muito difícil tirar mentalmente as vestes dos conceitos em que somos sistematicamente doutrinados, proponho, num esforço didático de reflexão e questionamento um conjunto de tópicos em que estão encerradas algumas das principais questões que dizem respeito às obras de arte. Para tal faço em tópicos o levantamento do uso tradicional da nomenclatura epistêmica e metafísica e depois proponho uma mudança em que se evidencia o contraste. Porém, esse contraste não pode constar somente de uma mudança de palavras. É necessário pensar profundamente o que isso implica. Também isso não pode se restringir a uma atitude racional e conceitual. É necessário ser seguido de uma auto-escuta e de um auto-questionamento que provoque um longo e penoso caminho de autopoiese. Ouso propor como desafio o título de uma romance famoso e belíssimo de Clarice Lispector: Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Trata-se realmente de uma longa caminhada de aprendizagem. Não pode ser simplesmente um exercício racional de troca de um “ismo” por outro. Trata-se de trabalhar o corpo poético que existe em cada um de nós. Só assim uma tal caminhada questionante e de pro-cura poderá ir descobrindo no horizonte o prazer como saber e sabedoria.

Imagem, figura e metáfora

A questão fundamental é que todo o pensamento em torno da arte e da retórica está estruturado em torno da proposição, krisis, em grego. Isto se explica porque fundamentalmente ela se torna a matriz da verdade lógica. Por isso, ela se move nos conceitos. Assim o logos se vê reduzido a uma proposição como enunciação e enunciado do real/ente/on.
Podemos aí tomar três caminhos: 1º. Voltar aos pensadores originários e questionar essa redução do eiro (verbo grego que significa dizer argumentando e de onde se formou a palavra retórica) à proposição e o porquê dos esquecimentos das diferentes questões inerentes ao eiro; 2º. Questionar a referência e relação entre a proposição e o discurso e o porquê da redução da sintaxe discursiva ao âmbito da proposição, além da não tematização da referência e relação de discurso e linguagem. Da proposição lógica surgem os conceitos, como resultado da verdade lógica. Com isso o alcance da lógica da proposição e conseqüentemente da verdade lógica ficará seriamente abalada. A sintaxe do logos/linguagem se torna muito mais complexa, mudando radicalmente a relação entre sintaxe proposicional e sintaxe poético-ontológica; 3º. Questionar a referência e relação da sintaxe discursiva em relação às diferentes sintaxes em que se manifesta o real, expressas estas nos diferentes vocabulários das disciplinas. Temos aí um vasto campo de questionamento. Isso se deve a dois fatores fundamentais: a – o questionamento da noção de matéria aristotélica e com ela a da própria forma, base da interpretação do real/physis enquanto on e da manifestação dessa interpretação do on/realidade baseada na proposição lógica. A relação matéria/forma e organismo provém da idéia platônica do on/realidade, posteriormente concebido por Aristóteles na matéria e forma e na proposição lógica a que se reduz o vigor do logos/linguagem.
Desde o final do século XIX, nas duas principais ciências da natureza, e notemos aqui que a idéia de organismo e matéria/forma e proposição se fundam também nos estudos feitos por Platão e Aristóteles da natureza/physis, sofre profundas transformações. Ver esta discussão no livro de Fritjof Capra A teia da vida. A idéia básica é a questão da referência e relação da parte e do todo. A predominância da proposição sobre o discurso/linguagem/logos acarretou uma visão do corpo/organismo dos entes em que a parte determina o todo. E isto foi amplamente aplicado às obras de arte e aí também se coloca a questão fundamental. Com a proposição surge o conceito de sujeito. Na medida em que se abala a proposição como parte em relação e referência ao todo, não é só a proposição como determinante do discurso que está abalada, é também o próprio conceito de sujeito. O sujeito é a parte. E aí o todo se dissolve numa seqüência de conceitos que não dão conta da questão da parte e do todo. Isto é, surgem novos conceitos para darem parte do todo. Contudo, esse é um problema metafísico ainda e não diz de maneira alguma a questão fundamental. O todo não pode ser reduzido a um conceito ou a diferentes conceitos. E aí temos que voltar, só para indicar a complexidade da questão, ao fragmento 50 de Heráclito: “Auscultando não a mim mas ao logos é sábio dizer-com: tudo é um”. Esse “tudo é um” é a questão que não pode ser reduzida a uma série de conceitos.
Os diferentes conceitos que vão sendo elaborados tanto na física como na biologia para ultrapassarem o conceito metafísico pelo qual a parte determina lógica, verdadeira e proposicionalmente o todo está bem caracterizado por Fritjof Capra em seu livro acima citado nas páginas: 44 e 45. A idéia fundamental é muito simples: com a revogação e ultrapassagem da proposição como parte que determina o todo, vão surgindo no lugar diversas constatações em diferentes níveis de que não há apenas um todo, mas diversos, ou seja, tanto na física quântica como na biologia os “organismos/obras” são constituídos de diferentes todos que se vão integrando de uma maneira não explicável nem analisável e nem em hierarquias em todos maiores, até se chegar, hoje, à idéia de rede de vida. Esta rede é constituída e harmonicamente integrada por diferentes “nós”. É importante notar que tanto “nó” como “rede” são metáforas de imagens/figuras-questões, embora ainda apareçam nas ditas ciências como “conceitos”, contudo, os conceitos aí se tornam problemáticos porque não cumprem mais o papel do conceito como definido a partir da proposição, ou seja, da parte sobre o todo. A junção de rede e nó abala fundamentalmente o conceito lógico-proposicional. Contudo, como a ciência conjuga duas epistemes: a lógica e a física, ficam reduzidas essas metáforas imagens-questões a uma dicção e posição metafísico-epistêmica. No lugar do conceito ou conceitos procura-se agora o grande paradigma, sintetizado na metáfora “rede”. Como metáfora ela é concreta, mas como conceito pouco ou nada diz, pois não lhe são aplicáveis as propriedades do conceito. O paradigma, como tal, também não se constitui numa “teoria”, a não ser num sentido muito geral e abstrato a que nada mais operacionalmente diz respeito. É que a metáfora “nó” também significa um paradigma, sustentado por uma teoria. Contudo, aí a análise tem que ser totalmente abandonada porque ela me dá conhecimento das partes e a parte não é nada sem o todo e o todo não é passível de uma análise. Qual o método então a ser tomado? É para mim uma questão a investigar em mais leituras. Mas há três núcleos básicos: questionar, diferenciar e dialogar. E o dialogar enquanto questionar e diferenciar se realiza em três diálogos (cf. www.travessiapoetica.blogspot.com, Os três diálogos).
Se bem notarmos a introdução das duas metáforas básicas colocam não só uma série de problemas mas muito mais fazem emergir as questões que ficaram silenciadas e de que os cientistas e pesquisadores ainda não se deram conta. O que funda o paradigma? E o paradigma dos paradigmas (ecossistemas)? E como fica aí a metáfora “vida como rede”, “A rede da vida”? Como se dá a relação e referência entre nó e rede, nós e rede, rede e redes? E mais: há ainda na metáfora “rede” algumas questões não apontadas: os fios/tecidos. Como se relacionam estes fios com o discurso, o discurso com o nó/nós e a rede/redes? Mas não há só: fios, nós, redes. Há também e, sem dúvida, numa importância fundamental: os buracos, os vazios entre os nós e os fios. O que eles significam? E aí vem a questão maior: Quem constitui a rede? Certamente todos esses constituintes, mas uma coisa se põe radicalmente: A rede é que cria os vazios ou a rede é uma doação dos vazios? E mais: Onde a rede não chega nem alcança continua como possibilidade de expansão o quê? O vazio?
É neste e a partir deste vazio que se coloca a questão essencial da metáfora. O que nos diz a palavra metáfora? Ela pode ser reduzida à sua definição retórica fundada na proposição e sua verdade? Assim como a proposição-conceito não mais dá conta do todo como parte do discurso e nem o determina, assim também a metáfora não pode mais ser reduzida ao conceito retórico-gramatical e porposicional. É necessário entender a metáfora a partir dos nós, da rede, dos fios, dos vazios, do vazio de todos os vazios e rede. Mas então a metáfora não pode ser reduzida a um conceito proposicional. Ela se insere em algo mais fundamental. A rede vive da tensão com o vazio. Na medida em que a rede é uma figura-questão da vida, a metáfora vai aparecer aí como a linguagem que se move nas questões fundamentais da vida/dzoé/real, da verdade, da linguagem/hermes, do hermes/caminho/método, do discurso/tempo/sintaxes, da poiesis/sintaxe/sentido/ação, da verdade/libertação. No horizonte destas questões há muita coisa a ser pensada.
Contudo, se observarmos, a não hierarquia dos nós, e até das redes e a sintaxe inerente a cada nó/sintaxe coloca algo sutil mas fundamental: na medida em que nos desfazemos da proposição como lugar da verdade lógica, onde fica então a verdade? É aí que entra a questão da verdade. Esta se desloca da proposição e se localiza no próprio vigor da metáfora. Como e por quê? A apreensão e força dos nós e suas sintaxes e das redes e suas sintaxes vão depender do operar/poiesis inerente ao que a metáfora manifesta. Contudo, dar e estabelecer aí uma verdade para a metáfora é impossível. Por quê? Ela é ambígua. Ela não pode ser conceituada. Abre amplos campos de reflexão e questionamento. E é isso o que a nome metáfora diz. Basta atentar para os seus constituintes verbais. “Metá” é o caminho ambíguo do “entre”. Esse é o sentido básico do prefixo metá, em grego. E o verbo “fero” diz o que conduz e produz e manifesta, mas não conceitualmente, mas sempre e sempre como “entre”: entre conceito e questão, entre alto e baixo, entre exterior e interior, entre limite e não-limite, entre verdade e não-verdade, entre ação e não-ação, entre sintaxe e não-sintaxe, entre figura e vazio, entre fala e silêncio, entre ser e não-ser, entre conhecimento e não-conhecimento, entre margem direita e esquerda como leito corrente de uma grande e permanente rio.. Por isso mesmo o “entre” vai estar na base de toda disciplina como inter-disciplinaridade. Hoje, todos sabem, é impossível trabalhar só com disciplinas, uma vez que estas só têm o seu sentido como parte de um todo. Mas o todo, acabamos de ver, se dá numa série de nós e redes, onde o vazio é a poiesis de toda possibilidade de manifestação de um paradigma. Por isso, hoje as disciplinas só se sustentam na “inter/entre/disciplinaridade”. A metáfora passa a ser o terreno onde todo conhecimento científico se move e constitui. Este se constitui em torno de quatro grandes metáforas: rede, nó, linha, vazio. É a teia da vida. Mas onde a vida não passa também de uma metáfora do que, afinal, metaforicamente, não se sabe. NÃO CLARO PORQUE VAZIO NÃO ENTRA NA CIÊNCIA. O conceito, em que se move necessariamente a ciência, só se move nos limites e não na dualidade tensional do entre como limite e não-limite. Esta dualidade tensional nos põe imediatamente diante do mistério que é o limite. Porém, o perceber essas questões nos leva agora a propor os ecossistemas. Contudo, este têm de ser pensados na poético-ecologia (ver: www.travessiapoetica.blogspot.com). Então a terra será Gaia: simplesmente vida. Mas como pensar a vida em seu sentido sem pensar a morte?
A teia e o tecer remetem diretamente para discurso e este para tempo e este para linguagem e esta para memória e história, onde esta se funda sempre numa das facetas da memória. Estas questões se fazem presentes na “teia da vida”, mas também na “teia da physis/nascividade”, porque a física se vê às voltas com os mesmos problemas e questões da biologia. Contudo o tecer tanto da physis/nascividade como o tecer da vida provêm da poiesis/vigor do poético, mas na medida em que o tecer provém do vazio como tensão de contrários, o agir da poiesis é inerente tanto ao tecer como ao vazio, sendo, portanto tanto ação do discurso e sintaxe como ação do não-discurso e da não-sintaxe. Neste sentido tanto podemos falar de poiesis como ação como de não-ação, de verdade como de não-verdade, de ser como de não-ser. Contudo, falar aí é dialogar enquanto questionar e diferenciar. Por que esta distinção é importante? Porque nessa tensão se localiza a metáfora e dela recebe seu vigor, porque nessa tensão a metáfora nunca se pode tornar mero conceito ou paradigma, porque nessa tensão aufere a questão o seu vigor. A metáfora é a própria tensão. Nela vivem tensionalmente o conceito e a questão. O próprio paradigma se torna, na realidade, em vez de um nome-conceito, uma palavra-questão. Pela força tensional da metáfora o significado inerente ao conceito e à proposição e à sua verdade se abre, como entre-conduzir, para o método como caminho de sentido. Mas isto é a poiesis, o sentido e essência da ação. Por isso a metáfora é essencialmente poética. Não por uma força formal-retórica-proposicional, mas porque verbo/hermes/vida originária, criança primordial. Hermes não é simplesmente uma figura-questão, é a própria metáfora, a própria poiesis.
A metáfora se move, portanto, na ambigüidade originária de todas as grandes questões: a physis/on/real, a poiesis, a linguagem/logos, o método/hermes/caminho e sentido, a verdade, a memória/história e a liberdade/necessidade/destino. Ora, a conjugação destas questões é que constitui propriamente a sintaxe. O alcance da sintaxe fica, nessa ordem de questões, dependente da sua interligação e vigor da metáfora. Ou seja, há uma sintaxe tradicional, formal, retórica, presa á verdade da proposição, embora se constitua em algo estranho, como Aristóteles já o notara. É a sintaxe da proposição tradicional. Na medida em que a biologia e a física quântica questionam e demonstram a insuficiência dessa sintaxe, toda ela fica em suspenso e frágil. É a sintaxe da gramática e até do conceito de língua como código e discurso, porque aí ainda não se questionam as demais metáforas, pois discurso, palavra ligada ao verbo currere (fluir, correr), é metáfora. Aí ainda não se questionam e põem em evidência as demais metáforas que acompanham o todo que está para além da proposição: a rede, o vazio, o nó, a linha. Ao silenciar estas metáforas ficam silenciadas as questões essenciais.
Mas há uma outra sintaxe onde todas as questões se fazem presentes. É quando se pensa uma sintaxe a partir da rede e dos nós. Mas ainda aqui é necessário fazer uma distinção fundamental. A rede e os nós ainda não pensam os vazios e o vazio dos vazios, o silêncio das falas, o não-discurso de todo discurso, ou seja, não pensam a não-sintaxe de toda sintaxe. Mas esta é inerente à metáfora, pois esta se move sempre na ambigüidade do “entre”, de ser e não-ser, de limite e não-limite, de fala e silêncio, onde o entre se dá como escuta. Toda metáfora tem seu vigor a partir da liminaridade. O vigor da liminaridade é a poiesis.
Porém, notemos que a ambigüidade e força da metáfora se dá em diferentes níveis. Quando tanto a biologia como a física quântica saem da parte e passam a se mover no todo, acontece aí algo fundamental. É que este todo não é uma noção abstrata mais geral que presidiria as partes. É mais complexo. É o que nos diz a relação e referência nó/rede. Cada nó constitui uma sintaxe sem hierarquia entre os nós. Por seu lado, a reunião dos nós constitui uma rede que só pode ser apreendida na medida em que se constitui também numa sintaxe. Mas esta sintaxe não subsume as sintaxes dos nós, pois também aí a sintaxe da rede não se funda numa superioridade nem numa dissolução das diferenças das sintaxes dos nós. Na rede como sintaxe não jamais linearidade. O que se faz sempre presente é então a rede como memória, se esta tiver o sentido de cuidado da unidade enquanto fala e escuta do tudo é um, de que nos fala Heráclito no fragmento 50. A rede como paradigma ainda continua uma metáfora concreta e não apenas formal, onde, estranhamente a metáfora articula uma identidade concreta das diferenças. Esta “inter”-dependência não é apenas lógica, mas real e concreta, onde qualquer determinação conceitual é impossível, no sentido de que não é possível determinar exatamente o limite material. Nesse sentido, a sintaxe está também para além do objeto e se abre para o que tradicionalmente se denominou obra. Por isso mesmo o conceito de língua e de código e de significado se tornam problemáticos.
Quando passamos das questões da metáfora e das sintaxes para as questões da arte em sentido amplo, as conseqüências são enormes.
Ao sairmos da parte para o todo, em primeiro lugar é a questão da obra como organismo, vigente desde Platão, que é questionada. Perde-se aí o conceito de obra como organismo com princípios lógicos e proposicionais e fundamento. Não há mais fundamento. E a obra deixa de ser um organismo passível de uma análise para determinar o significado do todo, da obra. Uma tal análise já foi abandonada na biologia e na física. Os conceitos oriundos da prevalência da proposição como origem da sintaxe da obra, com sua lógica e encadeamento, com seu sujeito determinado na seqüência lógica e causal também se perdem. Com isto ficam sem validade nenhuma os conceitos de gênero e de estilos de época, porque fundados na causalidade. Mas na obra como identidade das diferenças de nós e rede é impossível falar em causalidade e muito menos ainda em historiografia causal e linear. O tempo linear é próprio da proposição como verdade do discurso, do tempo e da linguagem. Isso tudo rui. Agora se dá o inverso. A obra é metáfora como um todo e não apenas ao nível da proposição do discurso. O todo é que dá sentido às partes, inclusive à proposição. A metáfora e seu processo metafórico precisam ser lidos do todo para as partes. Só que estas partes se constituem em si em sintaxes diferentes da sintaxe do todo. Toda metáfora é aí sempre não metáfora, na medida em que atua na sintaxe do todo e ao mesmo tempo e diferentemente nas sintaxes das partes. A metáfora é a própria poiesis, pois o agir é agir e não-agir, é ser e não-ser. Por isso mesmo, cada imagem/figura se move como desdobramento metafórico sempre dentro da questão e não dos conceitos. Só por ser fundamentalmente questão e não conceito é que a metáfora é poiesis, é que pode dar origem a diferentes sintaxes.
Cada obra como obra é metáfora como um todo e ao mesmo tempo se constitui de diferentes metáforas de acordo com a sua presença e articulação nas diferentes sintaxes. E então os saberes se redimensionam na interdisciplinaridade poética. É no horizonte desta que precisa ser pensado não simplesmente o ser humano ao lado dos outros seres, mas o humano do homem como a integração poética de toda a realidade.
Com o questionamento da proposição e da sua verdade o aquestionamento maior é daquele que constitui o próprio sujeito do discurso e das proposições: o ser humano. Inserido na dinâmica das questões, ele deixa de se distinguir dos demais entes na ordem das sintaxes dos nós e da sintaxe da rede. Ele não é o sujeito. A sintaxe maior é dos nós e da própria rede da vida. Isto precisa ser visto com mais detalhes. Um exemplo simples já dá a dimensão deste questionamento, porque recoloca o homem na questão maior da sintaxe maior que é o destino (enigmaticamente ligado a genos/código genético). Hoje a tensão de sintaxes das partes e dos nós e da obra se torna mais problemático e questionante na grande questão da memória e do código genético. Para além da memória como conceito temos que nos abrir para a Memória questão: a mítica, a esposa de Zeus, a que dá unidade em cada genos, a que é, foi e será. Nesta Memória o tempo é poiesis, vigor do poético, e não pode haver causalidade nem tempo historiográfico. E falar de código sem a Memória é uma redução brutal da questão. O código não se sustenta, nem na gramática, sem a Memória. Por isso, esta é Linguagem. Então o tempo enquanto poiesis é tempo ontológico e não meramente cronológico. No código, trata-se sempre da questão linguagem. Por isso, na medida em que o ser humano se insere na grande rede da vida como um todo e dela não se distingue, porque nele todo o enigma da vida se faz presente, á metáfora da vida vai se contrapor a metáfora da morte. Isto já tenho desenvolvido. O horizonte de sentido de vida e morte advêm dessa metáfora tensional maior que é o ser humano. Não é à toa que a busca do ser humano se dá no mito Édipo, de Eros, de Cura, de Midas e de Narciso, Ícaro, Prometeu, tendo aí no meio Hermes e Tirésias
Contudo, o próprio ser humano pode ser considerado como uma rede com diversos nós, originando, portanto, diversas sintaxes, culturas e identidades. Essas sintaxes aparecem bem nas interpretações das obras de arte. Daí “análises” psicológicas, psicanalíticas, políticas, sociológicas, históricas. São diferentes sintaxes onde não entra nunca a questão maior do vazio. Daí a necessidade de reuni-las numa “interpretação” poética como algo que é e é obra/verdade, porque nela se faz presente o vazio. Aí poiesis e ser são um e o mesmo: “ ...hen panta hen: tudo é um”, como nos diz Heráclito no fragmento 50. Estas sintaxes estão sintetizadas em duas figuras-questões: o corpo e a cidade. Como se pode notar há aqui uma intermediação metafórica fundamental. Mas não podemos pensar a cidade, o social, o cultural opostos à natureza. Tudo isso forma o grande corpo do homem humano em sua integração de corpo, mundo e terra.
A sintaxe é a terra ordenada em mundo, em culturas enquanto sentido da realidade. A sintaxe como questão se desdobra em diferentes sintaxes tanto do corpo como da cidade. E aí de novo o conceito de sintaxe baseada no sujeito se torna radicalmente problemática. Apontemos as diferentes sintaxes em que são lidos tanto o corpo como a cidade. O interessante é que os conceitos tradicionais tanto de corpo como de cidade (sem contar, o que vai ser necessário, da Terra, do universo, do próprio real/physis) provém da sintaxe proposicional e lógica, que funda o sujeito. Por isso a insistência ocidental é nesta sintaxe, onde o homem é o centro e tudo mais fica dependente desta sintaxe. O deslocamento do homem como corpo cidade para rede de vida/Terra tem conseqüências ainda imprevisíveis para o estudo da arte e suas questões. Hoje estudar as questões da arte é dar esse pulo. As sintaxes tradicionais baseadas no homem como sujeito apontam para quatro sintaxes, a partir das quais tudo o mais é determinado: a sintaxe lógico-formal do homem dividido em corpo e espírito, a sintaxe social pela qual se opõe sujeito indivíduo e sujeito social, a sintaxe matéria espírito pelo qual se estuda o ser humano na interioridade psíquica até mergulhar no inconsciente e finalmente a sintaxe histórica linear e causal pela qual o homem é determinado e determina a historia, tudo centrado no homem. Estas quatro sintaxes dominaram o ocidente e tem como centro o homem em detrimento do todo maior que é a rede da vida/Terra. O pulo para a rede da vida/Terra é o grande pulo que deve também ser dado na interpretação das obras de arte. São para Heidegger as questões fundamentais da arte e que se fazem presentes em A coisa e A origem da obra de arte.
Hoje se tenta sair do homem concentrando-se em duas metáforas que congregariam os novos caminhos. Duas metáforas centrais: o corpo e a cidade. Elas como metáforas indicam duas sintaxes mas que se inter-relacionam fundamentalmente. Mas como são lidas estas metáforas? Ou seja, parte-se de uma sintaxe epistêmica metafísica ou de uma sintaxe poético-ontológica? Para responder com pertinência é necessário percorrer como as questões fundamentais são aí encaminhadas: como conceitos ou como questões? Notemos logo de inicio que o corpo já começa sendo lido a partir tanto da biologia como da própria física e também de uma disciplina intermediaria, mas que não se abre para o inter: a biofísica. A concepção metafísica continua presente mesmo aí, porque esses nós sintáticos partem da posição epistemica metafísica inicial, embora desloquem o sujeito da proposição para o sujeito da sintaxe. Mas no fundo continua a divisão entre corpo e espírito ou psique. E aí se geram diferentes sintaxes, parecendo que algo se resolveu porque estas sintaxes se articulam numa maior, a rede. Mas que conseqüências se tiram daí? Essas sintaxes não reproduzem ainda a predominância das partes sobre o todo? Porque as partes da analise não são apenas as diversas partes do organismo. Fora do organismo ou noutra direção perdura a psique, perdura o social, que aí é remetido para a cidade. A transitividade das sintaxes corpo/cidade e sintaxes internas a cada metáfora não são ainda lidas a partir das partes sem levar em conta o todo? Se observarmos a divisão inerente ao corpo em organismo e psique se faz também presente na cidade: cidade versus campo, cultura versus natureza. De novo devemos aí observar como a cidade é encarada: conceito ou questão, como as questões são resolvidas em conceitos ou na ambigüidade das questões? Podemos notar que tanto nas sintaxes do corpo como nas sintaxes da cidade permanecem silenciadas as demais metáforas já acima apontadas: vazio, silencio etc. A metáfora tem já implícito no verbo “fero” (conduzir) um fim que orienta os empenhos de todo agir, de toda agir na duplicidade do ente, do limite e do não limite, na medida em que se procura dar sentido, ou seja, finalidade ao agir. Então a metáfora já se move sempre numa procura do não-limite nos mistérios do limite. Dar sentido é trazer para o limite o não-limite e levar para o não-limite o limite. É isso que distingue fundamentalmente o fazer das artes. É essa ambigüidade condensada na metáfora.
Se formos á etimologia de cidade, em grego, Polis, esta está ligada a pólo. Todo pólo é uma metáfora para uma sintaxe articulativa. A palavra arte e articulação diz essencialmente ordem. A polis e a ordem se tornam assim algo constitutivos da metáfora cidade, e portanto da política. Mas sabemos que uma tal ordem que articula a cidade se faz em torno da lei. Ora a polis articulada pela lei é o horizonte em que se move cada ser humano, ou seja, a cidade e suas leis ou lei fundamental de ordenamento acaba por determinar o lugar e a realização de cada um como cidadão.
Assim como não pode haver separação entre corpo e espírito nem entre polis e campo e nem entre natureza e cultura a lei que rege a polis também não pode se fundar dentro de dicotomias. Ou seja, tanto a polis como o corpo devem ser lidas dentro da dinâmica das questões da arte. A lei de que se fala aqui é a de Antígona: a que funda o humano do homem, ou seja, a realidade, a lei que funda o próprio questionar, diferenciar e dialogar. É a lei de que nos fala o frag. 123 de Heráclito, enquanto “philei”, pelo qual se dá o apropriar-se do que é próprio. Cf. o ensaio Os três diálogos, já indicado.
Nesta dinâmica podemos ver que no ocidente a polis é lida e concebida em três dimensões ou três sintaxes. A polis como a rede da vida é sempre uma, mas ela pode ser lida na ordem dos conceitos-proposição-paradigma ou na ordem das questões.
Hoje há uma confluência de duas políticas fundando a cidade-corpo-pos-moderna. A outra polis, fundada na lei como questão continua silenciada. Ora estas duas cidades se lêem fundamentalmente na lei das questões das arte. Ou seja, as questões vão continuar a ser lidas como conceitos ou questões?


O início

Como início propomos uma questão: Quais são as questões fundamentais da arte? Esta pergunta não é só da arte. Esta é uma pergunta que diz respeito aos mitos, a qualquer filosofia, a qualquer religião. Tais questões independem de cada ser humano, de cada pensador, de cada teoria, de qualquer fazer artístico. O poeta ou pensador é poeta e pensador na medida em que se defronta com tais questões que o precedem e o sucedem. E isso em todos os tempos. O que variam são as respostas.
Sete questões fundamentais nos assediam permanentemente (mas dependendo da conjuntura outras comparecem). Estas são apenas indicativas da procura do humano do homem enquanto Entre-ser:
1ª. o real (ser/entes), physis, não-ser;
2ª. o agir (poiesis), tempo, história;
3ª. o caminho/verbo/ Hermes, sentido, metá-hodos;
4ª. a linguagem / logos, mundo, memória (dia-logos);
5ª. Nóesis (percepção, intuição),Dia-noia
5ª.. a verdade
6ª. a liberdade
O interessante é que querer tratar de qualquer uma delas é tratar das sete. A partir dessas seis questões fundamentais fizemos um levantamento de termos que foram sendo tecidos ao longo do percurso ocidental. De um lado enunciamos o vocabulário e conceitos epistêmicos e metafísicos. Depois enunciamos outros que procuram mostrar o que ficou esquecido e silenciado.
As seis questões se fazem presentes no sagrado. Este se desdobrou em três segmentos: mitos, artes e religiões. Não trataremos aqui nada de religiões. A partir dos três segmentos surgiram os pensadores originários e depois os filósofos. A diferença fundamental entre eles pode ser assim posta numa caracterização simples mas fundamental. Os mitos e artes se constituem em torno de imagens-questões, já os pensadores originários trabalham em torno de questões-imagens, ao passo que os filósofos surgem quando fazem destas conceitos. Claro que isto foi sendo mais precisado e distinguido no curso de um longo processo. A tendência ao conceito foi largamente estabelecida pela ciência. Mas hoje, dada a mutação constante pelas pesquisas novas, tende a haver uma maior flexibilidade. E certamente o conceito reencontrará a questão para viverem numa tensão criativa e desveladora da realidade. As teorias filosóficas se constituíram depois em sistemas, onde os conceitos viram jargões. Estes passam a facilitar a comunicação e a circulação das informações e conhecimentos.
Como as artes foram sendo definidas e caracterizadas a partir de conceitos filosóficos, vamos fazer um pequeno levantamento desses conceitos. Contudo, eles obstruem e silenciam a dinâmica das questões inerentes às figuras-questões dos mitos e as questões-figuras dos pensadores originários. Por isso, para trazer de novo o vigor das obras de arte vamos a cada conceituação epistêmica indicar outros nomes pelos quais sejamos levados a pensar a presença da poiesis das obras de arte. Uma coisa fica logo clara. As seite grandes questões estão diluídas em meio à nomenclatura geral originada pelas teorias filosóficas.
Será feita apenas uma breve caracterização de cada termo, pois o objetivo principal é que o leitor perceba o que ficou silenciado e a perda da dinâmica das questões. Usamos a seguinte distinção:
A - CONCEITOS FILOSÓFICOS
B – QUESTÕES ORIGINÁRIAS
Primeiro mostramos o levantamento tanto dos conceitos filosóficos como das questões originárias, para depois acrescentarmos um pequeno comentário mostrando a diferença entre A e B. Por outro lado, de maneira alguma se pretende estabelecer uma levantamento exaustivo ou criar dicotomias. O estudo de uns e outros é necessário. Apenas a leitura das obras de arte a partir das questões originárias traz conseqüências importantíssimas para a formação de cada leitor e para a sua realização como ser humano. Mas isso só no todo poderá ser percebido. Os dados abaixo devem ser, repetimos, lidos tendo como pano de fundo as sete questões fundamentais da arte acima enunciados: physis/ente/realidade, poiesis/ação, método/verbo/sentido, logos/linguagem/ verdade / liberdade.


A – Conceitos epistêmicos B – Questões originárias

1a - matéria/forma 1b - vazio/figuração
2a - objeto 2b - obra
3a - função 3b – não-função
4a – razão 4b - ação / poiesis
5a – teorias conceitos 5b – questões/conceitos
6a – errância lógica 6b – errância poética
7a – análise 7b – desvelo in–augural/interpretação
8a – figuras de retórica 8b – figuras-questões/ironia
9a – historiografia 9b – memória onto-poética
10a – formação profissional 10b – travessia onto-poética
11a – cronologia 11b – acontecer poético
12a - código/língua 12b – saga/linguagem
13a – significado sócio-psíquico-histórico 13b – sentido onto-poético: corpo/mundo/
e estético terra
14a – técnicas formais 14a – limite/não-limite das figurações
15a – criação subjetiva do imaginário 15b – manifestação originária e inaugural
do on/realidade
16a – disciplinas das artes 16b – poiesis das artes
17a – objetividade conceitual 17b – escuta do logos e cura onto-poética
18a – sintaxe gramático-formal/proposição 18b – sintaxe poético-ontológica/verbo
19a - leis rácio-estruturais 19b – leis do genos (moira/destino)
20a – historiografia causal 20b – memória onto-poética (época)
21a – verdade lógico-objetiva 21b – aletheia: mundo/terra

Todos estes tópicos precisam de um desenvolvimento. Eles não podem tornar-se uma nova gramática ou uma nova teoria. Hà, porém, uma questão básica: somos Entre-ser, seres da liminaridade. E, por isso, não podemos fugir da duplicidade do entre em sua ambigüidade radical de sermos ao mesmo tempo limite e não-limite. As questões originárias querem assumir explicitamente essa ambigüidade, esse Entre-ser, essa liminaridade e, por isso, surgem acima as formulações, mas tendo sempre em vista que nos querem lançar na tensão de aprendizado para deixar advir a aprendizagem, de saber para deixar que nos atravesse a sabedoria. Então o desafio é muito mais profundo, porque não se limita a, de fora, trabalhar alguns conceitos com os quais nos defrontamos com as questões de fora e com as quais nada temos a ver. As tarefas ora propostas são mais difíceis, porque teremos que já nos mover sempre dentro das questões, pois estamos nelas implicados. Estar nelas implicados é ter consciência de que nossas vidas, nossos mundos, nossa terra, as comunidades dos homens em suas diferentes culturas, porque se movem num sentido de vida diante da morte, todos contribuímos com nossos atos, nossas atitudes, nossas falas, nossas escutas para uma fraternidade cada vez maior ou não. A fraternidade se funda no questionar, no diferenciar e no dialogar. Temos de resistir à uniformidade técnico-cultural opondo o inaugural e as diferenças na identidade da fraternidade.

É fundamental o leitor dialogar com as idéias propostas em outros ensaios. Especialmente:
Telos e o sentido
Os três diálogos
Conceitos e questões
Obra de arte, vocabulário e mundo
In: www.travessiapoetica.blogspot.com
E:
Interdisciplinaridade poética: o “entre”. Revista Tempo Brasileiro, 164, jan.-mar., 2006.