23 agosto 2006

A leitura e os diferentes textos

A leitura e os diferentes textos – atualizada em 13-09-05

Manuel Antônio de Castro

www.travessiapoetica.com

Na perspectiva da língua, todo pensamento é um texto. Um texto é um

sistema de signos em que alguns sempre de novo recorrem numa

cadência regular.

De texto de um língua, o pensamento se faz viagem da Linguagem de

ser e não ser no tempo.

Emmanuel Carneiro Leão. Aprendendo a pensar II.

A leitura e as leituras

O jornal O Globo, no dia 9 de setembro de 2005, publicou à página 11 do primeiro caderno uma pequena reportagem, cujo título era: “De 15 a 64 anos, 75% dos brasileiros lêem mal – nessa faixa, apenas cerca de 26% da população dominam plenamente a leitura; 68% são analfabetos funcionais”. Depois a reportagem dá outras percentagens e a sua distribuição por classes. Até a percentagem de desempregados segundo a capacidade de leitura.

O que pensar disso? Como interpretar esses dados? O que essa pesquisa prova e não prova? Para que ela serve? Para quem ela serve? Como reagir a essa situação calamitosa? O que de fato podemos fazer? O que se busca com o domínio da leitura?

Fique logo claro que o amplo domínio de leituras é o mais desejável e importante para cada ser humano. Porém, a reportagem sobre a pesquisa da leitura nada fala de que leitura se trata, isto é, que textos foram usados para fazer a pesquisa. Pois há diferentes leituras segundo os diferentes textos e discursos, assim como de um mesmo texto pode haver diferentes leituras, segundo também diferentes discursos e capacidade de interpretação.

Comecemos pelo começo: Há discursos orais e escritos. Por isso há leituras orais e escritas. Acontece que hoje as sociedades se estruturam em torno da escrita. Em vista disto, o mundo pós-moderno exige, para a pessoa ser funcinalmente incluído nele, um grande domínio não só da escrita, mas também dos diferentes discursos. E estes se tornam cada vez mais difíceis e especializados. O grande volume de pesquisas produz uma renovação do conhecimento rapidamente. Além disso a internet difunde esses conhecimentos instantaneamente para todos. E isso demanda mais estudo, tempo e dinheiro. O que a maioria dos brasileiros não tem. E aí se gera um círculo vicioso.

Antes de tratar de alguns desses discursos, cabe uma observação essencial. A preparação funcional para o domínio da leitura é feita tendo em vista uma sociedade dominada pela tecnologia, seus conhecimentos e produtos. Mas será que tudo na vida de cada pessoa tem de ser tecnológico e se resolve através da tecnologia? Esta produz hoje a sociedade do conhecimento. Mas será que o conhecimento tecnológico também produz sabedoria? E como alguém pode ser feliz sem ser sábio? E nesse sentido a arte não pode nem deve competir com o conhecimento globalizado.

Para além dos conhecimentos técnicos há também e em primeiro lugar o sentido da vida, a busca da realização do que cada um é. E aí ocorre um fato muito simples: a pessoa pode ignorar os discursos técnicos e saber ler, distinguir e entender o que é essencial para a busca e realização do sentido da vida. Para este não basta saber ler, é necessária muita reflexão e vida interior. Isso está ao alcance de cada um: é o famoso princípio de Sócrates: Conhece-te a ti mesmo. Este os discursos científicos e técnicos não ensinam. Onde aprender? Com os mitos, os textos religiosos e as obras de arte, desde que estas não sejam objetos das nomenclaturas críticas e científicas.

Nada disso é fácil. Simplesmente porque até o vocabulário oral, sem falar no escrito, pode-se tornar muito amplo, variado e difícil. Além disso, a circulação dos conhecimentos históricos e da vida cotidiana, por causa da escrita, cada vez mais dilui a presença e importância do que antigamente era transmitido pelas tradicões. As palavras estão sofrendo um profundo esvaziamento pelos meios de comunicação e pelo uso de novas palavras de origem científica e até estrangeira.

Hoje, todo esforço de aprendizado e de compreensão da leitura se centraliza em discursos técnico-científicos, sejam comunicativos, políticos, científicos, “artísticos” e religiosos. As especializações vocabulares tornam, por isso mesmo, a leitura muito difícil. Aliás, falar em leitura é algo irreal. Só se deveria falar em leituras.

O texto, a rede e o silêncio

Texto vem do verbo tecer. Uma boa imagem para texto é rede. Olhando uma rede, nota-se logo um conjunto de linhas que se entre-laçam através dos nós. O entre-laçamento de palavras e orações forma um discurso. Este transmite idéias e conhecimentos, porque as palavras reunidas em orações vão formando um sistema de conceitos. Os diferentes textos ou discursos se estruturam na medida em que formam diferentes sistemas de conceitos. A dificuldade em ler e compreender está no desconhecimento dos conceitos por parte do leitor.

Muitas vezes até a maioria das palavras são semelhantes e as mesmas. O que muda? Cada passo na rede é complexo, porque ele sempre se bifurca, daí surgem diferentes sintaxes e conceitos. As palavras passam a ser altamente ambíguas. Tudo isso dificulta a compreensão da leitura.

Além das linhas e nós, há também os buracos da rede. Eles indicam a fluidez e ambigüidade das palavras, pois elas se movem dentro de vazios e silêncios. Isso é o mais difícil de perceber por parte de um leitor não habituado à reflexão e a muita leitura. Dependendo do discurso conceitual há uma ambigüidade crescente. O comunicativo é o menos ambígüo e o mais é o poético. É que neste os conceitos são substituídos pelas questões. Estas oferecem múltiplas possibilidades de leitura, todas válidas e verdadeiras, se resultam de um diálogo com a obra.

Então, em relação aos diferentes textos, a palavra chave é discurso ou sistema discursivo. Também podemos notar que um sistema discursivo pode-se diferenciar de outros por um universo vocabular próprio.

Na rede não há apenas circulação comunicativa, de acordo com os diferentes discursos e universos vocabulares. A rede tem uma dimensão horizontal e outra vertical. As duas são sustentadas pela memória, a qual gera contínuos metabolismos auto-poéticos.

Há, por isso, uma variedade muito grande de textos. Daí surge a questão básica: Quando um texto, um discurso é artístico? Não há uma resposta pronta, definitiva, mas podemos estabelecer diferenças entre os textos e assim encaminhar uma compreensão mais adequada da ambigüidade em que toda obra de arte se dá.

A linguagem e o discurso instrumental

Os conhecimentos conceituais são transmitidos através da palavra escrita (também oral, mas cada vez mais rara). Se bem notarmos, esse processo apresenta duas facetas, duas dimensões: de um lado a palavra ou proposição, de outro o conhecimento que ela transmite. As palavras se transformam num discurso instrumental. Quanto mais precisa a palavra (isto é, menos ambígua) para expressar o conceito, melhor se apreende o conhecimento. A palavra na sua densidade e existência própria deve se anular, sumir, tornar-se mero instrumento, meio comunicativo e conceitual. Então toda a atenção se concentra no conceito e só prestamos atenção aos conhecimentos que eles transmitem. Mas a linguagem manifestada em palavras tem existência, sabedoria e verdade próprias. Nessa dimensão a linguagem é o real se manifestando, acontecendo. Ela não é meio de nada, ela simplesmente é. É esta linguagem que distingue todas as manifestações artísticas. Então não vamos mais ter conceitos, questões. É por isso que as questões nunca se podem tornar um discurso instrumental nem serem meio para nada, nem transmitirem nada, nem serem úteis ou inúteis. Elas precedem essas categorias conceituais.

A leitura das obras de arte se torna mais difícil por isso mesmo: as questões não podem ser reduzidas a conceitos. O interessante é que quanto mais o leitor exercita a leitura das questões maiores condições tem ele de captar os conceitos. Neste sentido, a arte não é útil, é utilíssima e imprescindível. Dela nos advém um profundo auto-conhecimento e a sabedoria em que se tece a busca do sentido da vida (ser feliz).

Será que nos testes da pesquisa foram avaliados os textos com linguagem instrumental e os textos de linguagem poética e manifestativa? Será que foram avaliados só os conhecimentos ou também a sabedoria?

Os diferentes textos

O texto informativo. Vivemos hoje numa sociedade onde predominam os meios de comunicação, as infovias. Nela, todo esforço consiste na conquista do leitor através de uma variação quase infindável de publicações e de assuntos, usando textos informativos, feitos num discurso objetivo, direto, claro, em geral pobre, que esteja de acordo com o universo vocabular médio dos consumidores aos quais se destina. A busca desenfreada de leitores ou espectadores tem um motivo claro e um preço: fazer dele um consumidor. Por sua vez, o leitor busca as informações que preencham o seu cotidiano e possibilitem acompanhar o mundo em que está inserido, seja local, seja internacional, e conhecimentos gerais sobre os mais diversos assuntos. A informação é uma mercadoria determinada pelo possível preço de venda. Em geral as publicações e seus textos são redigidos tendo já bem definidos os seus públicos alvos (os compradores e leitores potenciais). Os assuntos, o vocabulário, as ilustrações se dirigem a um público já socialmente determinado (nível econômico e cultural). A leitura deve ser fácil e a publicação deve dar a impressão de que passa informações (em geral, em nível superficial e generalizante) que elevam o nível cultural de seus leitores. Há uma enorme variedade de assuntos, que se fazem presentes nos jornais diários ou até em revistas especializadas, passando pela política, a moda, o esporte, a programação cultural etc. Enumerá-los todos é impossível e também desnecessário. Um bom modo de medir o valor e importância destas publicações e o saber que elas divulgam se consegue através da sua duração: todas elas depois de um certo tempo perdem a atualidade e só lhes resta o desinteresse e o abandono.

Mas essas publicações têm o seu atrativo, porque mantêm o público leitor em dia com o que está acontecendo, infelizmente um acontecer circunstancial e passageiro, impossibilitando, em geral, aos leitores estabelecerem uma visão mais crítica do que acontece e da realidade. É claro que algumas publicações têm os cadernos especiais. Até estes têm como parâmetro fundamental o serem acima de tudo comunicativos e informativos. Como a realidade é muito dinâmica perdem logo a atualidade. Nesta leitura predomina a informação digerível e não exige do leitor nenhum esforço significativo que o faça refletir, crescer. O leitor está sempre voltado para algo externo, para uma realidade que o atrai, que lhe é oferecida como um contínuo espetáculo, alegre ou triste, porém que não é a dele, mas que, no íntimo, gostaria (talvez) que fosse. Isto o leva, em geral, a querer viver uma outra realidade que não a dele, gerando diferentes formas de alienação (alienus, do latim, outro). Nestes textos procura-se eliminar o mais possível toda ambigüidade das palavras, não restando senão aquela inerente a toda e qualquer linguagem, pois, no fundo, em toda palavra sempre resta algum dado equívoco. As leituras tendem a serem uniformizadas, embora provoquem reações diferentes em cada pessoa, mas em geral sem maiores conseqüências.

Na comunicação a palavra se torna um instrumento como causa de um meio para um fim. O esvaziamento da palavra é necessário na comunicação para que se torne um instrumento funcional, isto é, tudo funcione de acordo com o processar-se daquilo que se quer comunicar. Este pressupõe um real dominado e predeterminado pelos fins, pelos meios e pela causalidade instrumental. Esses três níveis integrados é que compõem o real sistematizado. Até podem variar os discursos, nas mais diferentes disciplinas, mas eles sempre ocorrem e funcionam tendo como base e causa os três níveis. Mas isto, na realidade, é o simulacro (representação da representação) do real que acontece e somente manifestado na e como palavra poética.

No texto informativo predomina a comunicação. A imagem-questão rede mostra bem este aspecto. As linhas são meios de comunicação que geram diferentes percursos e conjugam diferentes idéias. Mas estas são limitadas pela própria necessidade de comunicação. Na medida em que as linhas da rede são meios, nela a linguagem é sempre instrumental.

O texto publicitário. Nessas publicações destaca-se um outro tipo de texto: o publicitário. Constituídos de textos e imagens (estas têm um impacto muito forte), estes são mais sutis e bem mais elaborados, embora não exijam do leitor um grande esforço de compreensão. Dirigem-se preferencialmente à parte emotiva e pessoal do leitor. De alguma maneira procuram sensibilizá-los e, em última instância, persuadi-los a se tornarem consumidores. Para poderem atingir melhor as emoções (paixões, auto-afirmação, ideais, sonhos, diferenciação), são textos em que de um modo ou deoutro se faz sempre presente uma ambigüidade (que a opção por um determinado produto desfaz). Por trabalharem diversos recursos retóricos, eles exigem dos leitores um maior esforço, mas que não visa ao seu crescimento, mas ao envolvimento para levá-lo, em última instância, ao consumo. Ressalte-se que estes textos também são informativos, mas suas informações se tornam um meio de convencimento e persuasão. Junto com a emoção, o leitor exerce uma certa reflexão, mas que está de antemão direcionada ao objeto de consumo e não contribui para a libertação e auto-afirmação do leitor. É, pois, uma leitura mais sutil e rica do que a anterior, mas que ainda faz do leitor predominantemente um objeto, um número na multidão de consumidores. Embora surjam diferentes leituras, na medida em que cada um interpreta o texto a partir de sua realidade, a persuasão que leva à aquisição do produto objeto da publicidade acaba por desfazer a ambigüidade.

Embora os publicitários-sofistas usem muitas imagens retóricas, neste texto predomina a linguagem instrumental.

O texto científico. Há um outro texto, bem mais complexo e importante. É aquele usado na instituição escolar. O leitor sai do seu universo aparentemente singular e independente e fica submetido a um sistema, onde a leitura pressupõe um diá-logo. Ele se dá na relação professor/aluno. No lugar da informação passa a predominar o conhecimento. O que o distingue da informação, em geral, é que este é portador de um valor que irá ter influência direta na vida do leitor. Neste caso, o ato de ler sai do âmbito do consumidor e se centraliza no próprio conteúdo da leitura, que irá determinar o modo de ser social e profissional do leitor. Este texto é portador de conhecimentos que independem tanto do professor (emissor) quanto do aluno (receptor).

De um lado têm um estatuto de verdade que lhe vem da ciência e, de outro, possibilitam àqueles que deles se apropriam o exercício de uma profissão, daí a leitura estar em função do conhecimento. Aqui, de novo, entra a duração, e o que agora vai acontecer é que estes conhecimentos resistem ao tempo (daí se dizerem científicos). O que caracteriza, pois, estes conhecimentos é uma “certa” permanência. Baseiam-se num estatuto de verdade que lhe advém dos métodos objetivos de sua produção, tendo como características uma certa permanência e universalidade, pois os conhecimentos pretendem ser fundados em princípios universais. Isto quer dizer que, aparentemente, independem de tempo e conjuntura. Hoje em dia sabe-se que estes conhecimentos também mudam e algumas vezes até com bastante rapidez, mas nem por isso ainda deixaram de serem considerados verdadeiros e científicos. O que no fundo caracteriza estes textos é que o centro não é nem o emissor nem o receptor, mas o próprio conhecimento. Isto faz da relação leitor/conhecimento uma relação impessoal, ou seja, uma tal leitura leva cada um à aquisição de conhecimentos ditos objetivos, que caracterizam uma profissão. Nesta, o mais importante é o profundo conhecimento do assunto e não o que cada um é. Se alguém está doente, não vai escolher o médico pela sua beleza, pela idade, pela cor, pelas convicções políticas ou coisa semelhante, mas pela confiança na sua capacidade e na solidez e amplitude de seus conhecimentos profissionais (embora de um bom profissional se exija mais do que conhecimentos objetivos). Neste tipo de texto, a linguagem discursiva está totalmente a serviço do conhecimento, procurando desfazer e evitar todo e qualquer tipo de ambigüidade ou equívoco através de definições prévias dos termos, num jogo conceitual o mais preciso possível. Daí a proximidade da linguagem científica com a matemática. O conceito surge desde o momento em que algo pode ser submetido a uma “medida” dentro de um padrão teórico. Como medir o “silêncio”? Mas pode-se medir o som e até lingüisticamente a fala. Porém toda “medida” depende de um limiar. Se este é medido no seu limite, surge o conceito. Se este é apreendido no seu não-limite, surge a questão. O conhecimento científico só trabalha com conceitos, nunca com questões. Com estas trabalha a arte e o mito.

No entanto, é impossível evitar a ambigüidade total, mesmo nos conceitos, em relação ao real, porque a realidade, toda realidade é sempre de alguma maneira ambígua. Por isso o conceito só nos mostra sempre uma realidade parcial. Isto fica cada vez mais comprovado pela física quântica, onde o conhecimento da natureza se baseia em probabilidades e na complementaridade dual de partículas e ondas. Hoje, a ciência já prefere falar de complexidade, frente ao real enigmático. O sonho de um conhecimento objetivo absoluto se desfez, ainda que expresso matematicamente. Hoje se sabe que somos todos espectadores e atores do grande drama da vida.

Contudo, o modelo de conhecimento e verdade inaugurados pela ciência no século XIX ainda continua vigente popularmente e se tornou o parâmetro predominante na determinação do que é real e verdadeiro. É um modelo tão forte historicamente que extrapolou as ciências naturais e passou a determinar os conhecimentos históricos, ou como se dizia então, as ciências do espírito. A antropologia, a etnografia, a arqueologia, a sociologia, a história, as diferentes histórias (da música, da literatura, da arte etc.), a teoria literária etc. foram sendo constituídas e realizadas tendo como modelo metodológico o conhecimento objetivo e universal das ciências da natureza. Não compreenderam que estes são fenômenos vivos que exigem uma outra postura mais aberta e dinâmica para darem conta das suas transformações no tempo. Em tais fenômenos não há apenas conhecimentos, mas também o sentido como verdade da realidade. Não basta ter conhecimentos racionais, é necessário partir da compreensão. Como o conhecimento científico trabalha com conceitos e estes se fazem a partir de “medidas”, o alcance de sua realidade e veracidade estará dependendo do modelo matemático que as origina. Mas o “real’ é mais do que qualquer modelo matemático, até porque não passa de modelo.

O sentido e a compreensão extrapolam o conhecimento objetivo analítico-matemático. Como dizem respeito a diferentes culturas no tempo e no espaço, acabaram por submeter todas as diferenças culturais ao modelo científico ocidental, oriundo da leitura metafísica da realidade. Hoje se tomou consciência de que um tal conhecimento e análise se baseiam numa identidade generalizante abstrata e ideológica, fundada tão somente na razão (consciência) sem a compreensão. O modelo ocidental se impõe em detrimento das diferenças culturais. Por isso o conhecimento analítico científico, ainda que persistente, tende a entrar em crise e a dar lugar e vez às diferenças e a uma metodologia que substitua a análise pela interpretação, pela hermenêutica no que diz respeito à vida em sua complexidade.

Pela absoluta necessidade de tudo transformar em conceitos, a ciência é a que mais torna a linguagem algo meramente instrumental. A expressão máxima desta insturmentalidade é a gramática e a matemática.

O texto mítico. Os mitos se perdem no fundo da memória e são inerentes a todos os povos. Por diversas circunstâncias histórias foram sendo relegados a um segundo plano, mas jamais deixaram e deixarão de existir. O processo de afirmação da Modernidade consistiu na negação e superação do pensamento e poesia míticos, tornando-se, contraditoriamente, a razão um novo mito. Há uma memória mítica que persiste em todas as culturas e em todo ser humano. Os mitos, hoje em dia, na sua maioria nos chegam através da escrita. Com isso algo da sua dinâmica constitutiva já se perde. É que os mitos tinham como contraface os ritos. Os ritos eram a concretização dos mitos enquanto manifestação e interpretação da realidade, na medida em que os ritos eram o real se manifestando como linguagem. Nesse sentido, o mito é a realidade se manifestando como linguagem na medida em que seus personagens ou assuntos e temas são essencialmente imagens-questões. Ler e interpretar uma mito consiste basicamente em perguntar pelas questões que tal narrativa, tal personagem, tal assunto ou tema nos propõe. Um exemplo simples: Édipo. Seria descabido querer saber onde e quando ele viveu etc. Tudo mudo se nos perguntamos: Quais as questões que o mito de Édipo nos propõe?

Nada mais estranho ao mito do que lhe atribuir uma explicação causal de fenômenos naturais ou psíquicos. Isso já é uma interpretação cientificista e metafísica do mito, pois constituem o conhecimento na medida em que estabelecem causas e conseqüências. O mito realiza um conhecimento manifestativo e não causal. O seu tempo é circular e dinâmico, e não linear como no conhecimento racional. A verdade do mito não pode, pois, ser avaliada a partir do modelo científico de verdade. O mito enquanto rito sempre expressou e manifestou as vicissitudes históricas de cada povo, de cada cultura, ou seja, é a força instaladora de uma ordem e suas questões. Isso provocava diferentes versões do mesmo mito, que nos chegaram muitas vezes através da escrita. Elas já são sinal da profunda riqueza e ambigüidade da realidade. Uma tal ambigüidade ocasionou sempre múltiplas interpretações. O texto mítico é um texto ambíguo, questionante. Em suas transformações históricas, os mitos dão origem às religiões e às artes. Por isso é que os objetos do culto e dos ritos se constituíram nas mais genuínas obras de arte, incluindo os textos discursivos orais ou escritos, as artes visuais e a arte musical. Toda verdadeira arte nunca perde as raízes míticas. O mito em sua essência se funda no sagrado e é este o que estabelece a relação profunda entre as religiões e as artes. O mito se presta a múltiplas leituras não só religiosas e artísticas mas também de diferentes disciplinas ditas científicas. Isto apenas assinala o vigor do mito como linguagem, verdade e saber, ou seja, como questão.

A linguagem mítica é profundamente poético-manifestativa e jamais instrumental.

O texto religioso. Hoje conhecemos diferentes religiões, sejam monoteístas, sejam ainda politeístas. Em geral as grandes religiões se fundam em torno de textos sagrados. São vários. Eles são frutos de revelações. Todas reivindicam uma epifania de Deus como palavra. Em geral, essa palavra é essencialmente ambígua e constituída de imagens-questões. Destas se originaram as parábolas. Ora, estas têm a mesma etimologia de palavra. Isto mostra apenas o sentido poético dos textos sagrados.

O que caracteriza as religiões é se constituírem em torno de um sistema de normas e princípios com forte propensão para a regulamentação da vida das pessoas através de princípios morais. As religiões apresentam sempre uma interpretação do que seja a realidade imanente em relação como uma outra realidade transcendente. Os textos sagrados, apesar de seu caráter de revelação divina, apresentam dados históricos bem nítidos, resultantes não só do uso da língua mas também das circunstâncias e do momento em que foram escritos. Isso levou à necessidade de se proceder a uma interpretação simbólica ou alegórica desses dados, posto que novas povos e novas realidades históricas e até lingüísticas tinham em tais textos as suas referências religiosas. Os textos religiosos são em si essencialmente ambíguos. Ocorre que tal ambigüidade tende a ser interpretada levando em conta a coerência do sistema que constitui a religião. Isso é compreensível, pois uma dispersão das interpretações tenderia a anular o sistema religioso ou a questioná-lo. Isso muitas vezes acontece. Outras se constituem em tendências dentro de um mesmo sistema religioso. O que podemos notar em todos esses multifacetados sistemas religiosos é que os textos religiosos radicam numa ampla ambigüidade. Isso apenas acentua a múltipla riqueza da realidade e do ser humano. O divino em última instância é uma manifestação da linguagem, não fosse a linguagem nessa perspectiva a própria divindade. A leitura, embora ambígua, tende a ser parametrada pelo sistema religioso. A hermenêutica religiosa é muito antiga e recebeu o nome de exegese.

Em si, os textos religiosos são linguagem poético-manifestativa e jamais se presta a qualquer uso instrumental. São portadoras de uma profunda sabedoria. Muitas vezes as interpretações e exegeses é que lhe dão um sentido moral-instrumental.

O texto jurídico. A idéia de justiça tem também um fundo mítico-religioso. A aplicação da justiça bem como o fundamento das próprias normas jurídicas tinham como origem os próprios deuses ou seus representantes divinos, os reis e/ou sacerdotes.

A norma jurídica tem um caráter geral e abstrato, mas a sua aplicação é singular e concreta. E esta realidade singular e concreta varia muito e apresenta aspectos muito diferentes de caso para caso. A passagem da norma para a aplicação concreta exige sempre uma interpretação conceitual. Além desta relação interpretativa há também o fato de que a formulação das leis se dá através de um discurso e este, como toda linguagem, é fonte de permanentes e diversificados equívocos e ambigüidades, embora haja um esforço muito grande de redução e estabelecimento de conceitos precisos.

A leitura e aplicação da lei dá, porém, origem a diferentes interpretações. A ambigüidade propriamente termina quando a lei é aplicada. Uma tal aplicação varia muito de acordo com o fundamento que se toma como parâmetro. Há casos famosos na história, mas o mais duradouro e pertinente nos vem da área artística através da famosa tragédia de Sófocles: Antígona. A aplicação por isso termina um determinado processo ou caso, mas não desfaz o horizonte da ambigüidade do texto jurídico.

A hermenêutica jurídica tem raízes muito antigas e é já muito tradicional. A passagem de um fundamento religioso para um fundamento secular racional lhe trouxe muitos desafios. Hoje se debate no redimensionamento de uma postura epistemológica para uma postura ontológica.

O texto jurídico tem como escopo maior a aplicação prática e cotidiana através das sentenças. Isto o reduz sempre a uma linguagem instrumental.

O texto filosófico. O texto filosófico tende, como o religioso, a dar origem a um sistema conceitual. E aí surge uma inversão: o texto que deu origem ao sistema conceitual passa a ser interpretado a partir das linhas gerais desse mesmo sistema e seus conceitos. É um círculo vicioso dentro do qual se anula todo o vigor de pensamento das obras dos grandes pensadores. Isso ocorre muito nas histórias da filosofia, que falam da obras em linhas gerais ou acentuam traços marcantes, onde as nuances e ambigüidades se perdem. No entanto, as grandes obras quando lidas por um outro grande pensador, motivado por um impulso criativo de pensamento e atendendo ao impulso histórico de novos desafios, dão origem a novas interpretações e novas formulações. Um exemplo famoso seria Aristóteles e S. Tomás de Aquino. Outro seria Heidegger e os Pensadores Originários Heráclito e Parmênides. O pensamento se move, portanto, numa ambigüidade que radica na própria ambigüidade do real. O texto filosófico, nesse sentido, é tanto mais filosófico quanto mais move os leitores a se empenharem na aventura do pensamento e a empreenderem uma caminhada de descoberta e invenção da realidade. A leitura dos textos filosóficos, quando não manietada pelas normas e conceitos dos sistemas e as suas verdades pré-fabricadas, se mostra rica de ambigüidade e fonte de uma experienciação muito radical da realidade.

Ao longo dos séculos se foi estabelecendo uma postura epistemológica que se formalizou em procedimentos científicos. E aí ocorreu algo totalmente hilário: a filosofia se tornou uma disciplina científica. Ocorre que o saber da ciência não se pode fundar a si mesmo nem estabelecer os seus fundamentos, pois senão deixa de ser ciência e passa a ser pensamento filosófico. Talvez a maior contradição esteja na sociologia do saber, onde ela não pode fundar o saber da sociologia. Por isso a verdade e a ética de um tal saber só o são na medida da sociologia do saber. Mas desde quando a ciência funda ética?

Uma outra tradição foi sendo desenvolvida que manteve acesa a chama da filosofia como aventura do pensamento, aproximando-se muito da poesia. É a famosa proximidade de pensamento e poesia. Unindo-os a ambigüidade da realidade, de ser e não ser.

A densidade do pensamento está na densidade da palavra e esta surge da linguagem como linguagem.

A conceituação filosófica se concentra nela mesma e procura abandonar toda e qualquer ambigüidade, fazendo da linguagem um instrumento.

O texto poético.

Cada palavra é, segundo sua essência, um poema.

Guimarães Rosa (Entrevista a Günter Lorenz).

A caracterização do texto poético é muito complexa. Já começa pelas diferentes denominações. Podemos falar em texto poético, artístico, literário, ficcional, sem nos referirmos à possibilidade de denominar como texto as diferentes manifestações artísticas. Por que não falar em texto musical, pictórico etc.? Outra distinção necessária e corrente seria entre texto e obra. Texto tem muitos conceitos e não pode simplesmente ser confundido com a escrita. Obra é certamente mais ampla que texto, pois uma obra pode ser constituída de diferentes textos. Obra além disso, tem um sentido específico, ou seja, uma determinada obra, ou genérico, o conjunto de obras de um autor. O problema aumenta em densidade se pensarmos tanto a etimologia de texto como de obra. A caracterização do texto poético, enquanto obra, pode abarcar as demais denominações, quando se compreendem a partir do que lhe é essencial.

Há, porém, uma denominação que precisa de uma distinção: texto ficcional. Esta denominação inclui obras artísticas e não artísticas. O termo ficção vem do particípio latino fictum, do verbo fingere, que tem quatro significados básicos: fingir, mentir; formar; educar; imaginar. Ficção traduz o termo grego mythos. Do ponto de vista teológico, o mito era algo não verdadeiro, produto da fantasia humana, daí a acepção predominante da ficção como algo fingido. Como se vê a verdade teológica não é necessariamente a verdade do mito, até porque esta não é nunca “lógica”: é manifestativa do real. Já do ponto de vista da ciência, a ficção corresponde a mundos possíveis mas não reais, ou seja, aparentes, ilusórios. O que é “real”? Por que o “real” da ciência é mais “real” do que o “real” da ficção (arte)? Evidente que o “real” varia de acordo com as teorias, as religiões, as filosofias etc. O “real” real é um enigma. E uma das experienciações mais radicais desse real é a ficção (arte).

O texto poético ou literário é ficcional, mas nem toda ficção é literária, isto é, poética (assim como nem todo verso é poesia). Poderíamos distinguir uma ficção-de-imagens-questões e uma ficção-ilusão. O imaginar é o contraponto do formar. O formar como formar, estabelecendo sempre limites, origina os conceitos. O contraponto indica a presença da tensão do limite e do ilimitado, do discurso e da linguagem, do homem e do ser. São as questões. Quando tal acontece teríamos o texto poético. Já na ficção-ilusão teríamos, por parte do leitor, um envolvimento mais externo. Nela predominam os valores já estabelecidos e onde a linguagem é manipulada e escolhida porque faz parte de um discurso-código decodificável a partir de um sistema de significados já estabelecidos. Não há invenção de sentidos. Funda-se na linguagem de comunicação cotidiana. Em tais obras, a linguagem é trabalhada ao nível da ambigüidade semântica, que se faz portadora do aparente jogo dos valores ideológicos. Estes acabam por substituir a ambigüidade manifestativa da obra poética por um jogo de oposições binárias necessárias ao funcionamento do sistema, onde uma faceta exclui e se opõe à outra: sensível e inteligível, emocional e racional, imaginação e realidade, verdadeiro e falso, matéria e espírito, exterior e interior, indivíduo e sociedade, existência e essência, vida e morte etc.

Tal separação binária tende também a opor realidade vigente a realidade imaginária, envolvendo o leitor num jogo no qual ele se torna espectador passivo. Esse envolvimento causa prazer ao leitor porque o retira de sua realidade e o projeta numa outra, onde as suas questões não se fazem presentes. Uma tal suspensão temporária alivia o leitor, porque o liberta aparentemente da pressão da realidade da vida e não o pressiona a experienciar a sua vida. Há aí uma aparente catarse. Na realidade, houve uma suspensão e esta, pelo alívio, traz a sensação de prazer. Mas retomado o fio da vida cotidiana, não se faz nenhuma ligação com as experiências vividas pela obra lida, não tendo, por isso mesmo, conseqüências naquilo que cada um é. O poder poético da linguagem manifestativa não se faz presente e ao fim da experiência da leitura o mundo se desenha dentro do mesmo horizonte, porque, na realidade, este horizonte não entrou em tensão ambígua, apenas foi suspenso. Daí o caráter de di-versão de uma tal literatura. No di-vertimento, a realidade se verte, se realiza dicotomicamente em realidade imediata e ilusória. O prazer surge dessa sensação narcótica. Passado o envolvimento e o efeito, recai o leitor na realidade cotidiana, que acaba por lhe provocar ainda um maior desencanto e vazio. A ilusão atua em detrimento do imaginário poético e suas questões. Estas só o texto poético pode ativar. O ilusório não impulsiona a consciência crítica nem a crítica da consciência, mas expõe e impõe um discurso e uma ordem de valores que se justificam por si, ratificando o sistema ideológico vigente, não instigando a crítica da ordem dominadora imposta pelo sistema. Ao fim da leitura não há questões, instigamentos, dúvidas, esperanças, possibilidades futuras, mas um certo vazio, uma estrada sem horizontes, sem novos desafios. O ilusório não é o possível como no texto poético, mas a sensação de irrealidade e desligamento de um grande esvaziamento. No texto poético, pelo contrário, a realidade comparece em toda sua densidade e plenitude, onde não há externo e interno, mas em que cada um se percebe sendo, se realizando, e uma verdadeira sensação de liberdade toma aquele que é envolvido pelo poder manifestativo da poesia quando faz desta uma experienciação de vida e uma aprendizagem.

No texto poético, a palavra comparece em todo o seu poder e densidade, e a separação entre língua e realidade é artificial e abstrata, pois a língua é a realidade se manifestando concretamente, de tal maneira que não é possível falar em significante e significado sem falar em velamento do que na fala se desvela. O significado, a idéia, é o significante se fazendo realidade como linguagem, ou seja, sentido e verdade, engendrados pelo vazio e pelo siêncio. É o som se fazendo música fundada no silêncio.

Desta concretude surge o fato de que no texto poético cada palavra é única e insubstituível, dando origem às dificuldades da tradução e à necessidade de uma verdadeira re-criação. O ritmo, a melodia, enfim, a musicalidade se tornam uma dimensão fundamental da linguagem poética, pela qual a realidade se manifesta em sua plenitude. Na e pela palavra poética, o som se faz linguagem. O discurso poético não se apresenta como a mediação de um emissor e um receptor nem as palavras têm qualquer função: não há mensagem na poiesis, apenas a realidade se processando e presentificando como palavra. Toda grande obra é portadora de um ritmo e melodia único e inimitável. É nisso tudo que o texto poético se distingue de todos os outros textos. Mas para apreender melhor a extensão da presença e do vigor do texto poético, é necessário abordar outros aspectos, que serão vistos e tratados nesta poética da leitura.

A palavra poética dá corpo ao texto. Corporificar diz aí o quê? Como a palavra, quando é poética, corporifica? O que é um “corpo”? E será que cabe numa definição conceitual? Não certamente, pois é, foi e será uma questão.

A palavra não poética exerce uma ação inversa: esvazia, empobrece, clicheriza, generaliza, conceitua, torna-se conhecimento comunicacional transitório e descartável. Nos textos e filmes de ação, em que predomina o enredo, como Aristóteles já assinalou na sua Poética, ela se constitui em algo linear, com fim previsível. As ações não trazem algo de novo e denso, apenas confirmam, no final, idéias e conceitos já previstos e valores já estabelecidos, em que uns personagens querem negar (mal) e os outros querem defender e reafirmar (bem). Ou então um amor ideal que nunca se realiza. Ou ainda uma ascensão social que um amor paixão teima em realizar e em que as classes sociais se opõem ou platonicamente se realiza. São situações, fórmulas já fixas. Há ainda os livros e filmes “históricos”, com muita ação e dificuldades. Dificilmente há um desfecho trágico, pois desagrada ao leitor e desse modo não vende.

Em tais textos, a palavra é apenas um meio de enunciar a ação e as ações confirmam as palavras (e até reduplicam, de tal maneira que, muitas vezes, nem é necessário ver as ações, só escutar o falatório contínuo). Nada aí acontece de novo, de denso, de inaugural, de enigmático (tudo ao final é explicado racionalmente), de ambíguo. E justamente isto é que caracteriza as obras poéticas. Por isso é melhor, neste caso, falar em obras e não em textos, pois a obra é obra na medida em que sempre opera, manifesta o real.

Uma palavra poética é densa quando nela o silêncio fala como sentido e sentidos dos sons. Já no texto não poético dá-se exatamente o inverso. Não há densidade porque as palavras se tornam instrumento e veículo comunicativo, onde a palavra é tanto mais comunicativa quanto mais o silêncio se torna ausente, tornando-as leves, fáceis, bem assimiláveis e compreensíveis, e descartáveis. É o caso também dos filmes sensação e pipoca. Os piores são os que pretensamente querem passar uma “mensagem”. Para quê? Para doutrinarem e “fazerem a cabeça” dos leitore ou espectadores? O ser humano precisa de “mensagens” (sejam políticas, sejam de auto-ajuda) ou de um auto-conhecimento profundo? Nelas o tempo não se faz presente, porque não perduram. Têm a duração da novidade de que são portadores. E só. O leitor ou espectador nunca é provocado a mergulhar e a experienciar o seu tempo enquanto o que ele é.

O rito da leitura da obra poética demanda um tempo próprio, um lento apropriar-se das questões, dando lugar ao recolhimento e à reflexão, a um saborear um saber que se torna densamente saboroso e sabedoria, que se realiza num metabolismo que eclode em corporeidades plenificantes, sem separações e sem divisões entre o corpo que se passa a ter e o corpo que se passa a ser. É nesse horizonte e sentido que a palavra corporifica a obra porque corporifica o ser humano.

A densidade da palavra exige leitores que se abram para esse atuar e operar em leituras de escuta da densidade e do vigor do silêncio que se presentifica e corporifica na ambigüidade de toda palavra poética. É o fazer da leitura da obra poética o lento tempo de maturação do que se é, do que cada um desde sempre já é.

Quando tal acontece, temos a linguagem poética desabrochando. Por isso dá-se-lhe o nome de linguagem manifestativa, porque nela e como ela o real se desvela e vela.

2 comentários:

Unknown disse...

Vou dar um curso para professores de literatura (Ensino Médio) da rede pública do DF e escolhi esse texto para a primeira aula.

Unknown disse...

"O rito da leitura da obra poética demanda um tempo próprio, um lento apropriar-se das questões, dando lugar ao recolhimento e à reflexão, a um saborear um saber que se torna densamente saboroso e sabedoria (...)" É esse o sentimento que vivo ao ler esse texto. A força da palavra, como manifestação do real, reside na ambiguidade. Reduzida a instrumento, essa ambiguidade se perde e, consequentemente, se perde a força da manifestação do real.