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O humano não é uma questão de cultura, gênero, método,
época, porque não pode ser reduzido a um conceito. O humano é a questão. E o
extraordinário consiste em que ele somente eclode, como questão, no pensar.
Pensar foi, é e será sempre o lugar do questionamento e experienciação do
humano, porque pensar é ser as possibilidades próprias, realizando o que já
sempre se é. Pensar não é raciocinar, pelo qual se pode trazer o não sabido
para a claridade da razão discursiva. Pensar é saber no sabido o não-saber.
O humanizar-se do homem não consiste em adequá-lo a
qualquer modelo humanista. Humanizar-se será o permanente desafio de deixar-se
tomar pelo pensar do ser, ficar sendo pelo aprender a pensar. São complexos os
desdobramentos de ser e pensar. Segundo Parmênides, ambos vigoram na identidade
do mesmo: “ ... to gar auto noein estin te kai einai”. “...
pois o mesmo é pensar e ser” (PARMÊNIDES, 1991). Nesse mesmo, que
doa a unidade, está o desafio do pensar.
Pensador é todo homem, independentemente de nível de
formação, classe social, cultura, época ou de quem estudou ou não filosofia.
Pensar é inerente ao viver do homem. Nem todo ser vivente é pensador, mas todo
pensador será um vivente humano. O grego usa duas palavras diferentes para
vida: Zoé, a vida infinita; bios, a vida com nascimento e morte,
finita. Em grego, Zoé é Ser. O homem é finito enquanto bios
e não-finito enquanto pensar. Todo vivente é um sendo, mas nem todo sendo é
pensador. Este diferencia o sendo humano. Como se diferencia? Narra Riobaldo: “De
primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos”
(Rosa, 1968, p. 11). Na vida vivida já estamos ontologicamente nos movendo no pensar, pois o ser humano só
age enquanto pensa. Mas Riobaldo ainda não assumira a procura do sentido do
agir, de suas ações, pois ainda não fazia da vida vivida (1) uma vida
experienciada (2), que fosse regida pelo telos (consumação e
sentido) do viver. Nessa dobra está o pensar e viver ou o pensar e ser. E o que
o leva a experienciar o viver? “Os prazos”, o destino, moira, em grego. Vida
experienciada é a vida pensada no narrar. Na vigência do destino é necessária
uma terceira dimensão. Qual? O narrar. Este acontece como logos,
que não se reduz a discurso, mas diz, enquanto linguagem, enumerar diversidades
no tempo e no espaço, dando um sentido ao que se enumera. Isso é narrar. O
narrar o viver do destino se desdobra numa diá-noia e num diá-logo (dialética).
Dia-noia é o entre-pensar do entre-ser acontecendo como diá-logo.
Pensar é deixar-se tomar pelo destino. No mito grego,
fundava-se na figura de três mulheres
(criatividade) responsáveis por tecer e cortar o fio da vida de todos. Operavam
um tear (Roda da Fortuna) onde tramavam a tessitura narrativa de nossa vida. Pensar
vem de pensum, do verbo pendere, pender. Desse particípio
formou-se o substantivo pensum, significando: “... o encargo e, em
sentido próprio, a quantidade de fio de lã que se pendura para a tarefa de
tecer e fiar durante a luminosidade de um dia” (LEÃO, 1999, 246). É o agir do
pensar no vigorar do destino. Este agir é regido pelo desvelamento ou verdade (aletheia)
do que se é. É que na verdade o ser humano realiza o seu sentido. Portanto,
este diz respeito a verdade e não-verdade. Isso é o que diz des-velamento.
O prefixo des- manifesta, ambiguamente: negação e intensificação.
Nega e intensifica o velamento, pois este é a fonte de tudo que é e não-é. Se o
viver é agir, para o ser humano a essência do sentido do agir está no pensar. O
pensar age enquanto pensa. Sentido ou verdade/não-verdade, implica, portanto,
uma vida dialética onde acontece a dianoia, o entre-pensar. Pensar
é vir-a-ser.
Há uma outra versão da essência do humano ligada a logos.
Ela está sintetizada na sentença grega: Zoion logon echon. Duas
foram as traduções para logos: (a) animal que fala ou discursa; (b)
animal dotado de razão. Como conciliar as versões do humano: o
que pensa e o que fala ou raciocina? A dificuldade em apreender o sentido de
pensar está nessa aparente oposição. Desde Parmênides, se acentua a identidade
de pensar e ser. Mas na tradição metafísica houve um esquecimento do sentido do
ser. E justamente pela incompreensão do sentido do logos na sentença
grega a propósito do homem. O sentido foi substituído pelo conhecimento
racional, pois traduziu-se logos como razão, reduzindo o sentido ao
significado semântico proposicional. Na e pela razão não se procura mais o
sentido do ser, mas as causas vigentes no real, acessíveis ao método
científico-epistemológico (crítico-matemático), reduzindo a realidade às relações
representacionais de causa e efeito, agente e paciente, sujeito e objeto. O
conhecimento científico, fundamentado na matematização do real, substitui o ser
pelo conhecimento teórico e pelo fazer que causa efeitos e podem intervir no
real. Só há raciocinar e não mais pensar. Tal conhecimento diz respeito aos
entes, suas relações, posições e circunstâncias, e não ao ser. E o narrar ou
falar tornou-se discurso racional dentro de relações sócio-discursivas. Na
ciência não há mais lugar para o pensar, muito menos para o aprender a pensar.
O esquecimento do sentido do ser reduziu o lugar do homem a funções, tornando-o
uma peça no sistema totalizante do conhecer e fazer. Mas será que logos pode
ser reduzido a razão? Não. Se voltarmos às derivações históricas
da raiz de legein, de onde se origina o logos, sabemos que são: pôr,
depor, dispor e propor. Por isso gerou os verbos dizer, ordenar,
reunir, recolher e repousar. Originariamente, legein somente pelo pôr e
depor pode propor-se como dispor num narrar e dizer, porque vigora no sentido
do ser. É o ser que se diz. O ser se dizendo é linguagem, sentido e mundo. No
pensar o ser se torna linguagem. Portanto, logos diz unidade de linguagem, porque é o
sentido do ser doando-se em todo pôr e depor, isto é, na verdade e não-verdade
da aletheia, do diálogo. Depor
é negar e pôr afirmar. Essa é a liminaridade do homem como entre-ser. O sentido
é sentido do pensar do ser destinando-se no homem. Portanto, legein e noein
não se opõem. Pelo contrário, no pensar, o sentido do ser se torna linguagem
do ser. E é na sua escuta que o homem pode aprendê-la. Tal
aprendizagem dizia-se em grego mathesis. Sem esta não há diálogos
e dianoia. Humanizar-se é aprender a pensar, porque nele se dá o sentido
de ser e do ser. E nele e por ele, o humano encontra o seu lugar no todo da
realidade, porque pelo pensar realiza o sentido do que é em suas
possibilidades.
Manuel Antônio de Castro
2 comentários:
Olá mestre. Gosto de ler seus textos e sempre fazer consultas ao dicionário poético, mas ultimamente não tenho conseguido acessa-lo. Ele foi excluído?
O Dicionário continua no ar e cada vez mais acessado. às vezes fica sem acesso porque onde está hospedado - NCE DA UFRJ - fica em manutenção. Não deixe de tentar.
manue
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