O humano: os
humanismos e a finitude
Manuel
Antônio de Castro
A
importância da dialética do sentido para o ser humano se torna mais evidente
quando se pensa a sua finitude. Por esta, numa instância mais imediata,
cotidiana, constante, ele se experiência na relação aos sendos, em verdade
apenas no âmbito dos sendos (uma vez que ele mesmo é um sendo). É o que
costumamos denominar social e político. E eles e ele mesmo continuamente se
descobrem na finitude, que poderíamos de imediato trazer ao pensamento como dor,
sofrimento, angústia e desespero (situações hoje estas denominadas depressão).
A finitude joga o ser humano nessas condições porque se ausenta e lhe falta
realmente o sentido, seja psíquico, seja pessoal, seja familiar, seja
social, seja profissional. É que o sentido não é oferecido pela
sociedade do conhecimento e do consumo ou pelas auto-ajudas de plantão, e, hoje
mais do que nunca, por nenhuma ideologia. Ainda há lugar para as ideologias?
Faltar o sentido é, no fundo e em verdade, faltar o humano.
O que é o
humano? Várias respostas já foram dadas. Elas são conhecidas como humanismos.
Contudo os humanismos precisam já previamente de uma medida. E qual
é a medida do humano? Está ela ligada à finitude? Sentido e
medida, questões, talvez as questões.
A
procura do sentido do humano na experienciação da finitude o conduz a uma outra
referência, ainda que esquecida, na maior parte das respostas propostas pelos
humanismos: Toda referência de sentido só acontece quando se dá a referência do
ser humano ao Ser. O esquecimento do sentido é o esquecimento do sentido do
Ser. Portanto, a questão originária e presente em todas as épocas e propostas
de resposta à pergunta o que é o ser humano já traz consigo uma outra questão:
O que é o Ser. Podemos nomeá-lo também: realidade. Assim podemos descartar
preconceitos descabidos quanto ao Ser, porque uma gramática desmemoriada e
ensinada irresponsavelmente diz que o ser é verbo de ligação, um apêndice
descartável. Será?
Não surgirá na condição
humana de ser finito essa falta de sentido que permanentemente suscita nele a pro-cura?
O que é pro-cura? Sem finitude não há procura e, contudo, toda procura
só pode ser procura do que ainda não somos e, portanto, não temos. E qual é a
procura essencial? Por que a sociedade pós-moderna, pós-pós-moderna... criadora
de tantos bens facilmente acessíveis e adquiríveis para consumo não produz e
comercializa largamente o bem que é o sentido. Produz muitos bens
estéticos, fonte de contínuas e variadas sensações, ao final das
quais sempre resta uma falta e até um saciamento caótico, de fastídio, sem
sentido, enfim... uma profunda falta do que se é e somente pode advir no
sentido de tudo que se consome para se consumar. Não será o sentido? Portanto,
há procuras e há a procura. Elas não são nem podem ser
excludentes. Como? Temos de pensar a finitude para melhor conduzir a reflexão
em torno do humano de todos os humanismos.
Nossa finitude
nos joga necessariamente na pro-cura em duas instâncias: a dos bens,
entes, e a do Ser ou Bem. Somente quando na procura se procura o Ser é que
acontece a segunda instância, num diálogo dialético.
Como se
vê, a finitude é bem mais complexa do que possa parecer. Ela já está implantada
na necessidade que dialeticamente diz respeito aos entes e ao Ser. Pela
necessidade de sermos o sentido do que recebemos para ser e de sermos ao mesmo
tempo o sentido do Ser nosso agir é envolvido em complexas escolhas e decisões,
pois se somos finitos também somos não-finitos (caso contrário nem poderíamos
falar da finitude). O que recebemos para ser implica um próprio, o nosso
sentido enquanto mundo. Ele se se descobre como tendo possibilidades
também se defronta com necessidades. O difícil jogo de possibilidades e necessidades
gera a dialética irônica e ambígua: sofrimento e alegria, dor e prazer, egoísmo
e acolhimento, morte e amor (thanatos e eros). É importante
acentuar que eles não se restringem a ser processos psíquicos ou sociais, mas
implicam-se mutuamente na harmonia e unidade tensional do que somos e
não-somos. Daí sermos ontologicamente caminho e sentido, paragens e sentidos, e
passagens. Por esta condição de termos de viver a vida como eros e thanatos
é que devemos sempre fazer do tempo o instante, dizendo isto que somos
possibilidades de e para possibilidades, e, concomitantemente, necessidades de
e para necessidades. Porém, agora se torna necessário continuar o
questionamento, sem o qual caímos facilmente nas respostas, quando o essencial
é questionar sempre. Não será o ser humano a pergunta sem resposta definitiva,
mas dialética sem exclusões. Isso exige então a questão do tempo, tempo e ser.
O que é o tempo? Somente o instante?
Assim
como possibilidade e necessidade são inseparáveis, do mesmo modo são
inseparáveis ser e tempo. São inseparáveis porque só podemos querer porque
podemos poder. Por outro lado, só podemos poder porque já vigoramos no querer
do não-querer e no poder do não-poder, dada a nossa condição de finitos e de
efêmeros. Para nós, finitos, seja o positivo (sendo), seja o negativo
(não-sendo), já dependem do Ser e do Nada. Mas estas denominações já são
tributárias do limite, uma vez que Ser e Nada somente são experienciados
enquanto proximidade e distância por nós, entes e não Ser. Porém o Ser/Nada não
é ente, pois se fosse seria ente e não Ser/Nada, ao mesmo tempo que,
misteriosa, paradoxal e dialeticamente, o que antes de tudo é, é o Ser/Nada. É
isso que nos joga no enigmático jogo de eros e thanatos, de
sentir e pensar, enfim, da finitude. O sentido desta dialética nos leva
a pensar o amar enquanto unidade, bem, beleza, verdade. E igualmente,
dada a nossa finitude: não –unidade, não-bem, não-beleza, não-verdade. Porém,
cabendo uma distinção: não-bem não é mal; não-verdade não é falsidade (erro);
não-unidade não é cisão, dicotomia; não-belo não é feio, e, portanto, amar não
é odiar, pois também, dada a nossa finitude, o amar viceja no não-amar. Esse não-
não é falta, é Nada de toda possibilidade e necessidade, pois somos e
estamos, portanto, sempre incompletos e completos, satisfeitos e insatisfeitos,
na alegria e na dor. Pro-cura de plenitude, sentido.
É nossa
condição humana, em verdade, do Ser, do Nada e do Amar-não-amar nada podermos
dizer, porque todo dito, mesmo negando, já faz parte necessariamente do
horizonte da finitude. Daí que esta, radicalmente, diz travessia, caminho
de sentido e do sentido. Sentido é a presença e cura da ausência deles.
Finitude do humano em três instâncias: enquanto este corpo que somos, enquanto os
valores que somos, enquanto o sendo que somos. Eis o horizonte do social,
do político, do pessoal, do histórico. Não será o humano o ético. Mas o
que é o ético? Moralismos? Certamente não. Daí se recoloca a questão do humano
e seu sentido, tendo também como horizonte o ético.
Humano: os humanismos e a finitude
Manuel Antônio de Castro
A importância da dialética do sentido para o
ser humano se torna mais evidente quando se pensa a sua finitude. Por esta,
numa instância mais imediata, cotidiana, constante, ele se experiência na
relação aos sendos, em verdade apenas no âmbito dos sendos (uma vez que ele
mesmo é um sendo). É o que costumamos denominar social e político. E eles e ele
mesmo continuamente se descobrem na finitude, que poderíamos de imediato trazer
ao pensamento como dor, sofrimento,
angústia e desespero (situações
hoje estas denominadas depressão). A
finitude joga o ser humano nessas condições porque se ausenta e lhe falta
realmente o sentido, seja psíquico,
seja pessoal, seja familiar, seja social, seja profissional. É que o sentido não é
oferecido pela sociedade do conhecimento e do consumo ou pelas auto-ajudas de
plantão, e, hoje mais do que nunca, por nenhuma ideologia. Ainda há lugar para
as ideologias? Faltar o sentido é, no fundo e em verdade, faltar o humano.
O que é o humano? Várias respostas já foram
dadas. Elas são conhecidas como humanismos.
Contudo os humanismos precisam já previamente de uma medida. E qual é a medida do
humano? Está ela ligada à finitude? Sentido e medida, questões, talvez as questões.
A procura do sentido do humano na
experienciação da finitude o conduz a uma outra referência, ainda que
esquecida, na maior parte das respostas propostas pelos humanismos: Toda
referência de sentido só acontece quando se dá a referência do ser humano ao
Ser. O esquecimento do sentido é o esquecimento do sentido do Ser. Portanto, a
questão originária e presente em todas as épocas e propostas de resposta à
pergunta o que é o ser humano já traz consigo uma outra questão: O que é o Ser.
Podemos nomeá-lo também: realidade. Assim podemos descartar preconceitos
descabidos quanto ao Ser, porque uma gramática desmemoriada e ensinada
irresponsavelmente diz que o ser é verbo de ligação, um apêndice descartável.
Será?
Não surgirá na condição humana de ser finito
essa falta de sentido que permanentemente suscita nele a pro-cura? O que é pro-cura?
Sem finitude não há procura e, contudo, toda procura só pode ser procura do que
ainda não somos e, portanto, não temos. E qual é a procura essencial? Por que a
sociedade pós-moderna, pós-pós-moderna... criadora de tantos bens facilmente
acessíveis e adquiríveis para consumo não produz e comercializa largamente o bem que é o sentido. Produz muitos bens estéticos,
fonte de contínuas e variadas sensações,
ao final das quais sempre resta uma falta e até um saciamento caótico, de
fastídio, sem sentido, enfim... uma profunda falta do que se é e somente pode
advir no sentido de tudo que se consome para se consumar. Não será o sentido? Portanto, há procuras e
há a procura. Elas não são nem podem
ser excludentes. Como? Temos de pensar a finitude para melhor conduzir a
reflexão em torno do humano de todos os humanismos.
Nossa finitude nos joga necessariamente na pro-cura em duas instâncias: a dos bens,
entes, e a do Ser ou Bem. Somente quando na procura se procura o Ser é que
acontece a segunda instância, num diálogo dialético.
Como se vê, a finitude é bem mais complexa do
que possa parecer. Ela já está implantada na necessidade que dialeticamente diz
respeito aos entes e ao Ser. Pela necessidade de sermos o sentido do que
recebemos para ser e de sermos ao mesmo tempo o sentido do Ser nosso agir é
envolvido em complexas escolhas e decisões, pois se somos finitos também somos
não-finitos (caso contrário nem poderíamos falar da finitude). O que recebemos
para ser implica um próprio, o nosso sentido enquanto mundo. Ele se se descobre como tendo possibilidades também se
defronta com necessidades. O difícil jogo de possibilidades e necessidades gera
a dialética irônica e ambígua: sofrimento e alegria, dor e prazer, egoísmo e
acolhimento, morte e amor (thanatos e
eros). É importante acentuar que eles
não se restringem a ser processos psíquicos ou sociais, mas implicam-se
mutuamente na harmonia e unidade tensional do que somos e não-somos. Daí sermos
ontologicamente caminho e sentido, paragens e sentidos, e passagens. Por esta
condição de termos de viver a vida como eros
e thanatos é que devemos sempre
fazer do tempo o instante, dizendo isto que somos possibilidades de e para
possibilidades, e, concomitantemente, necessidades de e para necessidades. Porém,
agora se torna necessário continuar o questionamento, sem o qual caímos
facilmente nas respostas, quando o essencial é questionar sempre. Não será o
ser humano a pergunta sem resposta definitiva, mas dialética sem exclusões.
Isso exige então a questão do tempo, tempo e ser. O que é o tempo? Somente o
instante?
Assim como possibilidade e necessidade são
inseparáveis, do mesmo modo são inseparáveis ser e tempo. São inseparáveis porque
só podemos querer porque podemos poder. Por outro lado, só podemos poder porque
já vigoramos no querer do não-querer e no poder do não-poder, dada a nossa
condição de finitos e de efêmeros. Para nós, finitos, seja o positivo (sendo),
seja o negativo (não-sendo), já dependem do Ser e do Nada. Mas estas
denominações já são tributárias do limite, uma vez que Ser e Nada somente são
experienciados enquanto proximidade e distância por nós, entes e não Ser. Porém
o Ser/Nada não é ente, pois se fosse seria ente e não Ser/Nada, ao mesmo tempo
que, misteriosa, paradoxal e dialeticamente, o que antes de tudo é, é o
Ser/Nada. É isso que nos joga no enigmático jogo de eros e thanatos, de
sentir e pensar, enfim, da finitude. O sentido
desta dialética nos leva a pensar o amar enquanto unidade, bem, beleza, verdade. E igualmente, dada a nossa finitude:
não –unidade, não-bem, não-beleza, não-verdade. Porém, cabendo uma distinção:
não-bem não é mal; não-verdade não é falsidade (erro); não-unidade não é cisão,
dicotomia; não-belo não é feio, e, portanto, amar não é odiar, pois também,
dada a nossa finitude, o amar viceja no não-amar. Esse não- não é falta, é Nada de toda possibilidade e necessidade, pois
somos e estamos, portanto, sempre incompletos e completos, satisfeitos e
insatisfeitos, na alegria e na dor. Pro-cura
de plenitude, sentido.
É nossa condição humana, em verdade, do Ser,
do Nada e do Amar-não-amar nada podermos dizer, porque todo dito, mesmo
negando, já faz parte necessariamente do horizonte da finitude. Daí que esta,
radicalmente, diz travessia, caminho
de sentido e do sentido. Sentido é a presença e cura da ausência deles.
Finitude do humano em três instâncias: enquanto este corpo que somos, enquanto
os valores que somos, enquanto o sendo que somos. Eis o horizonte do social, do político, do
pessoal, do histórico. Não será o humano o ético.
Mas o que é o ético? Moralismos?
Certamente não. Daí se recoloca a questão do humano e seu sentido, tendo
também como horizonte o ético.
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