Como problema filosófico, a Lógica se origina do logos. A filosofia centraliza-se na procura
do princípio do physis/ser, manifestando-se e velando-se como verdade, aletheia,
em grego.
Segundo Heráclito , há uma disputa, um polemos, entre physis e
aletheia. “Polemos e logos são o mesmo” (HEIDEGGER,
1969: 90). Então a tensão entre ser e verdade acontece enquanto logos.
O princípio do ser em sua verdade e sentido era o logos, onde
se fundava o mundo, a ética e a liberdade. A physis foi pensada como ta
onta: a totalidade dos sendos. To on, o ente / o real, é o
particípio presente do verbo einai/ser. O sendo participa do ser,
mas não é o ser.
A referência de ser e homem foi a grande questão. O homem
não é um ente entre outros entes. O que o diferencia? É um enigma.
“Muitas são as coisas estranhas, nada, porém, há de mais estranho do que o
homem” (SÓFOCLES, in HEIDEGGER, 1969: 170). Sob influência dos sofistas,
iniciou-se em filosofia uma nova postura diante do princípio da physis/ser.
Priorizando o lugar do homem, o ser é esquecido e toma-se o homem como medida
de todas as coisas.
Historicamente, o logos, como fundamento, terá duas
interpretações no percurso ocidental: a helenística e, posteriormente, a
cristã. A Lógica surge com as Escolas Helenísticas, pois nem Platão nem
Aristóteles reduziram seu pensar à Lógica epistêmica. Neles há a tematização do
lógico, sem a formalização de uma
Lógica, pois ainda não havia a diferença entre verdade (aletheia) e conhecimento (episteme). “A Lógica é a ciência
das configurações fundamentais do raciocinar. A Lógica, enquanto ciência, brota
da filosofia, como toda e qualquer ciência, mas precisamente nesta forma em que
foi apresentada ela mesma já não é filosofia” (HEIDEGGER, 2008: 43). Com a
criação da Lógica, como disciplina, pretendeu-se ensinar a raciocinar
corretamente. Assim, a Lógica se tornou a propedêutica metodológica para todas as ciências,
fazendo-se presente em todos os ramos de conhecimento. A Lógica continua a tradição
sofística, que já desenvolvera a gramática como propedêutica para a verdadeira
argumentação pelo conhecimento racional e discursivo da língua. Dentro dessa
lógica, surgiu uma nova interpretação do logos: a judaico-cristã.
Afirma: “No princípio era o logos”, pois Cristo era o Filho de
Deus: Criador das criaturas. Há uma dicotomia entre Criador e criatura,
acentuada pelo pecado. Da junção deste novo fundamento com a Lógica, surge a
metafísica lógica e dicotômica.
Esquecido o sentido do ser e sua verdade, a Lógica
dicotomiza conhecer e ente. A verdade é a verdade do discurso lógico, isto é,
da proposição. Ficaram esquecidas a physis e a aletheia. Mas
a principal dicotomia será entre Lógica e ente. Desde então tudo que não for
lógico será ilógico. Algo contraditório aconteceu: o logos dá origem à
Lógica. E esta passa a definir o que é o logos, reduzindo-o a discurso e
razão. No lugar da Lógica do Logos teremos desde então o logos da
Lógica. Esta distinção é importante para a interpretação dialética das obras de
arte e de pensamento.
Deus-fundamento, como Logos, dá origem à teo-logia.
E toda a Idade Média se consumirá na discussão infrutífera de superar a
separação entre conhecimento e real (entes), porque partiam da verdade da Lógica. Dentro do
mesmo horizonte, a Modernidade mudará apenas o nome do fundamento, pois os
problemas continuavam os mesmos: de teo-lógico para antropo-lógico. As três questões essenciais
continuam: o homem, a verdade e a linguagem. Havia a forte tradição da ligação
do homem ao logos, baseada numa sentença grega antiga: Anthropos
dzoion logon echon. Aqui logon originou duas traduções
interpretativas: razão e discurso: homem o animal que tem fala/razão.
O discurso remete para uma concepção da linguagem e a razão, enquanto
fundamento, para uma da verdade. O homem como logon-fundamento-razão decide
sobre a linguagem e a verdade. E estas decidem o que é o homem, porque a
verdade será a verdade da Lógica da proposição do discurso.
O ser/physis e a aletheia continuam esquecidos.
Mas a Lógica metafísico-humanista e dicotômica não dá conta, evidente, da
complexidade do ser/realidade. As dicotomias se generalizam e surgem paradoxos
e impasses. O Logos, transformado em fundamento, passou a ser a verdade
e deixou de haver a linguagem como o “entre” do ser em sua manifestação nos
entes, enquanto sentido, ética e mundo. Pela Lógica nunca há um “entre”
conhecer e ser; conceito e coisa; verdadeiro e falso; universal e individual;
código e língua; discurso e linguagem; proposição e palavra; substantivo e verbo;
real e irreal; racional e irracional; ciência e arte; raciocinar e pensar. Pelo
princípio de contradição da Lógica, o que não for lógico será necessariamente ilógico,
pois algo é ou não é. Na arte é
diferente: “Tudo é e não é” (ROSA,
1968: 12). Do Nada a Lógica nada pode
dizer.
Nas duas traduções do logos não se parte mais da aletheia
(verdade/não-verdade), mas da proposição e de seu fundamento: a razão. Na aletheia, o discurso
jamais é determinado pela sintaxe da proposição, pois há discursos onde o mais
importante não é o dito, mas o não-dito, caso das obras de arte e de
pensamento. É impossível separar essência da verdade e essência da linguagem. A
essência origina-se do ser/realidade e, por isso, a essência do ser humano não
depende da Lógica epistemológica. É o que nos mostra Édipo. Sob impulso da
Lógica humanista, nega e foge do destino. No final, descobrindo que a Lógica do
destino (logos) é soberana, arranca os olhos, reconhecendo que somente sabe
que não sabe. A negação é o constitutivo da obra de arte. “Um gênio é um homem
que não sabe pensar com lógica, mas apenas com a prudência... Apenas superando
a lógica é que se pode pensar com justiça. Pense nisto: o amor é sempre
ilógico, mas cada crime é cometido segundo as leis da lógica” (ROSA, ... p.
30). Eis a questão da loucura. Na epistemologia temos o logos da Lógica.
Na poética-ontologia a Lógica do logos. Nesta inexistem dicotomias,
porque a realidade/ser não é estática, é dinâmica; não é linear, é circular;
não é finita, é infinita; não exclui, inclui. Raciocinar diferencia-se de
pensar. No raciocinar, logos reduz-se
a razão. O pensar é o mesmo que ser. Esse mesmo que une e diferencia ser e pensar é o Logos, a linguagem da unidade.
O ensino das artes, tornadas disciplinas, é um subproduto
histórico da Lógica crítico-epistemológica. Nele, a essência da arte é
esquecida, porque o que está em questão na Lógica é a essência do homem,
indissociável da verdade do ser. É na Lógica do logos, a dialética, que devem ser pensadas
as obras de arte e de pensamento, porque nelas é o destinar-se do sentido do
ser que acontece, enquanto mundo, verdade e linguagem.
Manuel Antônio de Castro
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