29 julho 2015

Agir




Pensar o agir é pensar a questão do que somos e do que é a realidade. A dificuldade em apreender a essência do agir está em que nosso olhar e raciocinar já operam na vigência de tudo como sendo estático, posto. É o que denominamos normalmente de real. Essa visão, passando pela verdade lógica e pelas disciplinas científicas, é equívoca. Tudo é verbal, permanente transformação, no vigorar do agir. Agir é ser. Só pelo vigorar é que tudo pode estar em contínua ação. A própria Física afirma que o universo é constituído de energias. Matéria é energia. Porém, a essência do agir não se limita ao que a Física diz. Ela é o sentido de tudo, advindo no pensar. E pensar o sentido do agir é pensar a essência do tempo. Ser é tempo. Do ser e do tempo nada podemos dizer. Neles acontecemos. O tempo e o ser se dizem enquanto linguagem e sentido, gerando as diferentes épocas. Estas acontecem enquanto verdade e mundo. O pensar a essência do agir nos joga numa teia de questões. É necessário que nos deixemos tomar por tais questões. Pensar o agir é deixar que ele se instale nos exercícios e nas atividades de pensamento, pois o ser humano somente age enquanto pensa. Agir formou-se de agere: agir, ocupar-se de. A dificuldade de compreender a essência do agir origina-se na gramática que nos é ensinada, onde a ação é deslocada para o sujeito. Nela, o verbo ser, o próprio agir, é descartado. Reduz-se o agir ao fazer do sujeito, tornado fundamento substantivo, provocando uma substantivação da realidade. Sem agir não há proposição, pois a essência do agir não é a língua nem o discurso, mas a linguagem, o sentido e a verdade do ser. Do radical de agir, o latim formou o verbo cogitare, cogitar, pensar. Estes fundam-se na essência do agir. O agir ininterrupto e infinito, para nós, finitos, é um mistério, inviabilizando qualquer definição lógico-conceitual. Para designar o agir no horizonte do finito, usamos o verbo fazer, que representa a relação causal de agente e paciente, pela qual é o fazer que faz algo. O homem faz, mas não age originariamente. Quem age é o ser. Sófocles mostra a dialética de agir e fazer no personagem-questão Édipo. Este vive, na verdade de seu destino, a dobra de fazer e agir. O fazer é o operar de um conhecimento pelo sujeito. Para o grego ver é conhecer. Quando Édipo renega todo conhecer do fazer, cegando-se, é que encontra o saber, sentido de seu destino. No cegar-se, paradoxalmente, chega a ver e a saber que nada via e nada sabia. Não podemos confundir saber com conhecer. No fazer se conhece, no saber se pensa o sentido de sermos na verdade e linguagem do ser. Édipo faz de tudo para negar o destino, possibilidades que recebemos para ser. Como o fazer não vigora sem o agir, acaba descobrindo que quanto mais o negava mais o cumpria. Apreende que a essência do agir não está nele. Age nele. E cega-se, recolhendo-se ao vazio do silêncio, descobrindo a essência do agir como a nova claridade  que o cobre e protege. É que a claridade como essência da luz é a vigência do silêncio e do vazio. E Édipo, cego, medita sobre a caminhada que fizera no horizonte do acontecer do agir. O radical de meditar diz a unidade de ser e não-ser, fazer e agir. Decide-se pelo se pôr a caminho da linguagem, do sentido, da verdade. Deixando-nos tomar por esta poderemos apreender como há uma dialética entre agir e fazer. Este precisa da essência do agir, advindo no pensar. Em verdade, todo fazer para ter sentido precisa do pensar. O ser humano só age, verdadeiramente, enquanto pensa e não quando simplesmente faz. Pensar não é raciocinar, pois o pensar está para a essência do agir assim como o fazer está para o raciocinar. Mas este nada pode sem aquele. É um equívoco a afirmação de que o ser humano faz e é feito pela história, afirmação que o tempo-ser se encarrega de continuamente desmentir. A história é acontecer, agir. Se a compreendermos como o sentido do ser, ela será a verdade e linguagem do agir. A riqueza e complexidade da essência do agir está no vigorar desta teia de questões. É impossível pensá-lo sem as pensarmos, porque a essência do agir jamais nos poderá advir no raciocinar. Este forma o substantivo razão que se origina da tradução latina da palavra grega logos. Numa das interpretações do sendo, to on, este foi considerado a razão do universo, o seu fundamento. Trata-se no raciocinar de estabelecer o agir causal, que origina o fazer. Mas o logos originou a dialética, onde se dá o ser enquanto tempo em seu sentido, incluindo o fazer, sem que este dê conta da essência do agir. Dessa maneira, o agir é o próprio tempo acontecendo dialeticamente, isto é, a realidade advindo como logos, verbo, linguagem, sentido, mundo, obra de arte: questões vigentes na essência do agir. O agir, por ser sentido, dita os limites da consciência e do inconsciente, que só conhecem no operar do agir, deixando o silêncio fundador da linguagem vigorar. Pelo fazer o ser humano conhece, pelo agir, se conhece. Quando tudo é dominado pela técnica do fazer e do produzir, deserta o equilíbrio dialético que nos advém do sentido de sermos, restando o vazio ético, que é ser sem sentido. Não basta ter, é necessário ser; não basta conhecer, é necessário saber. A crítica, dominada pela dicotomia metafísica de agir e fazer, reduziu o agir ao conhecimento funcional e final do fazer. Desde então, a essência do agir limita-se à compreensão da finalidade, como objetivo a ser atingido pelo fazer. O agir está ligado ao sentido ético e não ao útil. A essência do agir é a essência da verdade, porque a verdade da essência é a essência do agir. Arte é o pôr-se em obra da verdade, porque é nesta, enquanto essência do agir, que o próprio do ser humano se manifesta. É impossível pensar a essência do agir sem pensar a essência do humano. O pensar age enquanto pensa e sua fonte originária é o agir do silêncio. Em si, o silêncio é não-ação, que não é in-ação, porque é o agir em sua plenitude, ser.

       A essência do agir acontece nas obras de pensamento e de arte. Escutar o seu sentido exige um interpretar e jamais um analisar, como a crítica costuma fazer. Interpretar é dialogar com as obras pela entrega de quem dialoga à escuta do silêncio na claridade de seu operar. Nelas temos a porta para a essência do agir, pois nela habita eticamente o humano.


                                                                  Manuel Antônio de Castro



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