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O ser humano, desde
sempre, já está lançado no mistério da physis, o ser, a realidade. O
mistério lhe causa profunda admiração e o leva a questionar. Questionar é
perguntar pelo saber e não-saber. E se perguntou pelo princípio da physis. Princípio
abrange, em grego, a tensão e sentido de arche e telos. Sentido
diz o tender para o consumar de tudo que é. Nele já sempre estamos imersos, mas
é necessário deixá-lo eclodir enquanto pensamento. Princípio é, portanto, a
questão do originário do ser, que não deve ser confundido com origem. A
Metafísica surgiu de duas instâncias: da dicotomia entre originário e origem; e
da verdade lógica que a fundamentava. Nelas foi esquecido o sentido do ser.
O nome Metafísica é
circunstancial e surgiu em referência às obras de Aristóteles. Nestas nunca
aparece a palavra metafísica, mas prote philosophia, filosofia primeira,
onde se pensa a questão do princípio ou arche/telos. A substituição da prote
philosophia por Metafísica aconteceu de um modo estranho. Andronico de
Rodes, no primeiro século a. C., fundamentado no Helenismo, que transformou o
pensar em disciplinas, resolveu ordenar os escritos de Aristóteles. Quando se
defrontou com aqueles que tratavam da prote philosophia não encontrou,
no Helenismo, uma disciplina correspondente onde pudessem ser incluídos.
Simplesmente colocou tais livros depois dos livros que tratavam da physis:
ta metá ta physis, em
grego. O nome da posição nada dizia sobre a temática de tais
livros. Estudando-os passaram a denominar seu conteúdo metaphysica. Daí
surgiu a disciplina Metafísica que fez história no Ocidente, numa interpretação
fundamentada e ensinada, inicialmente, a partir das posições das Escolas Helenísticas,
posteriormente da Escolástica medieval e, finalmente, da Modernidade. O que era
obra de pensamento a propósito da prote philosophia foi esquecido. No
seu lugar surgiu a Metafísica, manual de conhecimentos, ensinados já dentro da
verdade lógica como disciplina.
A Metafísica pensa a
realidade, a physis, como ta onta, a totalidade dos entes, ou
seja, o ente enquanto ente, como se este fosse o fundamento da physis,
do ser. Disso resultou um ser geral abstrato e lógico-formal, ao
qual nada de real corresponde. Baseado nele, a gramática interpreta o ser na
proposição como verbo de ligação, sem nenhum conteúdo. Proposição diz-se em
grego krisis, juízo lógico-afirmativo do que é verdadeiro ou falso.
Portanto, a procura da Metafísica pelo fundamento sempre foi em relação aos
entes, no sentido de que se procurava e afirmava a unidade na multiplicidade
dos entes. Tal fundamento é o que está além da multiplicidade (ta
onta), ou em grego, metá-physis. Era um equívoco da Metafísica, pois
pensava-se o fundamento como o metá-on. Contraditoriamente, isso deu origem aos futuros humanismos, pois é o
ser humano que se diferencia dos demais entes e será interpretado como o fundamento. Humanismo e Metafísica se
identificam. Além ou aquém da physis/ser há nada, pois todo on é e não-é. Isso
contradiz a lógica. Coloca-se, então, para a Metafísica a questão: “Por que há
simplesmente o ente e não antes o Nada?” É o impensado da Metafísica humanista.
Contra seus limites lógicos, Heidegger afirma: “O Nada, enquanto outro do ente,
é o véu do Ser” (Heidegger, 1969, 58). Aos seres humanos só é dado pensar
o sentido do ser. Portanto, a língua da Metafísica refere-se ao ente
enquanto ente, pois nunca houve uma Metafísica do nada. O ser nos
advém como questão do sentido. Essencialmente, a Metafísica se compõe numa
dupla decisão e cisão: ocupou-se do fundamento, instalando uma dicotomia
entre fundamento e fundado, ser e ente, realidade e real, criador
e criatura; identificou esse fundamento com o logos, não o de Heráclito,
mas aquele dominante nas Escolas Helenísticas, do qual se originou a lógica.
Nelas, a verdade e não-verdade da aletheia, onde vigorava a tensão de
desvelamento e velamento da physis, conforme nos diz a sentença 123 de
Heráclito: Physis kryptestai philei: A realidade desvelante é vir-a-ser no
velar-se, já tinha sido substituída pela verdade da lógica sofística, base
também dos futuros humanismos. Ela é reforçada quando o Cristianismo
interpretou e identificou o logos com Deus, a palavra criadora e
reveladora da verdade, tornando-se a verdade única, absoluta, pois lógica e
divina. Os sofistas já tinham reduzido o logos a discurso, operando na
proposição como verdade lógica. E desde então só é verdadeiro o que for lógico,
o não-verdadeiro é ilógico. A verdade da Metafísica torna-se também dicotômica,
pois saiu do âmbito do ser, ficando prisioneira do fundamento, que será
identificado na cultura romana com homem. Daí terem surgido nela os Studia humanitatis, estudos
fundamentados no e em torno do homem.
Da conjunção de
fundamento e de verdade originou-se uma Metafísicas de duas faces: a Teológica,
transcendente, e a Antropológica, imanente, dando origem à dicotomia entre
realidade e verdade espiritual (Idade Média) e realidade e verdade material
(Modernidade). Essencialmente, nada mudou, houve apenas a inversão do
fundamento teológico para o antropológico.
Baseadas na Metafísica,
as leituras interpretativas das obras de pensamento e da arte deram origem a
uma língua metafísica, avessa ao questionar, que hoje domina todos as disciplinas,
seja científicas, sejam crítico-artísticas. Nela opera uma sucessão de
esquecimentos: o ser é substituído pelo ente, a coisa pela proposição, o
princípio pelo fundamento, o sentido pelo significado, a linguagem pela língua,
o verbal pelo substantivo.
A Metafísica
radicalizou-se na questão do homem, originando os futuros Humanismos. O homem não
é um ente entre outros entes. O que o diferencia? Já diz uma antiga sentença
grega: Anthropos dzoion logon echon. Tanto a Metafísica quanto o
Humanismo se fundamentam na verdade lógica. É que logon foi traduzido
por: discurso e razão. Pela verdade lógica, razão se torna o fundamento, pois o
homem é aquele que discursa ou raciocina. Eis aí o pleno domínio da concepção
metafísica ou humanista. Na verdade da aletheia, homem é doação de
quem a linguagem cuida no e pelo pensar do ser. No pensar é o ser que se doa
enquanto sentido da linguagem. A compreensão do que seja o ser humano na
verdade da aletheia reúne o legein de Heráclito e o noein de
Parmênides, pois como afirma este: ser e pensar são um e o mesmo. Neste horizonte, redefine-se a meta-physica
enquanto pensamento e arte. Metá- também significa: entre. O
homem é o on meta-físico, o entre-on-e-physis: finito e
não-finito.
Crítico profundo da
Metafísica, Heidegger propôs o diálogo fundado no pensar e na arte. Realiza-se
pelo questionamento do fundamento e da verdade lógica, bases da língua
metafísica e humanista, diferenciando fundar e fundamentar. O fundar opera em
três dimensões: doar, fundamentar e principiar. Abre-se assim a possibilidade
de interpretar todas as obras de pensamento e arte no horizonte da linguagem,
verdade, mundo e sentido do ser, dimensionando a língua metafísica pelo operar
dialético do pensar poético.
Manuel Antônio de Castro
Um comentário:
Obrigada, professor, por tonar essas informações acessíveis na web.
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