30 junho 2008

Linha de pesquisa e projetos


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Uma Linha de pesquisa tem por finalidade configurar criativamente a referência da Poética com a Realidade, na medida em que a Linha de pesquisa se desdobra em diferentes Projetos. Em última instância, são os projetos que manifestam a densidade da Área de Poética em sua referência com a realidade centralizando-se nas Linhas de pesquisa. Estas dizem atuação concreta de realizações em que a área se pode desdobrar, tendo como fundo sempre a realidade.
Projetos dizem, pois, possibilidades de realização de diferentes temas e questões, inerentes às Linhas de pesquisa. Em Poética, os temas não podem ser pensados nos paradigmas das teorias científicas, mas devem ser co-naturais aos fenômenos artísticos. Por isso, há paradigmas epistêmico-científicos e paradigmas poético-ontológicos, pois, em-si o paradigma é ambíguo.
Pelo paradigma científico, escolhe-se um tema como um objeto a ser identificado e delimitado através de uma hipótese dentro do paradigma da disciplina, procedendo-se, então, à pesquisa para comprovação conceitual, de acordo com procedimentos metodológicos pré-definidos. O conceito é o resultado de um exercício da razão enquanto, numa proposição ou juízo, produz uma representação racional da realidade, dentro do âmbito do paradigma que lhe dá origem. No conceito não temos a realidade no que ela é, mas como ela é apreendida racional e epistemologicamente na representação. A objetividade consiste nessa representação epistêmico-racional. Dentro da determinação objetiva faz-se previamente um levantamento bibliográfico para configurar o que já se conhece do tema. A hipótese, que poderá ser comprovada ou não, é que irá determinar as pesquisas que deverão ir além do já conhecido na bibliografia existente. Eis a razão de citar continuamente. Tudo na pesquisa gira em torno da determinação da realidade e sua análise, a partir da razão paradigmaticamente configurada na teoria ou teorias, dentro de uma verdade epistemológica.
Nas artes não é possível apenas trabalhar no horizonte dos conceitos objetivos, pois a realidade não se dá somente como e no raciocinar. O pintor George Braque já disse, sabendo do que fala como artista, que “raciocinar e pensar fazem dois” (raisonner et penser font deux). Os projetos da Poética, em torno da essência da arte e das obras de arte, enquanto manifestações da realidade e não decorrentes de teorias e paradigmas prévios articulam-se na tensão de pensar e raciocinar. Pensar é deixar a realidade se manifestar como realização, é deixar o invisível mostrar-se no visível, é deixar o não-saber doar-se como saber. O projeto realizado deve necessariamente percorrer esta trajetória. Para isso, todo o trabalho de pesquisa consistirá num permanente adentramento na densidade do tema, enquanto per-curso das e nas questões. Disso resultará uma fala de escuta, não sobre o tema e suas questões, mas com as questões do tema. De maneira alguma a tese resultará em conceitos, mas num adentrar a densidade das questões pelas quais a realidade eclode nas suas possibilidades de realização. Então, não se procura trazer o desconhecido para o conhecido, mas adentrar no conhecido o desconhecido, no dito o não-dito, no que é, o que não-é. Enquanto método, todo o trabalho de reflexão de pensamento consistirá num percurso poético-circular dialogante. Em tal caminhada, o saber atemático que motiva a pesquisa, deverá resultar num saber temático do que na hipótese, não enquanto teoria, mas enquanto questão, era ainda atemático. No lugar do meramente racional, haverá uma abertura para a inclusão do pensar. O pensar concretiza-se no questionar, enquanto diferenciar e dialogar. E este se exercita na pergunta. Mas a resposta da pergunta nunca se encerra e delimita num conceito. Ela re-instala a pergunta numa outra dimensão, porque ela deve-se mover na densidade da questão. Por isso diz Heidegger: “A resposta à pergunta é, como cada autêntica resposta, a última saída do último passo de uma longa seqüência de passos questionantes. Cada resposta somente conserva sua força como resposta enquanto ela permanecer enraizada no questionar”. Então a tese terá como resultado final o re-dimensionar o tema pelo aprofundar e densificar as questões, já em si propostas pela própria realidade. O método em Poética consiste num diálogo-poético-circular, inscrito no questionar e diferenciar, enquanto radicalidade do agir (poiesis), pelo qual advém e se manifesta o não-saber de todo saber enquanto sentido da verdade da realidade como mundo, no questionar do perguntar. O âmbito da verdade, no método poético-dialógico-circular, não consiste em afirmação conceitual do pressuposto na hipótese, mas, enquanto fundado no pensar, na compreensão da realização da realidade enquanto mundo e sentido. Neste nível e horizonte, toda atividade poética é necessariamente ética.

Projetos


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As linhas de pesquisa se desdobram em cinco linhas possíveis de projetos.

Possibilidades de projetos poéticos.
1ª. Poética, realidade e mundo
Há a possibilidade de projetos que tematizem e manifestem a experienciação do pensamento poético do sagrado em todas as culturas humanas. São projetos que deveriam trazer para cena a inter-culturalidade poético-artística através de múltiplos temas. Aqui não haverá nenhuma distinção entre Ocidente e Oriente. Também não se deve procurar ficar restrito à concepção de obra de arte dominante na Ocidente a partir dos conceitos metafísicos, mas abrir-se para as possibilidades diferentes de realidades de mundo.
Cada obra de realização originária terá como eixo central: tempo e história, memória e linguagem, vigentes a partir da essência da poiesis. Estas questões são o fundo onde acontecem as poéticas e não têm nenhum horizonte historiográfico. Dentro do horizonte de tempo, memória e história acontecerão as poéticas das grandes obras em que se farão presentes as grandes questões da realidade e do ser humano, em sua complexidade fundamental e originária, e com sua diversidade e multiplicidade de manifestações e realizações. Os projetos devem sempre fugir da caracterização fundada no modelo ocidental das “formas”, “estilos” ou “conteúdos” e suas classificações.
Enquanto fundadas nas questões, devem manifestar a originariedade dos mundos que elas configuram, isto é, são experienciações originais sem possibilidade de classificação, porque não são redutíveis a conceitos em-si, ou seja, sem articulação permanente com as questões. Elas estão muito relacionadas com o projeto de realização da realidade e do ser humano inerente a diferentes povos. Aqui a questão cultural não pode ser o pano de fundo para destacar as poéticas e suas obras (diferenças culturais), mas, ao contrário, porque há obras poéticas e poéticas diferentes, é que é possível apreender e compreender tanto a originariedade como a originalidade das diferentes culturas, pois parte-se do princípio de que a arte é manifestação da realidade e do humano do homem.
A identidade de realidade e do humano do homem não podem ser reduzidas à realidade e ser humano ocidental, pois só há identidade em tensão com as diferenças. E estas diferenças não podem ser apenas “formais” ou “estilísticas” ou “conteudísticas”, pois estas classificações já pressupõem uma definição no âmbito desses conceitos (ocidentais). E não se trata de conceitos, mas, sim, da sua tensão com as questões. Por isso, serão tais poéticas diferentes, pois articularão e manifestarão a realidade e o humano do homem de maneiras diferentes, sem, no entanto, deixarem de ter como fundo permanente a identidade da realidade e do humano do homem.
A questão originária da realidade e do humano do homem sempre estará presente, ou seja, “o que é” a realidade e o humano do homem. Mas o seu “como é” entrará em tensão com “o que é”, configurando, necessariamente poéticas diferentes, ou seja, modos essenciais de experienciar e manifestar diferentes realidades e seres humanos. Tais poéticas não são, em geral, objeto de projetos, porque as realizações não-ocidentais não se “encaixam” nos “conceitos” ocidentais e, por isso, não são consideradas poéticas, como se houvesse realidade e ser humano que não se realizasse no eixo da poiesis, ou seja, na essência e sentido do agir. Incluir tais realizações em projetos deve ser uma das prioridades da poética da poiesis. Tomando, por exemplo, os poemas de Chuang-Tzu é perfeitamente possível fazer projetos de poéticas inerentes a esses poemas.
2ª. Poética, obras de arte e interdisciplinaridade
Há a possibilidade de muitos projetos que, tomando o diálogo como princípio de exercício do pensamento, abram-se para o sentido do agir enquanto experienciação de pensamento das artes e ao mesmo tempo de outras disciplinas. Então temos aqui a possibilidade de muitos projetos em que sejam temas as diferentes possibilidades da interdisciplinaridade. Entende-se aqui interdisciplinaridade em dois sentidos: entre as artes e entre as artes e outras disciplinas. Nestes projetos, a questão do método se torna essencial, porque a possibilidade real e efetiva da interdisciplinaridade passa necessariamente pela questão do método.
3ª. Pensamento poético nas culturas de língua portuguesa.
Ao contrário do grego e do alemão, o português não tem um vocabulário mais específico de filosofia. Seus termos filosóficos são tradução direta ou do grego ou do latim ou ainda mais recentemente do alemão. Mas isso de maneira alguma quer dizer que não haja um forte vigor de pensamento em língua portuguesa. Porém, ele ocorre predominantemente nas obras poéticas. No vocabulário filosófico predomina um esforço de precisão conceitual, já no pensamento poético predominam as questões. Não se deve neste contexto entender vocabulário como terminologia específica de um determinado discurso ou disciplina. Tanto o vocabulário poético como o vocabulário filosófico surgem da língua cotidiana, mas em que cada palavra e a própria sintaxe são densificadas de tal maneira que nelas a realidade se realiza em novas experienciações de mundo.
São estas novas experienciações de mundo que ocorrem em muitas das obras de autores de língua portuguesa. Vistas nesta perspectiva, muitas obras ainda não foram identificadas, pois fogem às classificações canônicas e/ou marginais. Esta linha de projetos tem por finalidade não só levantar essas obras, mas, sobretudo, através de diferentes pesquisas e projetos, ir configurando esse vocabulário que realiza um pensamento poético. Isso nunca foi feito. De outro lado, tais projetos têm por finalidade mais específica e fundamental manifestar como nas obras acontecem essas novas experienciações de mundo como realizações da realidade.
Em vez de usar a terminologia conceitual metafísica da Teoria literária, da Estética e da crítica para classificar as obras, procuram-se escutar as próprias obras, no que elas poeticamente realizam de experienciação inaugural da realidade, contrapondo-se, inclusive, às concepções de arte e de realidade através dos conceitos filosóficos historiográficos e científicos, repetidos à exaustão pelas correntes críticas e por outras disciplinas. A título de exemplo, poderíamos citar a palavra sertão, na obra de pensamento poético de Guimarães Rosa. Ela ultrapassa em muito qualquer conceito de ordem geográfica, sociológica, cultural, crítica e estilística. Torna-se a palavra-verbo de uma experienciação poética inaugural da realidade enquanto mundo. É no horizonte desta experienciação poética inaugural que o ser humano vai ser apreendido e compreendido. Sem dúvida nenhuma, temos na obra roseana um pensamento poético. Os projetos devem tematizar qualquer obra escrita em língua portuguesa.
4ª. A Poética, as Poéticas e os métodos
A poética terá sempre como fundo a poiesis. Neste sentido, são múltiplas as questões e os desdobramentos. Aqui haveria uma centralização no pensar a Poética enquanto as poéticas no horizonte do sagrado e suas diferentes experienciações. A fonte originária de todas as experienciações de pensamento é o sagrado. Mas este se desdobra em algumas experienciações históricas de pensamento, tendo sempre uma referência com Eros e Thanatos.
1 – A poética e as poéticas
1.1 – A poética e os mitos (de diferentes povos);
1.2 – A poética e as religiões;
1.3 – A poética e os pensadores originários;
1.4 – A poética, os sofistas, os retóricos e a gramática;
1.5 – A poética e o pensamento platônico;
1.6 – A poética e o pensamento aristotélico;
1.7 – A poética e outros pensamentos filosóficos;
1.8 – A poética e o pensamento heideggeriano.
2 – A poética e outras disciplinas de conhecimento
3 – A poética e os métodos
Aqui não se entende método como metodologia, mas como um caminho entre, ou seja, como a poiesis se dá. Cada obra já traz em si, como criação originária, a configuração de seu método. Isso é que é preciso pesquisar. Por outro lado, todas as grandes obras de pensamento fundam igualmente o seu método. Método implica sempre decisão de leitura enquanto diálogo.
Os projetos devem destacar as questões centrais que todo método pro-voca. De alguma maneira as questões da poética como um todo já se fazem presentes aqui. Cada poética de uma grande-obra é, em-si, um caminho, por isso ele nunca pode ser separado de um aprendizado e ao mesmo tempo de uma aprendizagem.
3.1 – Os diferentes métodos e o pensar no percurso ocidental;
3.2 – O método e a hermenêutica: a questão da compreensão;
3.3 – A compreensão hermenêutica e os diferentes conhecimentos. A questão da dupla interdisciplinaridade:
3.3.1 - A interdisciplinaridade das diferentes disciplinas no horizonte da poética, em
relação a todas as disciplinas de cunho científico;
3.3.2 – As poéticas das diferentes artes. A essência aqui da interdisciplinaridade este em elas se implicarem sempre enquanto Terra e Mundo.
Jogando o jogo da poiesis, cada projeto e cada poética deve sempre levar em conta as questões que percorrem toda poética, mas destacando tanto a identidade como as diferenças e nunca de maneira abstrata, pois devemos ter bem presente que a realidade e o ser humano nunca se repetem, embora vigorem sempre no mesmo. A poética da poiesis preserva sempre essa tensão dialógica. Estas reflexões se inscrevem na própria questão central da leitura, não meramente escrita, mas também oral e corporal. Por isso, de alguma maneira, todos os projetos de Poética necessitam incorporar, cada um à sua maneira, uma reflexão sobre a questão do método.
5ª. Projetos mixtos
A tentativa de delimitar com uma certa precisão os projetos em Linhas de pesquisa, em arte, não deixa de ter uma certa arbitrariedade e incompletude. A Poética não se deixa paradigmatizar em teorias de tentativa de dar conta do todo. A diferença como criatividade é o próprio, é o poético. Neste sentido, a elaboração e desenvolvimento de projetos em Poética deve estar além das Linhas de pesquisa. Diante disso, a quinta linha de projetos quer acentuar a espontaneidade e inventividade como um traço fundamental dos projetos. Disso decorre que os projetos podem estar fora destas linhas de projetos ou pertencerem a mais de uma linha. Centralizados nas questões, o seu grau de criatividade está na aquisição e desenvolvimento da densidade em que elas são tematizadas.

Elaboração de um Projeto - Orientação geral.


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Em outra parte já dissemos que os projetos que dizem respeito à POÉTICA, num paradigma poético-ontológico e aberto, como diálogo com as ARTES, são de natureza diferente daqueles desenvolvidos epistemologicamente pelas ciências. Também já desenvolvemos num pequeno ensaio as diferenças entre Questão e tema. Essas noções gerais são necessárias, para na hora de propor o projeto ter o mais claro possível o que e como pretende pesquisar.
Mas todo projeto deve necessariamente se organizar em etapas. É destas que agora fazemos uma apresentação. Os termos que dão título às etapas podem variar. Estas têm que ser bem compreendidas para que o projeto tenha consistência e traga, de fato, uma contribuição em relação àquilo que se propõe. Este propor, porém, é ambíguo. Se o que se propõe já fosse claro, não havia mais necessidade da pesquisa para o projeto se realizar. Seria só escrevê-lo. A proposta do projeto pressupõe sempre algo de atemático no tema escolhido e que só a pesquisa irá dizer até onde se tornou temático ou não. Realizar esta passagem do atemático ao temático é que é o grande desafio da pesquisa. Para isso é de vital importância a organização bem clara do projeto. E essa clareza já deve estar presente no projeto como um todo.
Para quem faz projetos de pesquisa, a dificuldade maior é o que pesquisar e lhe dar forma e organização num projeto, sobretudo se for um pesquisador iniciante. Para isso, sugerimos a leitura de nosso pequeno ensaio: Questão e tema. As distinções ali feitas podem ser o ponto de partida para o surgimento de uma idéia de pesquisa. Sempre há muito para pesquisar. Mas para o pesquisador é essencial que a motivação não seja simplesmente formal e acadêmica. Deve resultar: a – da formação e interesse; b- de um apelo interno, no modo de ser e querer realizar-se como pesquisador; c – de um equilíbrio entre o interesse, o apelo interno e as qualidades e possibilidades de que é capaz. Nem todos recebem as mesmas qualidades e possibilidades. Por outro lado, só exercitando a pesquisa é que se vai saber concretamente do alcance da potencialidade de cada um. Essa potencialidade não é só relacionada à pesquisa, mas radicalmente ao aprender e saber viver, experienciar a vida, sobretudo na área de Poética.
ORGANIZAÇÃO DO PROJETO
1ª. Parte: Titulo do projeto, autor e dados de identificação
2ª. Parte: Etapas de um projeto
1 – Apresentação do tema / Introdução (opção)
Parte-se de uma constatação e de algo que ainda não foi estudado, e que será então o tema do projeto, mostrando o que pode vir a ser uma contribuição. Para ter uma idéia mais concreta, consulte nosso projeto em anexo.
2 - Proposta de desenvolvimento / Definição do projeto (opção) / Hipótese (opção)
Neste tópico vai ser feita um detalhamento maior do modo como se pretende realizar a pesquisa do tema e dos diferentes aspecto a serem considerados. Cada projeto terá aspectos e redação próprios, tendo em vista o seu tema. Caso queira consultar um exemplo, veja nosso projeto em anexo.
3 – Linha de pesquisa a que está vinculado o projeto.
A realidade é segmentada em Disciplinas ou Áreas de conhecimento, que se desdobram em Linhas de pesquisa e, dentro delas, é que se constituem os projetos. Isto quando se trata de Cursos de Pós-Graduação. O projeto, então, vincula-se a uma Linha de pesquisa, de que será uma efetivação e realização concreta de conhecimentos novos em relação à realidade. Por isso, o projeto deverá estar vinculado a uma Linha de pesquisa. Confira em anexo nosso texto sobre Linha de pesquisa e projetos.
4 - Objetivos
Os objetivos decorrem naturalmente do tema do projeto e dos aspectos propostos para desenvolvimento. É claro que no decorrer da pesquisa os objetivos podem ser modificados, pois uma pesquisa é sempre algo muito dinâmico e exige criatividade. Muitas vezes se propõem objetivos específicos e objetivos gerais, dependendo da área de conhecimento, sua relação com outras áreas e, sobretudo, sua relação com a realidade. Veja o exemplo de objetivos em nosso projeto em anexo..
5 - Metodologia
No fundo, a parte mais importante, para o êxito de um projeto, está numa consciência bem clara de que método ou métodos irá utilizar. O método pressupõe um paradigma, um caminho e procedimentos. Por isso, a operacionalidade da pesquisa vai estar diretamente ligada ao âmbito do paradigma e ao domínio do seu vocabulário, e a um operacionalizar os procedimentos, que são os passos dentro do desenvolvimento da pesquisa para consecução dos objetivos. Tais passos pressupõem o domínio ou aquisição do vocabulário específico, raciocínio, perspicácia, intuição, síntese, criatividade, atenção, disciplina. É muitas vezes trabalhar no óbvio para surpreender o que só aparentemente é óbvio. É compreender linhas de construção, relações subentendidas, predomínio de questões, novos encaminhamentos e sentidos novos, relações paradigmáticas e sintagmáticas fora dos lugares comuns, paradoxos, criatividade em relação ao habitual e já sabido. Consulte o que dizemos sobre metodologia em nosso projeto, em anexo.
6 - Cronograma (Quando houver prazo delimitado para a pesquisa. Aqui se enumeram as etapas da pesquisa por meses, semestre ou anos).
7 - Bibliografia
A bibliografia escolhida decorre exatamente do tema escolhido, onde se elencam as principais obra que já trataram de tal tema e que de uma maneira ou outra já o desenvolveram. Também se elencam obras que tratem da fundamentação teórico-paradigmática, suporte do vocabulário específico de abordagem do tema. Também podem entrar aqui obras relacionadas à fundamentação metodológica e obras e conhecimento geral. Nestas podem estar incluídos dicionários etc. Para os projetos de Poética (e por que não outros?) é fundamental ter em mente que não bastam os dicionários semânticos ou enciclopédias. O universo poético é muito mais rico. Por isso, será necessário servir-se de seis diferentes tipos de dicionários. A indicação de tais dicionários está disponível em www.travessiapoetica.blogspot.com: A leitura e os diferentes dicionários.
Para a elaboração mais rica dos projetos, é necessário aprofundar a questão dos diferentes paradigmas e do método, que são extremamente complexas. O importante é, no redigir o projeto, conhecer o mais possível as diferentes opções e possibilidades, para que torne o projeto claro e bem definido na sua arquitetura não só organizacional, mas também teórico-paradigmática.
EXEMPLO. PROJETO ELABORADO PELO PROFESSOR MANUEL ANTÔNIO DE CASTRO, TITULAR DE POÉTICA.
1ª. PARTE: IDENTIFICAÇÃO
PROGRAMA DE CIÊNCIA DA LITERATURA
ÁREA DE POÉTICA
PROF. DR. MANUEL ANTÔNIO DE CASTRO - TITULAR DE POÉTICA
PROJETO DE PESQUISA – NOVEMBRO DE 2003
TÍTULO
A POIESIS E A CONSTRUÇÃO DA REALIDADE E DO HOMEM NA PÓS-MODERNIDADE
2ª. PARTE: PROJETO
1 – APRESENTAÇÃO
Já são numerosos os estudos sobre a pós-modernidade. Poderíamos dividi-los, em geral, ou como apocalípticos ou como integrados. Isto na historiografia ocidental já é comum. A cada novo movimento e época há sempre uma proposta inovadora e uma reação conservadora. E aí todo empenho dos que defendem o novo momento se dá em mostrar as novas características e como se diferenciam das anteriores. Tais características são apontadas nos mais diferentes campos do saber, aí incluídos os das artes, ou ainda mais especificamente o da poesia.
Nessas caracterizações nem sempre se tornam claras duas posições bem distintas, havendo muitas vezes uma implícita ou explícita confusão. Quando se fala em pós-modernidade muitas vezes se pensa pós-moderno como pós-modernismo, oposto a modernismo. Aí o alcance e pano de fundo da oposição seria, na realidade, em geral, o século XX. Mas outras vezes se pensa a pós-modernidade em oposição à modernidade. E aí o período historiográfico em vista já abrange aproximadamente cinco séculos, ou seja, desde o renascimento. A modernidade, dependendo da área de conhecimento, tem seu início teoricamente em momentos bem diferentes. Basta, por exemplo, pensar na filosofia e na literatura. Em filosofia pensa-se imediatamente em Descartes, já em literatura, em Edgard Allan Poe ou em Baudelaire.
Muitos atacam e não aceitam a pós-modernidade porque acham que nada mais é que um desdobramento do projeto iluminista da modernidade, uma espécie de correção de rumo dos ideais iluministas. Outros, pelo contrário, se dão conta de que vivemos o esgotamento desse projeto e ideal, e de que um novo está se fazendo, tendo como pano de fundo alguns fatos relevantes nas mais diferentes áreas do conhecimento ou atividades artísticas: o esgotamento das vanguardas, a generalização da técnica, a globalização econômica, o pós-colonialismo, a sociedade do conhecimento, a sociedade de consumo, a inteligência artificial, o estudo do código genético, a ciência e a ética, os novos recursos da informática e da Internet, a realidade virtual etc. etc. São muitos dados absolutamente novos, embora presos a uma tradição cultural ocidental.
A insistência na modernidade não leva em conta um dado muito simples e absolutamente evidente: a dinâmica da história. E o fato de que não há nem haverá nunca um modelo padrão absoluto da realidade e do homem e muito menos um conceito universal e único de história. Essa é sempre a pretensão de todos os sistemas. Seja o iluminista, seja o cristão-medieval, seja o humanismo romano, seja a paidéia grega. Nesse sentido, o projeto iluminista mostra, nos mais diferentes aspectos, ou o seu esgotamento, ou processos de transformação inegáveis. Esta constatação não nos leva automaticamente para a posição dos integrados. Pelo contrário, queremos manter uma posição crítica e questionante. Crítica, fazendo eco a um dos ideais mais caros à modernidade iluminista, mas agora numa atitude de crítica da crítica. Para isso optamos por uma posição questionante, porque nos abre vias de investigação que estão para além do modelo historiográfico dominante, em que se concebe a história como a sucessão alternada de períodos com características opostas e algumas vezes complementares. Além disso, questionamos também o mito do homem pelo qual este toma o lugar de Deus criador e se torna o centro de tudo. Para chegar à questão da pós-modernidade, colocamos como tema central de nossa pesquisa algumas questões prévias: O que é a realidade? O que é o homem? Como se dá tanto a construção do homem como da realidade? O que é a poiesis? Que lugar tem a poiesis na construção da realidade e do homem? Em que sentido e significado se usa a palavra con-strução?
2 – PROPOSTA DE DESENVOLVIMENTO
Não será, portanto, uma pesquisa descritiva ou de levantamento do quadro de características para dar uma idéia da pós-modernidade no campo das artes. Aí já aceitaríamos a segmentação e loteamento disciplinar do real. Nossa pesquisa parte de pressupostos inter e transdisciplinares. Com isto já nos afastamos da bibliografia dominante. Não nos interessa a atitude crítica nem historiográfica, embora ambas se façam necessariamente presentes, mas para serem questionadas. Isso já ficou evidente nas questões que orientam a proposta desta pesquisa.
De onde partimos então? A crítica se forma do verbo grego krinein, que significa: separar, distinguir pelo diferenciar o essencial do acidental. Mas também se formaram outros conceitos: crise, crime, critério. É, pois, um fundamento emblemático e “crítico”. Crítica estará presente, mas não será o fundamento, porque como atividade centrada no homem não dá conta das questões em que se move tanto a realidade como o homem. Senão ainda continuaríamos radicalmente na modernidade, que tem como fundamento o homem e a razão. De onde partimos então? Partimos do princípio. Mas para nós o princípio não é algo de substancial ou transcendente ou imanente. Há uma diversidade de princípios na dinâmica de uma identidade. Por isso podemos falar, paradoxalmente, em fundamento como princípios. Quando se questiona a metafísica isso não será tão estranho. O pensador originário Parmênides, no seu famoso poema Peri physeos, diz claramente que três são as vias da verdade: o ser (on), o não-ser (me-on) e a aparência (doxa). Temos três princípios em Parmênides? Temos, mas isso não quer dizer que não haja uma identidade. Isso vai ser evidenciado no fragmento III, quando diz: “... pois o mesmo é pensar e ser” (Parmênides, 1991: 45). Dentro do percurso cultural do ocidente e suas experienciações da realidade e do homem, que vão do mito à essência da técnica, entre outras, propomos cinco questões fundamentais como pano de fundo da pesquisa: Physis (natureza), Tempo, Linguagem, Memória, História. Ou seja: acreditamos que a pós-modernidade se desenha e se impõe na medida em que se dá a vigência de uma nova interpretação da natureza, do tempo, da linguagem, da memória e da história. Em que elas consistem? Disso trata a pesquisa.
Questão não é problema. Na questão sempre se faz presente o que é digno de ser pensado e nela e por ela estamos decidindo o que somos. Não é, pois, um conhecimento que faça parte de uma determinada disciplina ou campo de saber. Em toda questão se questiona sempre tanto a disciplina como o conhecimento. Tais questões como questões também não são próprias de uma ou outra época, como questões são sempre originárias (memória): são o vigor de todas as origens e como tais sempre se dão como início e fim. Uma questão não pode ser ex-plicada nem causal nem conceitualmente, porque tanto causa como conceito já pressupõem a questão. Por isso mesmo não sabemos nem podemos nem é necessário definir o que são tais questões, pois queiramos ou não já nos movemos nelas e a partir delas. É nesse sentido que Santo Agostinho disse em Confissões, livro XI a propósito do tempo: “Se ninguém me perguntar, sei. Se quiser explicar a quem me pergunta, não sei”. O mesmo se pode dizer das demais questões, pois, embora diferentes, têm a mesma identidade. A ilusão da metafísica e da tradição ocidental é que podemos determiná-las, de-fini-las, conceituá-las, como se elas já desde sempre não estivessem para além e aquém do homem e da realidade. Mas não se trata de uma impossibilidade negativa, mas da possibilidade de todas as possibilidades. Por isso é que surgem sempre novas períodos históricos, novas realidades e novos homens. E é no horizonte dessa impossibilidade possível que se orienta a presente pesquisa. Mas ela apresenta como diferença o pensamento em torno da presença e agir da poiesis como vigor das cinco questões.
Ao falarmos das cinco questões como princípio de construção da realidade e do homem, o que logo causa estranheza é onde fica o homem? Onde fica a realidade? Mas que é o homem e o que é a realidade senão, sempre e de um modo inaugural, a con-strução presentificante e unificante da physis, do tempo, da linguagem, da memória e da história?
Construir o homem e a realidade é desvelar e velar o que é physis, tempo, linguagem, memória e história. Mas no que se manifestam como esta realidade e este homem nesta natureza, neste tempo, nesta linguagem, nesta memória, nesta história, se ocultam como physis, tempo, linguagem, memória e história. Isso sempre se fez de um modo muito claro e vivo no mito enquanto fonte e origem de todos e dos sempre diferentes ritos. No caso da poiesis, da Linguagem, os ritos são as línguas e seus mais diferentes textos e obras, sejam orais, sejam escritas.
Pesquisar a construção da realidade e do homem na pós-modernidade se traduz na tarefa de questionar como a physis, o tempo, a linguagem, a memória e a história se dão na pós-modernidade, ou seja, a investigação que possibilitará descrever, conscrever e inscrever a pós-modernidade, ou seja, apreender a construção do homem e da realidade como pós-modernidade. Con-stru-ir aí significa o desvelar e-stru-turante que se vela.
As características da pós-modernidade serão lidas e estudadas no horizonte dessas questões. Nessa perspectiva, aproveitaremos num sentido novo e questionante o que já se vem determinando e caracterizando como pós-modernidade, ou seja, num horizonte de pressupostos completamente diferentes.
Nosso tempo e sua delimitação historiográfica se dá dentro de uma constatação evidente e irrefutável: a onipresença tanto da ciência como da técnica. Esse é um fato facilmente constatável. Pesquisar a construção da realidade e do homem significa então mergulhar profundamente no modo de presença da essência da técnica. A técnica não vai ser entendida como o conjunto dos instrumentos técnicos, mas enquanto o modo como a physis, o tempo, a linguagem, a memória, a história se desencobrem essencialmente. É nesse modo específico que se constrói a verdade da pós-modernidade. Nesse sentido será feita uma pesquisa do modo de ser da essência da técnica enquanto verdade. Para tanto será tematizada e investigada a trajetória da tensão entre techné, aletheia e poiesis, e suas relações profundas com os “entes”, as “coisas”, os “ob-jetos”, os “dis-poníveis/não-ob-jetos”, as “obras”, os “corpos”.
Numa época em que a physis se tornou mera reserva de “recursos naturais” e os homens meros “recursos humanos”, em que se concebe a linguagem/língua como mero “instrumento comunicativo”, se coloca com mais pertinência a questão fundamental se ainda há lugar, numa tal “Matrix” (filme), para a poiesis, para a arte. A questão inerente ao filme Matrix se torna bem clara quando pensamos a realidade e o homem como sistema. Cada vez mais o homem se vê preso ao emaranhado da rede da pós-modernidade. Ao ideal do homem iluminista, senhor do seu destino, sucede hoje o homem cada vez mais enredado em sistemas: social, econômico, político, cultural, religioso, lingüístico, genético, filosófico, ideológico. E até e sobretudo num cânone artístico, formal, estético e ideológico.
Por isso não podemos pensar a arte, a poiesis, nas suas concepções tradicionais, esgotadas e insuficientes para enfrentar o abismo que nos ameaça na vigência da essência da técnica. É quando a experienciação técnica da realidade e do homem se torna um perigo que mais se torna urgente a “salvação” da realidade e do homem como experienciação poética. Esta nos instala na essência da verdade, que é a verdade da essência. O grande perigo que ronda a pós-modernidade, enquanto regida pela essência da técnica, é o grande perigo de que esta venha a vigorar na apropriação da verdade e se torne a única via da verdade. Assim sendo, o lugar da poiesis na construção da realidade e do homem passa por uma ultrapassagem das concepções da arte baseadas nas formas e na fruição estética para uma apreensão do seu vigor essencial como manifestação do que a realidade e o homem são em seu sentido e verdade. Uma tal pesquisa empreenderá uma reflexão fundamental sobre o lugar da poiesis na construção da realidade e do homem através de uma Paidéia poética. Não significa isto a proposta de um novo sistema salvador e messiânico de um ideal de homem e de realidade, mas simplesmente um re-vigoramente da pro-cura como Escuta do apelo de reunião (Logos) de homem e realidade enquanto sentido e verdade (aletheia).
3 – OBJETIVOS
3.1 – Estudar a essência da técnica como fundamento da pós-modernidade, apontando os seus perigos, limites e possibilidades.
3.2 – Mostrar como a construção da realidade e do homem na pós-modernidade se baseia em uma nova experienciação da natureza, do tempo, da linguagem, da memória e da história.
3.3 – Propor uma reflexão originária da arte (poiesis) e da sua presença e possibilidades na pós-modernidade, através da incorporação e união de todas as linguagens como novas possibilidades de desvelamento.
3.4 – À idéia de recursos naturais e humanos contrapor uma nova poética libertadora como Paidéia poética, onde realidade e homem formam uma unidade harmônica.
4 – METODOLOGIA
A metodologia pressupõe os procedimentos e sua fundamentação. Os procedimentos dizem da atitude diante do conhecimento, da realidade e do homem. Tais procedimentos partem do questionamento dos conceitos em torno dos quais se constrói a realidade e o homem, ultrapassando a cronologia historiográfica e o formalismo conceitual como enumeração de características e oposições epocais. Operacionalmente não será nem uma metodologia dedutiva nem indutiva, porque a complexidade e ambigüidade da poiesis mostra que para além do cronológico já se dá desde sempre o acontecer originário como vigor do que historicamente vige como memória, de onde se faz possível a manifestação tanto da realidade como do homem. Trata-se, pois, de um círculo hermenêutico-ontológico.
5 – DURAÇÃO
Novembro de 2003 a novembro de 2007
6 – BIBLIOGRAFIA
À enumeração inicial serão no decorrer da pesquisa acrescentadas novas obras de acordo com as necessidades tanto em abrangência como em fundamentação.
LEÃO, Emmanuel Carneiro. A sociedade em rede. Conferência. Mimeo.
--------------------------------. Aprendendo a pensar I e II. Petrópolis, Vozes, 1976 e 1993.
---------------------------------. Heidegger e a modernidade: a correlação de sujeito e objeto. In: ... Aprendendo a pensar II. Petrópolis, Vozes, 1992.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Conferência. Internet.
...................... . O que é o virtual? Rio, 34, 2001.
HEISEMBERG, Werner. A parte e o todo. Rio de Janeiro, Contraponto, 1996.
----------------------------- . Física e filosofia.4.e. Brasília, Humanidades, 1999.
HEIDEGGER, Martin. A questão da técnica. Ciência e pensamento do sentido. A coisa.
In: Ensaios e conferências. Petrópolis, Vozes, 2002.
--------------------------- . Carta sobre o humanismo. Rio, Tempo Brasileiro, 1967.
--------------------------- . L’ époque des “conceptions du monde”. In: Chemins. Paris, Gallimard, 1962.
----------------------------. Que é uma coisa? Lisboa, Ed. 70, 1992.
---------------------------- . De l’essence de la vérité. Paris, Gallimard, 2001.
-----------------------------. Língua de tradição e língua técnica. Lisboa,VegaPassagens,1995.
-----------------------------. Os conceitos fundamentais da metafísica. Rio, Forense Universitária, 2003.
BUZZI, A.R. A modernidade. In: Revista Vozes, no. 4, maio de 1977.
SCHUBACK, Márcia Sá Cavalcante. As cordas serenas de Ulisses. In: ... (org.) Ensaios de filosofia. Petrópolis, Vozes, 1999.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica. In: Obras escolhidas I. 4.e. S. Paulo, Brasiliense, 1985.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio, DP&A.
SOUZA, Ronaldes de Melo.Introdução à poética da ironia.Rev.Linha de pesquisa, vol.1,n.1
................... . A epigênese do pós-moderno. In: Rev. Tempo Brasileiro, 84, jan.-mar., 1986.
MICHELAZZO, José Carlos. Do um como princípio ao dois como unidade. S. Paulo, Annablume, 1999.
ORTEGA Y GASSET, José. ?Qué es filsofía? Obras completas. Madrid, Revista de Occidente,1964.
VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade. S. Paulo, Martins Fontes, 2002.
CONNOR, Steven. Cultura pós-moderna. 3.e. S. Paulo, Loyola, 1996.
PAZ, Octavio. A outra voz. S. Paulo, Siciliano, 2001.
KAFKA, Franz. Narrativas do espólio. S. Paulo, Companhia das Letras, 2002.
CASTRO, Manuel Antônio de. O canto das sereias: da escuta á travessia poética. Mimeo, 2003.
ZARADER, Mariène. Heidegger e as palavras da origem. Lisboa, Instituto Piaget, 1998.
IRWIN, William (org.). Matrix – bem-vindo ao deserto do real. S. Paulo, Madras, 2003.
SAID, Eduward. Reflexões sobre o exílio. S. Paulo, Companhia das Letras, 2003.
SÁBATO, Ernesto. O escritor e seus fantasmas. S. Paulo, Companhia das Letras, 2003.
BRICOUT, Bernadette (org.). O olhar de Orfeu- os mitos literários do Ocidente. S. Paulo,
Companhia das Letras, 2003.
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. S. Paulo, Companhia das Letras, 2003.
BARRETO, Fábio. Inteligência artificial. Mimeo. 2003.
LUCCI, Elian Alabi. A era pós-industrial, a sociedade do conhecimento e a educação para o pensar. Internet. http://hottopos.com/vidlib7/e2.htm
CAPURRO, Rafael. La pregunta hermenêutica por el critério del sentido del lenguaje. Internet. http://www.capurro.de/pregunta.htm
SAMPEDRO, Javier. Los orígenes del código genético. Internet. http://www.elpais.es/p/d/suplemen/fututo/02fut07c.htm
BIBLIOGRAFIA
NOTA
PARMÊNIDES. In: Os pensadores originários – Anaximandro, Parmênides, Heráclito. Petrópolis, Vozes, 1991.

26 junho 2008

Sentenças




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Amar é o mútuo presentear-se de amante e amada, sendo o si-mesmo como outro.

Amar é o deixar-se ser o eu e o tu sendo o si-mesmo como outro.

O querer é o poder ser acontecendo poética e concretamente.
O crítico diante da realidade prefere os critérios e não a realidade. O pensador-poeta não prefere nem os critérios nem a realidade. Escuta e dialoga com o acontecer poético da realidade.
Quem é sábio é sempre belo, porque sabe o sabor da beleza e não apenas a vê ou sente. Ser belo é ser o que se sabe.

Ser é experienciar o Nada na presentificação e presencialização do tempo enquanto Amor.

A luz é o velar-se da Noite. A casa é o desvelar-se da linguagem. A luz é a linguagem da Terra como mundo.

26-06-08

Poético-ecologia e a fala do índio Seatle


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Uma grande criação poético-ecológica aconteceu na já famosa, com justiça, porque altamente criativa, fala do índio Seatle. Nós a transcrevemos abaixo com um comentário de cada parágrafo que não tem outro propósito senão levar o leitor a penetrar no texto e a fazer também sua interpretação. Mais do que isso: tornar-se um defensor experiencial e permanente da Poético-ecologia. Antes de entramos na fala propriamente dita, fazemos uma pequena exposição do que entendemos por poético-ecologia.

A energia poética
Poética vem do grego Póiesis. Esta palavra diz simplesmente o agir e seu vigor pelo qual tudo se cria, se produz, se faz, se manifesta, acontece. É uma energia tão radical, tão primordial, tão inaugural, tão originária, tão enigmática que percorre todos os âmbitos possíveis em que tudo e também nós nos manifestamos e isso em todos os tempos: abrange da energia espiritual à vital, da psíquica à atômica, da corporal à ontológica. É a energia poética. Por isso nós não sabemos o que é a essência do agir, a póiesis, uma vez que ao tentar conceituá-la só o podemos fazer porque já nos achamos e somos movidos pelo vigor da essência do agir. Isso não nos impede de questionar, pois só questionando é que chegamos a ser o que já desde sempre somos enquanto o sentido do agir. Todo questionar questiona para chegar ao vigor do agir, embora sejamos impelidos a tal procura por esse mesmo vigor. Em tal procura nos advém o sentido do agir, isto é, da póiesis.

A essência e sentido do agir
O vigor do agir, a póiesis, é a essência da ecologia. Entendemos por essência não uma idéia essencialista, mas o próprio vigor do agir agindo, isto é, da póieis. A referência entre póiesis e ecologia é bem evidente. Ambas as palavras são formadas do grego. Uma tradição metafísica obscureceu o seu poder poético. De póiesis já falamos. E ecologia? Dependendo da tradução das palavras e do seu horizonte de entendimento vamos ter compreensões completamente diferentes. De início é necessário não partir para um entendimento rácio-conceitual, porque a razão – uma das sete traduções possíveis de logos – não dá conta da energia que pulsa na palavra-verbo logos. Mais do que raciocinar é necessário pensar, pois este é mais, muito mais, do que o raciocinar. Na verdade há na palavra eco-logia, se tomadas originariamente, uma tautologia (vejam como não podemos fugir do logos e nem da póiesis). Eco provém da palavra grega oikia, casa. Mas o que é uma casa? Se queremos ir além da denominação de um lugar de habitação, podemos nos lembrar de uma citação de Heidegger que já virou clichê. E a pior coisa que pode acontecer a uma palavra de pensamento é tornar-se clichê. Diz a proposição pensamento: “A Linguagem é a casa do ser.” A imagem “casa” se refere à Linguagem. Todo o alcance da imagem “casa” nos advèm em parte do que entendermos por “Linguagem”. Por outro lado, a desautomatização do conceito ou conceitos de linguagem pode ser promovida pela imagem “casa”. Parece que estamos num certo círculo. Realmente, é o círculo hermenêutico, o método que nos lança no caminho do pensamento e da poiesis. É esse mesmo caminho que nos projeta na aparente tautologia da palavra ecologia. De fato eco/casa e logia são o mesmo, uma vez que logia vem de logos e entre numerosos sentidos quer dizer também Linguagem. Por as duas palavra de eco-logia dizerem o mesmo não quer dizer que sejam a mesma coisa.

O círculo poético como caminho
Por onde começar a circular no círculo? Pelo princípio: a póiesis, pois ela se faz presente já desde sempre e sem ela não podemos nem caminhar. Mas o que procuramos nesse caminhar, isto é, qual é a nossa finalidade? Certamente não é o conceito, um produto do exercício da razão. Temos que nos abrir para a questão. Então devemos nos ex-por ao pensamento poético. Deixar o pensamento acontecer é nos apropriarmos da póiesis que nos é própria.
A provocação para um tal apropriar nos advém da ecologia, ou seja, tanto da eco/casa como da logia/linguagem. “Eco” é casa e “casa” é Linguagem. O que compreender então por “casa” sem dela dar uma definição, um conceito? No círculo hermenêutico o melhor é cada um se abrir para a escuta da Linguagem. Pois como diz Heidegger: “A linguagem fala, não o ser-humano. Este só fala quando corresponde à fala da linguagem”.
Na proposição de pensamento “A linguagem é a casa do ser”, normalmente não se cita a oração que vem em seguida. Diz: “Os poetas e pensadores lhe servem de vigia”. A vigília é a escuta amoroso-desvelante do ser. Mas quem são os “poetas”, quem são os “pensadores”? Tendemos a confundir poetas com retóricos de “formas” poéticas e pensadores com “filósofos” que falam em geral num discurso complicado e até ininteligível de aparente “profundidade”. No primeiro caso, fica-se à mercê de jogos retóricos e no segundo a um jogo racional e conceitual, numa rede de conceitos em geral inacessível. Num tal jogo o apelo da fala da linguagem não acontece e não há, portanto, caminho enquanto círculo poético..

O poeta-pensador
Todos sabemos que o espírito sopra onde quer e habita os que na simplicidade se escutam auscultando a sua fala. A simplicidade da poesia pensante acontece de muitos modos e em diferentes épocas. Não há causas explicativas, nem cânones, nem modelos. E seu vigor, sua póiesis é tão vigorosa que faz eclodir o tempo como real. É o que aconteceu numa fala famosa de escuta da linguagem proferida por um índio poeta-pensador, o Chefe Seattle. Em sua fala, póiesis, linguagem, pensamento e ecologia estão tão profundamente unidas e são tão vigorosas que não pararam de provocar escutas, convocar atitudes poético-ecológicas. É a poético-ecologia na mais alta densidade.
Escutemo-lo.

Fala do Chefe Seattle
A seguir transcrevemos a fala do Chefe Seattle. Enumeramos os parágrafos e com o que em cada um provoca procedemos a um diálogo inter-pretativo.
(No ano de 1854, o presidente dos Estados Unidos Franklin Pierce fez a uma tribo indígena a proposta de compra de grande parte de suas terras, oferecendo em contrapartida a concessão de uma outra “reserva”. Eis a resposta do pensador e poeta Chefe Seattle.)
§1 - Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los? Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.
Para dialogar com a fala poético-pensante do Chefe Seattle neste primeiro parágrafo nos centralizamos em algumas palavras que se tornam núcleos de questões. Já nos apresenta, como uma introdução, as principais questões em torno das quais vai manifestar o seu pensamento poético.
Sem dúvida, a questão fundamental é o sagrado. O que é o sagrado? Nòs não sabemos, mas sabemos que ele atua, é póiesis, pois dele tudo provém e se faz presente em tudo. Se de algum modo não soubéssemos nem poderíamos perguntar. A Terra provindo do sagrado não é um bem útil que temos e de que podemos dispor para ser usado como bem de capital ou instrumental. A Terra é muito mais do que a funcional idéia científica que a classifica relacional e conceitualmente como um planeta. Não. Ela é muito mais. Hà uma seiva poética que a percorre e faz dela um grande corpo-vivo. Se, portanto, não é mais um bem-de-capital ou depósito de recursos energético-funcionais não pode nem ser vendida nem comprada. Esta é uma idéia central.
Ela é corpo. O que é um corpo? Quando assim se pergunta em que horizonte é para ser conceituado? Será que podemos conceituar seja a Terra-corpo, seja nosso corpo? Mas todo mundo sabe o que é um corpo: é o oposto da alma ou espírito. Aquele é material e este é imaterial. Esta dicotomia metafísica em nada ajuda a nos abrirmos para o pensamento poético da Linguagem. Como Linguagem e como Corpo-Linguagem o sagrado a tudo perpassa e vivifica, do “inseto que zumbe à penumbra da floresta”.
O sagrado ao se fazer Linguagem-corpo vigora na Memória e experiência de cada povo. O que é a Memória para que cada povo nela e por ela se experiencie como Memória? Quando a póiesis, como energia essencial, faz emergir o Corpo-Terra em sua vitalidade e excessividade poética, ela a conserva e reúne como Linguagem e Tempo: é a Memória. A póiesis se faz sentido como sentido de um povo na sua experienciação da Terra-corpo como Memória: é o sagrado.
§2 - Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande água, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro e o homem – todos pertencem à mesma família. Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós.
Neste parágrafo surgem novas questões. Se antes o sagrado a tudo reúne e funda, agora aparece a Terra como a Mãe-Terra. E ela como Mãe a tudo origina. E somos, portanto, todos filhos da Mãe-Terra. E como seus filhos somos todos irmãos e a ela pertencemos: somos uma grande e única família. Se antes temos o povo como questão de pertencimento e fraternidade, agora temos a família como a que a todos congrega. Flores, picos rochosos, campinas, água, potro, ser-humano, somos todos irmãos, todos pertencentes à mesma família. É a fraternidade universal. A Terra se mostra como um Corpo que a todos origina e abriga fraternalmente. É a fraternidade que São Francisco já poietizara e cantara no “Cântido das criaturas”.
Porém, o poema do Chefe Seattle se inicia e termina com um lamento, um triste lamento, fundado na dicotomia entre Céu e Terra do Ocidente metafísico. Criando essa separação, o Ocidente metafísico, aparentemente espiritual, não se dá conta de que só opera um esquecimento, o esquecimento de que temos origem na Mãe-Terra e voltamos ao seu seio. A morte – o que é a morte? - se torna um momento de plenitude e reintegração no originário. “Somos parte da Terra e ela faz parte de nós”. Só num horizonte metafísico há separação entre matéria e espírito. O que é a matéria para que saibamos o que é o espírito? O que é o espírito para que saibamos o que é a matéria? Só nessa visão há começo e término. Quando na realidade há princípio e plenitude. A fraternidade e morte poética, fundadas na póiesis, fazem da Mãe-Terra a nossa Casa. É a Poético-ecologia. Por isso não podemos ser seres errantes entre as estrelas desterrados da Terra à procura de uma Casa que não existe porque não hiperexiste. A Linguagem-Casa é a certeza como Memória e Tempo que há essa Unidade e nela todos somos unos e filhos e irmãos.
E surge então a perplexidade poética: Sendo uma grande família pertencente à Memória imemorial da Mãe-Terra como alguém propõe que a Mãe-Terra seja vendida? A funcionalidade utilitária e técnica da razão ocidental, que a tudo transforma em objetos e instrumentos, “pede muito a nós”.
§3 - O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós. Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.
A soberba metafísica, a ciência, tornada o Grande Chefe, hoje, da Terra na figura da globalização, nos promete um “lugar onde possamos viver satisfeitos”. Será que há um outro “lugar”? O que é um “lugar”? Não podemos confundir lugar com espaço, o espaço terrestre e até sideral. Lugar não é espaço. Lugar é Casa, a Casa-Linguagem. Ela é o mundo originário, o sentido de toda póiesis. Por isso só nela encontramos a paz e a integração, o prazer e a satisfação. Não adianta nos oferecer os paraísos artificiais da estética no consumo funcional da desesperada tentativa de satisfazer os sentidos e desejos.
A oferta de sempre maiores bens e possibilidades de consumo e satisfações estéticas dos desejos pode ser considerada. Porém, não passa de uma tentação banal, ainda que aliciadora. A Terra, nossa Mãe-Terra, é “sagrada para nós”. E como vender ou comprar o sagrado? Como agirmos e morarmos e vivermos e morrermos sem o sagrado? Ainda seremos?
A água que percorre o rio e desce das montanhas e cai do Céu e cobre a Terra viaja nas veias de todos os irmãos vivos não é o H2O. É “o sangue de nossos antepassados”. A venda e a compra, a transformação funcional de tudo em recursos – naturais ou humanos – provoca uma amnésia mortal: o esquecimento do poético, o esquecimento do sagrado. Cada reflexo de luz nas águas, nas florestas, nos cumes das montanhas é a reflexão poética de acontecimentos e lembranças da vida “da aventura e fraternidade humana”. “O murmúrio das águas é a voz de todos os nossos ancestrais”. A Terra é a nossa Casa. A Casa é a nossa Linguagem e nossa Póiesis e nosso Ser. Como vender e comprar o nosso Ser?
§4 - Os rios são irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são irmãos nossos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.
Os rios são misteriosos. A superfície rumorosa e fluente se funda na calma silenciosa e abismal das suas profundidades. Como veias vitais alimentam o Corpo-Terra para que esta produza frutos e nos alimente. Alimente a todos, mas lembrando e ensinando a todos que os rios não são funções de um grande sistema produtivo para originar mais capital e com este, circularmente, financiar pesquisas que põem em perigo a nossa e a sobrevivência da Mãe-Terra. Ainda que se consiga conservar a Terra como produtora e a salvo, nesta função nunca teremos de volta o sagrado.
§5 - Sabemos que o homem branco não compreende os nossos costumes. Uma porção de terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Tratam sua mãe, a Terra, e seu irmão, o Céu, como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devora a terra, deixando somente um deserto.
Inebriada pelos conhecimentos técnico-científicos, a globalização metafísica não compreende a compreensão da póiesis e do pensamento. A Mãe-Terra perdeu o seu sentido e a globalização técnico-científica trata a Mãe-Terra com indiferença e o ser-humano vai-se tornando um estranho e forasteiro e alienado e despatriado dentro da própria Casa. Diuturna e noturnamente extrai bens para satisfazer a necessidade que essencialmente cada ser-humano não tem e de que não precisa para ser. Competindo sem tréguas, a Mãe-Terra tornou-se sua inimiga e prossegue numa devastação que acabará por devastar a si-mesmo, esperando-o um deserto de insatisfação mortal. E a Memória dos antepassados se esvai no roldão da desertificação em que se transforma o Corpo da Mãe-Terra. Nesta fúria funcional e instrumental a tudo transforma em coisas e objetos. O real é a Terra disposta e configurada como conjunto de objetos e objetivos. A própria Terra e seu irmão o Céu se transformam em objetos e coisas com valor de compra e venda. A Casa-Linguagem perde sua voz e colorido e aconchego de seio materno para se tornar um deserto do sem-sentido cada vez mais violento e niilificante.
§6 - Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda. Não há um lugar quieto na cidade do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreenda. O ruído parece somente insultar os ouvidos. E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.
Diante de tanto conhecimento me assalta o não-saber. É o não-saber selvagem da póiesis e do pensamento perante a arrogância do sistema racional e funcional – que a tudo conceitua – e que constitui o único real verdadeiro. A póiesis se tornou ficção, fingimento, irrealidade, devaneio, inutilidade, divertimento, gozo e prazer estético, algo acessório e banal. A não-compreensão aparentemente selvagem do saber de sabor e sabedoria não compreende tanto conhecimento mutável e descartável, ruído e agitação. Para quê? Para chegar aonde? Na agitação que dá lugar ao agir da póiesis não há mais lugar para a quietude, no horizonte da qual se escutando se ouça o suave “desabrochar de folhas na primavera ou o bater de asas de um inseto”. Porque tudo isso é inútil, no império da utilidade. Não será tudo isto porque a ação do pensamento e o pensamento da ação da póiesis não produz esse real de objetos e instrumentos? E ainda haveria para este outro real? E por que não? Por que a exclusão e exclusividade do real funcional? Mas o que resta de vida e póiesis e pensamento se um ser-humano não se acha nem acha a sua Casa onde possa “ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite”? Onde uma lagoa e sapos na noite barulhenta e iluminada da cidade? Onde o silêncio em meio ao turbilhão de ondas sonoras dos canais de televisão, rádio, celulares, internet?
§7 - O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro: o animal, a árvores, o homem, todos compartilhamos o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar-se de que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém. O vento que deu a nossos avós seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o homem branco possa ir saborear o vento açucarado pelas flores dos prados.
O imaterial do espírito esqueceu no conhecimento da arrogância metafísica, como única detentora da verdade, o ar de que é nutrido. O espírito sopra onde quer, porque sua póiesis a tudo penetra e vivifica. Somos todos participantes do mesmo sopro vital: animais, árvores, seres-humanos. A esse sopro vital os gregos deram o nome de psique, ou seja, o inspirar e o expirar – viver no livre aberto do respirar. Ter inspiração é ser possuído pelo espírito, o espírito da Linguagem e da póiesis que a todos une como irmãos, sem gêneros, raças ou culturas. Na riqueza da sua excessividade poética a todos faz únicos e diferentes, originais e originários. Impulsionados pela inspiração poética do Sopro Inaugural temos o dever de preservar a Mãe-Terrra “intacta e sagrada como um lugar” onde todos os seres-humanos possam “saborear o vento açucarado pelas flores dos prados”.
§8 - Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de compra de nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir. Vi milhares de búfalos apodrecendo na planície, abandonados pelo homem branco que os alvejou de um trem ao passar. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecer vivos. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontecerá com o homem. Há uma ligação em tudo.
 
O agir da globalização na sua ânsia de a tudo instrumentalizar e funcionalizar não conhece outro agir e faz questão de não conhecer nem se propor a compreender. Não é esse o verdadeiro selvagem? Nem se dá conta de que raciocinar não é o mesmo que pensar. Mas será que só existe esse agir produtivo, causal, explicativo, classificatório, sistemático, acumulativo, funcional e estrutural? O que isso faz com o nosso corpo? Será ele só razão funcional e instrumental? Será que não existe outro agir ao lado desse que preserve a vida e só se aproprie dos seres vivos para permanecerem vivos, em sua autopoiese? Será que não existe um outro agir que preserve a Mãe-Terra e não faça da morte uma função lucrativa, empesteando o ar com o mau-cheiro dos lucros irrefreados e abusivos e imorais? O último preço será a própria vida? E então o que restará senão uma temível e terrível solidão do espírito, a solidão da morte em vida? Porque também não darmos lugar e hora e vez ao agir da póiesis e do pensamento? Por que não dar lugar ao agir que em vez de produzir objetos e instrumentos produz e descortina o sentido de nosso agir e de nossas vidas e de nossa Mãe-Terra? Há uma ligação em tudo: Nosso corpo autopoéico, o corpo poético da teia social, o corpo poético da Mãe-Terra, o corpo Poético do Espírito que soprando a tudo reúne e vivifica. Estes quatro Corpos são nossa ventura e aventura. Está na hora de pensar enquanto ainda há tempo para deixar o tempo poético e não apenas o produtivo acontecer para salvaguardar e realizar os quatro corpos.
 
§9 - Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem às suas crianças o que ensinamos às nossas, que a Terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à Terra acontecerá aos filhos da Terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos. Isto sabemos: a Terra não pertence ao homem; o homem pertence à Terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo. O que ocorrer com a Terra recairá sobre os filhos da Terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.
 
O que ensinar no sistema educacional? O que aprender? Por acaso somos solicitados e exigidos só no aprendizado – inevitável e necessário – ou também na aprendizagem de que o solo a nossos pés é cinza de nossos avós e de todos os nossos antepassados? O que aprendemos? O que nos ensinam? A prendemos que o ser-humano pertence à Terra, que há uma ligação em tudo e com todos os tempos e lugares, que há uma memória pessoal, coletiva, do Ser, do Sopro que a tudo reúne? Por acaso nos ensinam, no desvario do acúmulo sem tréguas e sem fim dos conhecimentos pelas novas pesquisas, que há um saber inaugural que a todos une, que há uma ligação com tudo? Dependendo de nosso agir, nossos filhos e netos e netos de nossos netos – se ainda os houver – sofrerão as conseqüências dessas ações. Será que nos ensinam que “o ser-humano não tramou o tecido da vida: ele é simplesmente UM DE SEUS FIOS”?
O que nos ensinam? Quando seremos educados para a aprendizagem?
 
§10 - Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos e o homem branco poderá vir a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar que O possuem, como desejam possuir nossa terra; mas não é possível. Ele é um Deus do homem, e Sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A terra lhe é preciosa e feri-la é desprezar seu Criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo que as outras tribos. Contaminem suas camas e uma noite serão sufocados pelos próprios dejetos.
 
A insolência e auto-suficiência da metafísica como experienciação de pensamento que se quer única e exclusiva - não bastassem as dicotomias instrumentais, espirituais, funcionais, causais - também instituiu a causa das causas, o fundamento, a causa sui: uma explicação racional divina e posteriormente reduziu-a ao sujeito racional. Para além de um fundamento causal com o nome de Deus ou com o nome de razão, há inexoravelmente um “destino comum” a todos os povos e religiões. “Nosso Deus é o mesmo Deus.” Assim como o conhecimento metafísico pretende e pensa possuir a Terra também pensa e pretende ser o possuidor do seu Deus. “Mas não é possível”. Hà um só para todos. É o sagrado que se presentifica e retrai misteriosamente em todas as suas manifestações. Não há uma divindade abstrata proposta pelo conhecimento essencialista da metafísica, onde Deus se torna posse da razão metafísica. O sagrado em seu mistério não pode ser um conceito abstrato na medida em que é a compaixão vivificante de todos os seres-humanos. Ferir e desertificar a Mãe-Terra é desprezar o seu vigor criativo: o sagrado poético. O perigo do absoluto metafísico encarnado no real técnico-científico pode confrontar a todos com um fim inesperado e trágico se em todos os seres-humanos não for experienciado, como sentido último de todo o seu fazer e ser, o agir da póiesis e do pensamento. Ou será que nosso destino é convivermos finalmente com os próprios dejetos que a globalização universaliza?
 
§11 - Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força do Deus que os trouxe e esta Terra e, por alguma razão especial, lhes deu o domínio sobre a Terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam abatidos exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnados do cheiro de muitos homens e a visão dos morros obstruída por fios que falam. Onde está o arvoredo? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. É o final da vida e o início da sobrevivência.
 
O domínio hoje planetário da técnica confronta o ser-humano para além de todas as fronteiras e margens com a questão real de sua sobrevivência. É um destino misterioso que jamais poderá ser explicado, porque não é fundado em causas. E nenhum por que o atinge. Em meio a esse destino ocidental metafísico globalizado será que a inclusão dos marginalizados e das minorias não será pelo via do consumismo que re-alimenta o próprio sistema? Onde o estudo sério e universal do agir da póiesis e do pensamento sem retóricas vazias e formais, sem lógicas esterilizantes e abstratas? Mas aqui até uma questão mais séria se coloca: Será que a Poético-ecologia defendida pelo Chefe Seattle e todos os grandes poetas e pensadores pode ser ensinada ou não se tornará mais um meio dissimulado do sistema de ensino-aprendizado de consumo? Não será que a Poético-ecologia só pode acontecer como aprendizagem? E para esta o único caminho não é o da escuta e do diálogo? Espero que seja, caro leitor, pois no e pelo diálogo se desfaz qualquer possível dicotomia, não porque haja comunicação indiferenciante, mas, pelo contrário, porque há afirmação das diferenças. Dialogando com o pensamento poético do Chefe Seattle e com minha escuta empreenda a sua.

(In: Ecologia e Progresso. Isso é possível? São Paulo, Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1992. p. 1-5)

São Francisco e a poético-ecologia


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Este Canto das criaturas foi escrito no século XIII por São Francisco de Assis. É um canto original e originário. Nele se dá uma profunda integração do ser humano com todo o universo da Vida. De uma maneira criativa e genial, Francisco já nos convida a sermos profundamente ECOLÓGICOS. Não é uma simples ecologia, como em geral se pensa hoje, da natureza, mas uma integração profunda do ser humano no mistério do universo e da vida. Por outro lado, o que aqui Francisco diz e convida a todos nós a fazer não o escreveu simplesmente. Ele viveu profundamente esta integração de tal maneira que foi o que disse e escreveu em vida: uma das realizações mais profundas do humano do homem, pois nele e por ele se dá a proximidade do sagrado com o homem e todo o universo da vida. Mas neste canto aproxima o sagrado do homem ao mesmo tempo que aproxima o homem do sagrado. Só nessa integração teremos uma verdadeira ECOLOGIA, porque só salvamos e conservamos a TERRA se salvamos e conservamos o HOMEM. Mas isto se faz não num fracassado antropologismo, mas resgatando a essência originária e poética do humano do homem. Não se trata, no canto, de uma simples questão de fé, mas de uma abertura do homem para o sagrado e para o mistério da criação poética.
Canto das criaturas
 
São Francisco de Assis (1181-1226)

Altíssimo, onipotente, Bom Senhor!
Teus são o louvor, a glória, a honra
e toda bênção
Louvado sejas, meu Senhor,
Com todas as criaturas,
Especialmente o senhor irmão Sol,
Que clareia o dia
E que com sua luz nos ilumina.
Ele é belo e radiante,
Com grande esplendor, de ti, altíssimo
É a imagem.
Louvado sejas, meu Senhor,
pela irmã Lua
E pelas estrelas, que no céu formastes
Claras, preciosas e belas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelo irmão vento,
Pelo ar e pelas nuvens,
Pelo sereno e todo tempo
Com que dás sustento às tuas criaturas
Louvado sejas, meu Senhor,
pela irmã água
Útil e humilde, preciosa e casta.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelo irmão fogo,
Pelo qual iluminas a noite.
Ele é belo e alegre, vigoroso e forte.
Louvado sejas, meu Senhor,
por nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa,
Pelos frutos diversos, flores e ervas.
Louvado sejas, meu Senhor,
pelos que perdoam
Pelo teu amor e suportam as enfermidades
E as tribulações.
Louvado sejas, meu Senhor,
por nossa irmã a morte corporal,
De quem homem algum pode escapar.
Louvai todos e bendizei ao meu Senhor,
Dai-lhe graças e servi-o
Com grande humildade.