15 agosto 2007

O permanente e o conceito: a questão da physis e do eidos em Platão





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A grande questão que atravessa, desde o mito, a cultura grega é: O que é isto – o que permanece enquanto tudo muda? Nessa e por essa questão o que se questiona como um todo é a physis. Tudo gira em torno da physis até hoje. Porém, desde sempre a melhor sinalização são os mitos e o fragmento 123 de Heráclito: Physis kryptestai philei.
No fundo, a questão do conceito é a questão do permanente e não simplesmente uma questão de abstração ou não, pela qual se eliminam as mudanças, as diferenças e racionalmente se estabelece um conceito, isto é, uma noção válida como universal, idêntica para todos. Mas será que a realidade em sua dinâmica contínua se deixa apreender em tais conceitos? Ou os conceitos não serão senão válidos para uma determinada filosofia, uma determinada teoria científica? E a validade de tais conceitos será aquela delimitada pelo alcance do paradigma em que foi elaborado? Quando assim perguntamos, estamos, no fundo, perguntando pelo alcance do conceito e sua universalidade em relação a um determinado paradigma. Há os conceitos e uma determinada universalidade e identidade, mas restritos aos paradigmas de onde recebem a configuração. Até onde uma tal universalidade dá conta da mudança da realidade? Que ela muda é o mais evidente. Nunca se batem duas fotografias da mesma realidade. O permanente dá-se, portanto, na tensão de questão e conceito. Então trata-se da referência mais profunda entre questão e conceito. Porém, se o conceito não se reduz simplesmente a um processo de abstração ou não, a referência entre questão e conceito surge sempre a partir de algo concreto.
Porém, o concreto, para além de dizer uma simples tensão do com-crescer de singular e universal, diz muito mais uma referência, ou seja, de um “entre” num sistema, talvez melhor, “corpo”. Esta palavra é melhor porque diz algo vivo e concreto. Mas aí temos que ver o corpo em seus concretos aparecimentos: 1º. Corpo e mente; 2º. Corpo e família; 3º. Corpo e sociedade; 4º. Corpo e vida; 5º. Corpo e ecossistema; 6º. Corpo e Gaia. É neste horizonte que se deve colocar a questão do permanente e do conceito.
Nessas seis modalidades de corpo aparece sempre uma modalidade de permanente. Ou seja, inicialmente, nessas seis modalidades de corpo comparecem ao mesmo tempo seis modalidades de permanente, mas, também, seis modalidades de mudança. Se não há uma idéia genérica de permanente (conceito) também não há o que poderíamos chamar uma idéia genérica de mudança. O gênero tem o alcance de indicar uma permanência num processo determinado de mudança e não uma idéia genérica identitária que anule as diferenças. Mas pode a diferença tornar-se uma idéia genérica? Voltamos com esta pergunta à questão: O que é isto o que permanece (identidade) enquanto muda (diferença)? Aristóteles já apontou quatro modalidades de mudança. Mas não se trata de ver também essas quatro modalidades como conceitos, mas que elas só ocorrem relacionadas às seis de permanência.
Porém, a mútua relação de mudança e permanência tem, sem dúvida, uma terceira coordenada: mundo. E uma quarta inerente à terceira e que é isto da questão em torno da mudança e permanência: sentido. Na realidade, a presença de mundo é que dá a consistência ao conceito, não fosse este, a presença do que se tenta compreender em grego por NOUS/DIANOIA. Não há dizer sem LOGOS/DIÁLOGOS. Acontece que NOUS e LOGOS se imbricam, sobretudo a partir da solução para permanência e mudança proposta por PLATÃO através de EIDOS. Aí criou-se algo estranho e fundamental: Podemos relacionar nous e logos a physis (ser e posição ontológica) ou a eidos (conhecer e posição epistemológica). Dependendo da referência vamos ter questões ou conceitos genéricos. Originariamente a proposta de Platão é de questões. O eidos é questão e não simplesmente um conceito genérico como foi depois epistemologicamente interpretado. A proposta de Platão é tão genial que possibilita os dois encaminhamentos. Por isso, fazer de Platão apenas idealista e epistemólogo é não lê-lo como pensador, que ele é.
Então temos quatro coordenadas básicas e duas possíveis referências:
1ª. Mudança; 2ª. Permanência; 3ª. Nous/diánoia; 4ª. Logos/diálogos. Mas temos também a dupla referência com PHYSIS ou com EIDOS.
Em cada corpo, as seis modalidades e as quatro coordenadas se fazem presentes e as duas referências. Mas estas duas são as decisivas. É aí que entra o âmbito próprio das questões enquanto pensamento do permanente na mudança. É que esta vai estar sempre ligada à physis, fonte de tudo.
Para ver essa referência, esse entre de questões e conceitos, temos agora de introduzir uma palavra fundamental: paradigma. Neste temos o “deiknymi” (fazer algo aparecer, mostrar) como fonte e princípio e o “pará” (ao lado de, entre) como o entre onde acontecem as quatro coordenadas e as duas referências. Quem introduziu o termo no pensamento foi Platão, onde o termo corresponde às reflexões e âmbito do eidos. Mas este, como vimos, foi lido em duas referências. Então paradigma, basicamente, pode também ser compreendido em duas referências.
Se com o “corpo” partimos aparentemente de um singular para um universal cada vez mais amplo, com “paradigma” já nos posicionamos de um modo muito amplo para compreender a presença e lugar do corpo, aparentemente singular. É que o paradigma tem por base a própria physis se manifestando no “entre” (= pará).
Uma modalidade de permanência e que, talvez, remeta melhor para a compreensão da própria permanência é a idéia de constância.
Fritjof Capra se empenha basicamente num estudo de mudança de paradigma: do cartesiano para o holístico-ecológico. Ora, justamente, o holístico não precisa se abrir para a POÉTICO-ECOLOGIA, onde se experiência a tensão de mudança e permanência? Por isso, a poético-ecologia É o a-ser-pensado.
Poderíamos pensar o paradigma metafísico (racional e epistemológica) e o não-metafísico (ontológico). Mas essa oposição não dá conta da questão. Primeiro, porque o metafísico se desdobra, pelo menos, em quatro grandes paradigmas: 1º. O antigo-clássico; 2º. O medieval; 3º. O moderno. Não seria o não-moderno (pós-moderno) uma nova modalidade de paradigma metafísico? Até onde ele seria não-metafísico? Não seriam todos os paradigmas metafísicos? Se considerarmos o “metá”, o “pará”, o “diá”, não estaremos nós, já por condição, no “entre”, nos seus diferentes aspectos e possibilidades? Consideremos três paradigmas do sagrado: Cristianismo, Islamismo, Budismo (e há outros). Não serão eles metafísicos? E como considerar as outras manifestações do sagrado nas outras culturas, as que não se encaixam nesses paradigmas? E, às vezes, um desses paradigmas do sagrado abarca diferentes culturas, que, em si, se constituem também como paradigmas. As manifestações anteriores a esses paradigmas e as que hoje existem e não se encaixam neles, de que paradigmas participam?
Por que Heidegger recua, sem negá-lo, do Cristianismo para as manifestações gregas do sagrado nos pensadores originários e nos mitos? E por que busca ele no pensamento realizar o que já Hölderlin realizara na arte? Como pensar a arte nos e para além ou aquém dos paradigmas? Não será pensando uma POÉTICO-ECOLOGIA?
A permanência está relacionada com o fundamento, porém, este não é uma causa que subjaz, da qual vêm as conseqüências como causados ou criados. A permanência enquanto fundamento não é um criador/causador. O fundamento, a permanência não é. Como melhor entender isto? Como compreender o permanente fragmento 123 de Heráclito? É que o permanente aí tanto diz respeito à physis quanto ao kryptestai (claro, jamais separados, pois a physis como physis é tão inerente ao kryptestai quanto o kryptestai é inerente à physis, porque a mudança se funda na permanência, mas a permanência só pode ser permanência da mudança). Nesse sentido, toda mudança já pro-cura a permanência, mas como plenitude do próprio mudar, assim como a permanência vigora como mudança, mas como plenitude do próprio permanecer. É nesse sentido que os pensadores originários entendiam a arché, que já traz em si o telos, por isso a arché não é algo como um começo, que, depois, se desprende no percurso do que começa. Eis porque devemos dizer que é princípio, pois está sempre principiando e se plenificando enquanto telos, eis porque o telos não diz fim no sentido de término, mas SENTIDO, pois este condensa tanto a permanência como a mudança. A idéia de corpo dá bem esta idéia de contração (permanência) e expansão (mudança).
Quando examinamos, como devemos, a mudança e a permanência na densidade fundamental do tempo, constatamos que ele é um dar-se que se guarda: dá-se como mudança e guarda-se como permanência: isso é a Physis (no sentido do frag. 123 de Heráclito). E o “philei” é aí esse entre enquanto apropriar-se, ou seja, Eros, Pathos, Amor, Philia, onde se dá tanta mais permanência quanto mais mudança.
A este apropriar-se se pensa misteriosamente como repouso. Talvez isto fique mais claro quando pensamos a Noite e o Dia (numa inversão sempre tensional e possível do frag. 123 de Heráclito).
Podemos dizer ao pensar a Noite: o tempo é a essência da Noite, pois na Noite fermenta o vir-a-ser que eclodirá como Dia. A Noite é a preparação e amadurecimento do Dia. Por isso o Dia é o telos da Noite, enquanto sentido, porque o Dia é a eclosão da Noite em sua plenitude que, como plenitude, já em-si tende para a sua origem: a Noite. Portanto, eclodirá necessariamente na Noite, o lugar do repouso, onde este diz que é a Noite como plenitude do Dia e o Dia como plenitude da Noite. Por isso, também podemos dizer que a Noite é a essência do tempo. Assim podemos falar do tempo em três instâncias:1ª Permanência; 2ª Mudança; 3ª Dar-se enquanto o vir-a-ser. Mas o vir-a-ser é o apropriar-se que se funda no tempo enquanto permanência e mudança. Por isso, o vir-a-ser não pode simplesmente ser confundido com a mudança nem o tomar posse de si como permanência, porque o tomar posse de si não é um resultado, como uma trajetória de um desintegrar-se ou integrar-se absoluto. O fragmento 123 aqui se encontra com o triplo caminho de Parmênides: o ser, o vir-a-ser e o não-ser, a tripla faceta da physis, da verdade e da não-verdade, ou seja, da a-letheia. Quando, pois, dizemos que a Noite é a essência do tempo, estamos vendo o tempo na sua permanência, mas quando pensamos que o tempo é a essência da Noite, estamos acentuando que a Noite, enquanto tempo, já tem que estar gestando em si o Dia. Por isso, a Noite enquanto repouso e tempo é a densidade enquanto contração e expansão máxima da Noite e do Dia, ou seja, do tempo enquanto mudança (Dia) e permanência (Noite). Isto fica para nós um mistério porque como doação apropriante somos ao mesmo tempo Noite e Dia, permanência e mudança: a liminaridade do entre. Daí o sentido que pro-curamos nas pro-curas é a Cura, a plenitude de sentido como repouso harmonioso, o que só advém como Morte, ou seja, a possibilidade de vida permanente, que não pode ser confundida com a vida da mudança. A Morte como vida permanente é a vida em plenitude de repouso, como a gota repousa e se integra no permanente movimento do mar: este, a metáfora do mistério da plenitude de sentido como permanência e mudança. Por isso, amar é procurar o sentido em plenitude com plenitude do sentido, ou seja, do amor. Este é o vigor poético e ético. Talvez neste sentido a expressão heideggeriana es gibt, Se dá, pudesse-se ser mudada para: Physis gibt: Se dá mudança e permanência.
Como ler o mito da caverna de Platão em considerar a presença do Dia e da Noite? E como pensar o Sol que doa tanto o Dia como a Noite? O que é a Noite senão o guardar-se e velar-se do Sol? O que é o Dia senão a doação de presença do Sol? Como seres-do-entre só podemos ver e olhar a luz do Sol e a presença da coisas, mas não e jamais o próprio Sol. Mas pro-curamos sempre o próprio da luz que presentifica as coisas: o Sol. Não será o Sol o mistério do isto- a parmanência e a mudança?

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