29 maio 2007

Conceito como questão






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O conceito como questão já mostra que antes de termos os conceitos nós só os podemos ter porque já originariamente nos movemos e somos constituídos pelas questões. Mas nós, movendo-nos nos limites e não limites da liminaridade, só podemos adentrar as questões tentando-as apreender nos descaminhos dos conceitos. Uma certa sensação de impotência, por isso mesmo, nos ronda diante dos enigmas das questões. Diz Agamben: “Com a exposição do problema da voz, o seminário atinge, portanto, seu objetivo. Todavia, aqui seria também possível dizer, retomando as palavras de Wittgenstein, que o seminário mostra, antes, quão pouco se fez quando se resolveu um problema [grifo meu]. O caminho que o pensamento deve ainda percorrer, se de um caminho propriamente se trata, aqui pode ser apenas indicado” (Agamben, 2006: 11).
O que certamente aí nos assinala são duas coisas: 1ª. Que o Seminário – ou qualquer outra tematização – se dava num semear muito mais do que num colher. O terreno onde se semeava era certamente o de uma questão: a da Voz. O que é isto – a Voz? No Seminário foram cultivadas alguns diálogos pelos quais se estabeleceram diferenciações; 2º. Porém, ao afinal, vem a constatação de “... quão pouco se fez quando se resolveu um problema” (p.11). Claro que há aí um paradoxo. Resolver não é eliminar um problema? Como se resolveu um problema e, no entanto, sobre ele ainda se fez pouco? Como ler o paradoxo? É que se trata, em realidade, de uma questão e não de um problema.
Ao estabelecer diferenças em relação à questão, elas se estabelecem tendo como resultado “conceitos”, no sentido grego, ou seja, diánoia. Nesta e por esta, se estabelece uma tensão entre diánoia e diálogo, onde o entre é o vigor do questionar. Dessa maneira, “... o quão pouco se fez...” indica a insuficiência sempre dos conceitos em relação ao sem fundo das questões e, ao mesmo tempo, a consciência de nossa insuficiência em relação à questão em questão. É que a questão é maior que o homem. E os conceitos são nossos desajeitados modos de a encarar e, mais, de conviver com ela. Até porque ao nos propormos a questão ela não nos advém no propor. Mais do que posta no propor, ela, como questão, precede até mesmo o pôr, quanto mais o propor. Não é minha fala que põe a questão. É que o pôr já pré-su-põe a clareira, onde o homem habita e é posto como questão. E, portanto, tudo o que o homem põe ou propõe. A clareira, como lugar do humano do homem, é o dar-se do ser enquanto linguagem e morte, pois “A linguagem é a Casa do ser. Nela habita o homem. Os poetas e pensadores são seus servidores enquanto vigias” (Heidegger, 1967: ). O propor não pode, portanto, ser entendido como a fala do homem que vai falar sobre a questão. Ele só pode falar a partir da e com a questão. O propor é muito mais o deixar-se tomar pela questão enquanto o pôr, o surgir como lugar do homem humano no aberto da clareira.
Em vista disso, o pôr é a Voz do ser enquanto linguagem, na medida em que esta é a sua Casa. Essa é a questão. Antes de ser fala, a proposição deve ser escuta e toda escuta é já um falar ou poder falar com, onde quem sempre fala é a linguagem, cabendo a nós experiênciá-la como diá-logo. É, portanto, a linguagem que semeia as falas do seminário, ou seja, os conceitos. Tanto o “entre” do diálogo como o seu “através de”, significados do prefixo diá-, advêm sempre do vigor do logos, de tal modo que os conceitos são falas da escuta. E como falas de escuta tanto da entre-escuta quanto da escuta da linguagem, delimitam os conceitos naquilo que são: diánoia. Portanto, todo conceito é sempre um escuta de compreensão. Do quê? Do que como questão já desde sempre nos tem. Quando o ser se dá como questão, já se doa como linguagem enquanto possibilidade de escuta nos diálogos. As múltiplas respostas de compreensão nos advêm como diánoia. Por isso, as respostas de compreensão são os conceitos. A resposta demanda sempre a questão e não o conceito. O conceito que é conceito enquanto demanda da questão é que é a compreensão. No compreender, o conceito como compreensão e não como algo definitivo e certo e exato acontece o advento da questão como conceito e o advento do conceito ou resposta como demanda da questão.
Portanto, tanto o diálogo como a diánoia são demandas do que somos a partir da nossa proveniência. Tais demandas são doações da questão. As demandas são ricas e complexas exatamente na medida da questão e, por isso, tiveram na experienciação do ser que se doa como, com e no logos muitas falas, na rica experienciação grega do ser e do não-ser como logos. Podemos nomear as falas: techné, máthesis, episteme, nóesis, sophia, gnosis, mythos. Estas falas nos falam da riqueza e ambigüidade do on da physis. Se pensarmos a physis a partir do frag. 123 de Heráclito, como o abismo onde se apropria a physis, então o dar-se que se retrai, o nascer que se vela, o ser que é e não-é, o tudo é um, poderemos melhor compreender o espanto de que é tomado o pensador quando diz, de um lado, que no cotidiano da casa também habita o extraordinário. Daí o entusiasmo de Aristóteles quando diz com espanto: to on legetai pollachós: o sendo-ser se dá de muitas maneiras.
Na fala da vigília dos poetas e pensadores, quando tornada nossa vigília, advêm em suas falas conceituais a questão como questão. É a Voz do Ser e do Não-ser, enquanto fala do silêncio e da morte. Nesta fala, o sagrado dita sempre o mesmo aos poetas e pensadores, mas isso não que dizer que dite sempre as mesmas coisas no seu acontecer poético. Ele as dita como techné, máthesis, episteme, nóesis, sophia, gnosis e mythos. Querer reduzi-las ao logos como razão e exatidão é não-compreender o mesmo de perceber e ser enquanto conceber. No conceber do perceber e ser, o mesmo se dá como diánoia e diálogo na krisis enquanto ethos do diferenciar. O discernir do diferenciar nos advém pelo, no e com o mesmo de diánoia e diálogo do ser enquanto doar do tempo. Por e no ser tempo como doação, o ser se põe e propõe no questionar e dialogar como o mesmo de todo perceber e diferenciar.
Então semear nos seminários é se abrir para a escuta da Voz que na clareira demanda o homem enquanto linguagem e morte. Na morte como morte advém o sentido do falar do silêncio da linguagem, enquanto o princípio vigorante do poietizar do sentido do humano do homem. O homem só conceitua como entre-ser em que conceituando já se põe, ex-põe e pro-põe ao princípio, enquanto questão do ser da linguagem do silêncio da morte, em que o principiar já é principiar principiando o sentido do que é na plenitude do que não-é enquanto morte, isto é, a negatividade como principiar da plenitude.
Na demanda desta plenitude, enquanto negatividade, sempre se faz muito pouco, quando nos circunscrevemos nos conceitos e nos problemas. Sendo a realidade o possível das realizações, as questões são o possível dos conceitos. Do criador é exigido uma abertura de escuta não só para o possível, mas para o impossível do possível no trânsito das questões. É a sabedoria e aprendizagem. Aos demais criadores se destinam o conhecer e aprendizado do possível da realidade que todo conceito começa.

Bibliografia

AGAMBEN, Giorgio. A linguagem e a morte. Belo Horizonte, editora UFMG, 2006.
HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1967.

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