30 setembro 2008

Criticar é amar

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A vida como possibilidade de presença é a possibilidade da morte como ausência. Se a morte não estivesse já desde sempre velada não haveria a vida desvelada. Viver é o desvelo amoroso de aceitar sempre a provocação da morte.
Só porque estamos vivendo e sendo (presentificação) é que parece que a morte é a sua negação. Na verdade, a vida é uma doação, um presente amoroso da possibilidade da morte que se retrai e se ausenta para deixar a vida ir sendo vida. Todo sendo e todo vivendo se dimensionam num entre misterioso de poder ser e de poder não-ser, de poder viver e poder morrer. Todo sendo chega a ser o que já é porque pode chegar a ser o não-ser que possibilita e doa o sendo do ser.

Só aparentemente vemos o que vemos no horizonte como alcance de nossa visão. Boa visão não é aquela que vê tudo que é visível. Boa visão é a que vê o não-visível no visível. Nem vemos o olho que vê embora nele, que não se vê, se realize toda possibilidade de visão. Na realidade, vemos o que se dá a ver daquilo que dando-se a ver se retrai e vela, enquanto não-visível, como possibilidade de todo visível. Só por podermos ver a partir da possibilidade do não-ver é que efetivamente podemos chegar a ver o que vemos. Por que vemos pouco, muito pouco? Porque não é necessário ver muito, só o essencial. Por que vemos o limitado sempre ligado à perspectiva ou até mesmo às perspectivas? Porque se víssemos, na perspectiva, a partir da possibilidade de todo ver, que sempre se retrai para podermos ver o que se mostra como perspectiva, veríamos o não-limite de todo ver, ou seja, nada veríamos, porque, enfim, não mais haveria horizonte.

Ver não é uma questão de perspectiva. É uma questão de memória. Daí sermos não pessoas perspectivistas e perspectivadas, mas seres histórico-temporais. E isto é o sendo. Todo ver na dinâmica da memória é ver o já possível de ser (visto). O que é possível de ser é o não-ser sendo. O que é possível de ser visto é o não-visto de todo ver.
O viver, o ver e o conhecer-da-consciência, eis nossos limites como presentes e presentificações do morrer, do não-ver e do não-conhecer da consciência. Mas então viver, ver e conhecer é estar originariamente jogado e projetado no entre limite e não-limite. É um entre que já constitutivamente nos põe num krinein/criticar histórico-ontológico, que se desdobra num questionar, escutar, discernir, dialogar e amar.
Experienciar isto – como esse entre misterioso, eis os caminhos ambíguos e os desafios éticos sempre novos do pensamento e do poético. Apreender e compreender isso – eis nossa procura e empenho nos desempenhos críticos, uma procura e empenho sempre ético e poético: um empenho e desempenho amorosos.

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