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Narrar é o próprio sagen como telos/dobra. Mas isto acontece quando o espelho deixa de ser a razão especulativa para ser o espelho enquanto ser/linguagem, onde linguagem é a casa/mundo/logos/ethos do ser. Quando no espelho vejo a reduplicação da minha imagem o que ela é ontologicamente? É uma imagem real ou é um duplo? Para decidir isto é necessário decidir a essência do espelho e a questão do espelho e do especular não é se o que se vê é real ou um duplo, pois para além e anterior a esta questão e resposta está a questão tanto do ver como do conhecer. Mas qual é a referência de ser e conhecer, de einai E noein? A questão do espelho e do especular não é se o que se vê é real ou um duplo. Isto é uma aparente questão. A questão consiste em apreender e compreender o a partir de onde se vê e se conhece. Aí podemos ter dois caminhos: o da dobra ou o do duplo. E estes se dão na interpretação metafísica ou não do on. Quando este é compreendido e conhecido a partir da arché e do telos então se dá a dobra e não mais o duplo.
O des-dobramento é a verdade que é a aletheia, pois toda aletheia já traz em si como arché a vida enquanto telos, isto é, a verdade, a aletheia, o des-velamento, o des-dobramento: mito e rito, musica e silêncio. Mas como des-dobramentos são aconteceres poético-apropriantes, pois o desdobrar implica a memória e o tempo, a linguagem e a poiesis. Por isto a dobra é Amor enquanto des-dobramento, pois toda ação se dá num empenho cujo penhor é o telos, ou seja, é o Bem e o Belo em Platão. Portanto, o Belo como Amor é sempre acontecer da arché na pro-cura de seu telos. Então é o espelho originário ou dobra o que já traz em si o vigor do desdobrar, ser o que é, no sendo o mesmo, ser também um outro, onde o outro não diz uma oposição (duplo) ao eu, mas o telos, não do eu como construção subjetiva, mas do eu/é que já é cada eu.
No questionar se questiona porque não se sabe, senão não era preciso perguntar. Por outro lado, já se sabe, caso contrário nem teria como perguntar se de alguma maneira já não soubesse. Mas nas questões essenciais nunca se pergunta por perguntar, só se pergunta para articular saber e ser, onde saber é ser o que se conhece. Eis aí a dobra enquanto Amor e Bem e Belo originários.
O destino sempre é dobra e o seu desdobrar-se se dá originariamente como noien e einai. O destino consiste na diá-noia e no diá-logo do ser que se dá no desvelamento do einai como noein, na medida em que tanto o noein como o einai se especulam como logos, onde o destino consiste no desvelar como diá-noia o einai e o einai como diá-logo. Por isso, o ser é a dobra de diá-noia e de diá-logo. O diá-, isto é, o entre de nossa liminaridade. Neste entre vigora o próprio se apropriando, enquanto destino e travessia, da arché em seu telos. É por isso que a subjetividade não pode fundar e dar o ser, pois, ao contrário, é este que se dá na dobra de diá-noia e de diá-logo. Por isso o querer como consertar só pode ser o não-querer como concertar ou pacto, levando este à realização da travessia e à manifestação do ser como não-querer, pois o vigor originário de manifestação está na fonte, na arché, de que o telos é a consumação, nisto consistindo o destino. A narração se torna assim o lugar da diá-noia e do diá-logo, constituindo a obra como disputa de terra e mundo, ou seja, o concertar amoroso.
O telos embora seja prévio no sentido de ser em si a arché se realizando, sendo, a travessia só se dá como diá-noia no diá-logo, sendo o narrar o auto-diálogo como apropriação do que é próprio no percurso da diá-noia. À narração propriamente dita precede a narração poética do destino/ser como possibilidade esta daquela, realizando o concreto narrar. Se isto não acontecesse assim, os leitores nunca poderiam ler poeticamente, mas apenas formal e discursivamente. Tanto para o leitor como para o narrador, ambos vigentes no destino, o narrar concreto só pode acontecer porque ambos vigoram já desde sempre na memória, enquanto presencialização da arché no telos. Por isso a ligação do diá-logo com a diá-noia se dá realmente como uma anamnese, não significando reconhecimento, mas como um morar junto à memória. Eis o motivo porque o diá-logo e a diá-noia con-vocam sempre a voz da memória como tempo, que é o doar-se e presenciar-se do ser na poiesis da linguagem. Conferir o ensaio de Heidegger Tempo e Ser.
A narração como anamnese em Grande sertão: veredas vai ser assinalada por quatro grandes momentos:
1º iniciação ou travessia do São Francisco;
2º o julgamento onde se decide e julga, no fundo, a vigência do consertar e do concertar,
pondo em choque real a disputa ou pólemos do poder como provindo do ser como verdade e ethos como diz Heráclito no fragmento 53: De todas as coisas a guerra é pai, de todas as coisas é senhor: a uns mostrou como deuses, a outros, homens; de uns fez escravos, de outros, livres. Cf. a interpretação-dialogante que Heidegger faz deste fragmento, em relação com a verdade libertadora, no livro: Ser e verdade. Petrópolis, Vozes, 2007.
3º o pacto e a regência do valor da verdade a partir da lethe que se dá e realiza no amante/poeta/pensador como aletheia, sendo aquela a arché desta enquanto telos ou bem e amor;
4º a manifestação e consumação do destino independentemente da intervenção e ação de Riobaldo bem como a regência do amor/bem como condução de todas as ações. O amor/bem se manifesta em três dimensões integradas: primeira, o amor encoberto e força originária da própria arché: Diadorim; segunda, o amor paixão erótica por Nhorinhá; terceira, o amor bem desvelado por Otacília. Num segundo e terceiro acontecem o telos.
Dia-bo é o jogo entre o consertar e concertar. Riobaldo desde que se decide pelo concertar deixa de existir o entre como jogo de poder inerente ao consertar e o possível inerente ao concertar, havendo com o pacto, portanto, a decisão pela negação do consertar e do vigorar do concertar ou seja da arché como amor.
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