Núcleo interdisciplinar de estudos de Poética – NIEP –
Prof. Manuel Antônio de Castro
Grupo de pesquisa: Pluralidade das linguagens poéticas
Linhas de Pesquisa: Poéticas das linguagens
Poesia e pensamento
Núcleo interdisciplinar de estudos poéticos: duplo objetivo
A Área de Poética faz parte do Programa de Pós-graduação do Departamento de Ciência da Literatura, da Faculdade de Letras, da UFRJ.
Sua origem remonta às reflexões filosóficas platônicas e sobretudo aristotélicas, em torno da experiência de pensamento realizada pelas diferentes realizações artísticas. Mas desde a experiência de pensamento dos mitos já havia implícita uma tal reflexão. O fato determinante de tais reflexões filosóficas é que elas nascem das obras poéticas já existentes, originado-se aí a prática inter-disciplinar mais antiga que se conhece. E o traço determinante dessa reflexão interdisciplinar consiste no fato de que não é um pensamento filosófico que pensa sobre as obras já existentes, mas é um pensamento que pensa com as obras, isto é, na Poética acontece um diálogo criativo tanto para a experiência de pensamento filosófico como para a experiência de pensamento mito-poético-artístico. Por isso a Poética é originária e necessariamente inter-disciplinar.
No início do terceiro milênio, depois de dois mil e quinhentos anos, a inter-disciplinaridade se tornou hoje a grande questão para a Universidade, tendo em vista o redesenho de seu lugar numa realidade em profunda transformação, frente a um modelo de universidade já esgotado.
Diante dessa realidade, a criação do Núcleo interdisciplinar de estudos poéticos cumpre um duplo papel.
1º. Numa universidade estruturada em disciplinas isoladas, mas exigindo concretamente uma interdisciplinaridade efetiva, o projeto do núcleo e a sua efetiva implementação constitui-se numa nova práxis dentro da universidade. A convivência e cooperação de diferentes disciplinas em atividades de ensino, pesquisa e extensão já trazem em si um horizonte de experimentação em que pode ser repensada a atual universidade.
2º. A implementação do núcleo pode tornar-se um micro-modelo de reorganização e concepção de uma nova universidade. Nele poderemos ter como que um espelho concreto de como poderia ser uma universidade concebida como uma grande rede, em que os diferentes nós seriam os núcleos.
Tendo em vista isso, o núcleo tem uma dupla finalidade: fecundar e ampliar as atividades da Área de Poética na concepção maior de núcleo e, experimentalmente, tornar-se o protótipo de organização de uma nova universidade em núcleos interdisciplinares.
Dentro dessa dupla tarefa, apresentamos dois textos:
1º. O projeto da formação do Núcleo interdisciplinar de estudos poéticos;
2º. Um ensaio reflexivo sobre uma Nova Universidade, pensada em sua macro-estrutura como uma rede, em que os nós seriam a micro-estrutura e as linhas seriam as disciplinas. Nesta concepção dinâmica os nós seriam os núcleos, como base concreta real da interdisciplinaridade.
Esta imagem-modelo da universidade reflete a seu modo a própria dinâmica da realidade hoje, estruturada como uma grande rede, como uma teia da vida. Porém, uma não seria a representação da outra, mas a conjugação de uma dinâmica única, enquanto diálogo, que permitisse uma união frutífera e ao mesmo tempo uma profunda integração de universidade e sociedade, aí incluindo a própria Terra como nossa habitação.
Para atingir este duplo objetivo, redigi o projeto sobre o Núcleo interdisciplinar de estudos poéticos – NIEP e o ensaio: Universidade e núcleos: reflexões.
Núcleo interdisciplinar de estudos poéticos - NIEP
1 – Situação
O Programa de Pós-Graduação de Ciência da Literatura tem três Áreas bem específicas, que atendem a uma pluralidade muito grande de teorias e visões das produções artístico-culturais: Teoria Literária, Literatura Comparada e Poética. É sua diferença e riqueza.
2 – Área de Poética
A Área de Poética, pela própria natureza indicada no nome, constitui-se e abre-se a uma necessária interdisciplinaridade. Fique logo claro que Poética, reflexão sobre as obras de arte quase três vezes milenar, não indica de maneira alguma algo normativo, mas uma indagação e questionamento dos diferentes fazeres artísticos enquanto poiesis e linguagem, como essência e sentido do agir. Neste sentido, ela se abre e atua dentro e a partir das diferentes linguagens artísticas. E esse passa a ser o seu núcleo e elo comum.
Não seguindo os paradigmas nem filosóficos nem científicos, volta-se para o próprio fazer poético, implícito às próprias obras e questões da arte, porque essencial a todo agir humano. Por isso, trabalha sempre com questões e nos interstícios dos conceitos.
Aberta a todas as linguagens artísticas, é primordial e fundamentalmente interdisciplinar. Volta-se para as obras enquanto elas realizam o sentido e verdade da realidade manifestados como: Linguagem, Poiesis, Tempo, Memória, Mito e História. Indo além de uma posição epistemológica e representacional, move-se na abertura poético-ontológica de manifestação da verdade da realidade como mundo no vigor histórico de suas realizações artísticas.
Parte, em vista disso, do círculo poético-ontológico, onde a interpretação se processa num diálogo com a obra de arte. Por isso mesmo articula-se criticamente em torno das diferentes hermenêuticas dialógicas: poética, mítica, filosófica, teológica, jurídica e ontológica. A hermenêutica da poiesis se tece, então, como uma ontopoética. Com isso, abre muitas possibilidades de diálogos interpretativos inaugurais. Fugindo a qualquer reducionismo analítico, explicativo e formal, contribui para a renovação do estudo, ensino e pesquisa das diferentes artes, ao configurá-las dentro do horizonte do sentido da linguagem e da poiesis, enquanto sentido do agir. Na medida em que se centraliza na verdade da obra enquanto linguagem e poiesis, funda-se num acontecer ético que tem como horizonte tanto um aprendizado como uma aprendizagem, ou seja, tanto um conhecimento como uma sabedoria.
3 – A interdisciplinaridade e a Universidade
Sem dúvida nenhuma a universidade do futuro será a universidade da interdisciplinaridade, tendo em vista a rápida expansão, em proporção geométrica, dos conhecimentos, as transformações radicais e revolucionárias dos meios de transmissão e de acumulação. O modelo da pesquisa de conhecimentos por disciplina, baseado num método de objetos bem definidos e precisos, dá lugar aos trans-limites das disciplinas, uma vez que a complexidade da realidade exige espaços de interconexões e de pesquisa de interstícios de que as disciplinas isoladamente não conseguem mais dar conta. O paradigma de conhecimento da realidade por segmentação produziu já seus frutos, mas a especialização aprofundada mostrou a insuficiência de tal paradigma e aponta já efetivamente para um paradigma interdisciplinar.
Isso já é largamente praticado nas chamadas ciências em geral. Por influência do paradigma do século XIX, dominante nos estudos das artes, a interdisciplinaridade ainda não encontrou um lugar destacado nos estudos poético-artísticos. Em parte, isso também se deve à especificidade das obras de arte. Em relação a elas, a interdisciplinaridade toma dimensões completamente novas.
4 – Núcleo interdisciplinar de Poética
Partindo dessa constatação e realidade inegável, a Área de Poética já vem implementando, na prática, uma efetiva interdisciplinaridade. Mas agora quer de alguma maneira, através de uma institucionalização acadêmica, ampliar essa atuação, com as seguintes tarefas:
1ª. Promover uma reflexão teórico-prática contínua sobre a interdisciplinaridade em suas dimensões poéticas, tendo em vista uma nova visão da universidade e de seu diálogo com a nova sociedade em gestação;
2ª. Ampliar na universidade sua atuação interdisciplinar, através de cursos, troca de experiências, publicações, encontros etc. Isto será facilitado e viabilizado pelo fato de que já se formaram doutores e mestres na Área de Poética, que hoje estão atuando em outras universidades do Brasil. Nesse sentido, pretende-se formar uma rede de atuação;
3ª. Promover uma renovação do ensino e aprendizado, tanto metódico como teórico, tendo em vista a compreensão profunda da natureza especial das obras de arte, abandonando o paradigma cientificista e representacional do século XIX, que hoje nem a própria ciência mais avançada segue;
4ª. Propor nas suas linhas de pesquisa possibilidades de projetos, dentro dessa nova reflexão, que unam a renovação teórica com um profundo e amplo estudo das obras de arte, com ênfase na produção de pensamento poético em cultura de língua portuguesa. De maneira alguma isso significa um nacionalismo passadista, mas tem o objetivo de, pelo diálogo com todas as obras de artísticas de pensamento, dar um lugar a nossa produção de pensamento poético.
Para realizar efetiva e institucionalmente esses objetivos é que estamos propondo o NÚCLEO INTERDISCIPLINAR DE ESTUDOS POÉTICOS (NIEP).
5 – Realizações interdisciplinares de Poética
A Área de Poética tem aberto possibilidades novas de formação e de pesquisa para alunos provenientes de música, filosofia, teatro, dança, arquitetura, além da hermenêutica poético-ontológica de diferentes literaturas, ensinadas nas Faculdades de Letras. Já formou Doutores em literatura Hebraica, Brasileira etc.
Em 1997, o Prof. Antônio Jardim se doutorou em Poética, com a tese: Música: vigência do pensar poético, publicada em 2006 pela editora 7LETRAS. Inicialmente professor da Escola de Música, leciona hoje no Programa de Pós-graduação de Ciência da Literatura, na Área de Poética.
Em 1999 defendeu a tese: Intervenções na relação entre poesia e filosofia: uma fronteira desguarnecida, o professor Alberto Pucheu, na Área de Poética, estabelecendo uma interdisciplinaridade entre Poética e Filosofia. Hoje leciona no Programa de Pós-Graduação de Ciência da Literatura na Área de Poética e Teoria Literária.
Em 2001, a profa. Mari-Pepa Vicente Perrota fez a pesquisa de Pós-Doutorado com o Titular de Poética, intitulada: Poética, Direito e Hermenêutica. É Doutorada em Educação.
Em 2003, Ana Maria Gonçalves Lysandro de Albernaz defendeu a Dissertação intitulada Mito e poesia. É mais um campo interdisciplinar abrangido pela Poética.
Em 2004 foi defendida a Tese: Música: poética do sentido – uma onto-logo-fania do real, pelo professor Werner Aguiar, atualmente lecionando na Universidade Federal de Goiás.
Em 2004, o prof. Márcio dos Santos Gomes defendeu em Jena a tese: Die ontologische Zirkularität - Hölderlins Vorsokratik-Rezeption und ihr Einfluss auf seine
Poetologie, defendida em 19/04/2004. Ele também é oriundo da Área de Poética, pois fez nesta Área seu Mestrado sobre Hölderlin, em 1998. É outra tese interdisciplinar de Poética e Filosofia.
Em março de 2004, dois professores de Música defenderam suas Dissertações na Área de Poética: Celso Ramalho e Eduardo Augusto Giglio Gatto. Atualmente fazem o curso de Doutorado em Poética. Eduardo Augusto Giglio Gatto é professor do CEFET e o Celso Ramalho é professor da Universidade Federal do Espírito Santo.
Em fevereiro de 2005, a profa. Andréa Copeliovicht, que fez o Mestrado em S.Paulo, em teatro, defendeu a sua tese de Doutorado, realizado na Área de Poética, com o título: O ator guerreiro frente ao abismo. Hoje é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Em 2006 foi defendida a tese A paidéia poética na Cidade sitiada de Clarice Lispector por Maria Beatriz Albernaz. Ela atua na área de educação.
No momento fazem o Mestrado em Poética os professores de Música: Artur de Freitas Gouvêa e André Ribeiro Poyart. E fazem agora o doutorado os professores de música Peri Ribeiro e Sônia Andrade.
A partir de 2006 a interdisciplinaridade foi ampliada, uma vez que a professora Maria Ignês de Souza Calfa, do Curso de Bacharelado em Dança da UFRJ, iniciou o seu doutorado em Poética. No encerramento do semestre letivo de 2004-2, já apresentou, no Espaço João do Rio da Faculdade de Letras, um espetáculo de dança constituído de duas criações: 1ª. Baseada no conto de Guimarães Rosa: A terceira margem do rio; 2ª. Baseada na obra de Clarice Lispector: Água viva.
Destaque-se que foram já numerosos os alunos das Faculdades de Letras que se tornaram mestre e doutores em Poética. Diversos lecionam hoje na própria Faculdade de Letras da UFRJ.
6 – Renovação e inovação
O que tem possibilitado esta interdisciplinaridade efetiva se dá em dois sentidos. Pelo primeiro promove-se um questionamento do ensino tradicional em suas dicotomizações, trazendo para cena e para debate concepções e conceitos tradicionais. Deste questionamento surgem novas possibilidades de configuração e concepção do ensino de tais disciplinas, desencadeando uma verdadeira revolução e inovação na visão, ensino, prática e pesquisa de tais disciplinas. Pelo segundo, traz para o centro do debate duas questões centrais: a linguagem e a poiesis. Distinguindo linguagem de meras técnicas conceituais e operacionais, funda a linguagem na poiesis, perfazendo um todo essencial indiscernível. Para isso toma-se a poiesis em seu sentido grego original: ação, essência do sentido do agir ontopoético, do fazer artístico. Nesta perspectiva, a linguagem se distingue-se da técnica e se realça o aspecto criativo e inaugural de todo fazer artístico, sem, no entanto, abrir mão do domínio técnico. Mas este é lido, como linguagem técnica, no horizonte criativo de toda poiesis. Nesse sentido, cada técnica, correspondente a cada disciplina, se torna uma língua de fala, expressão e execução artística. Contudo, a poiesis, enquanto linguagem, será a mãe de todas as línguas. Esta linguagem como mãe é o lugar e espaço do inter de toda disciplina. Se nas ciências em geral o inter da palavra interdisciplinaridade indica muito mais o entre-laçamento de disciplinas, nos estudos artísticos o inter quer chamar a atenção para a identidade em tensão com as diferenças, ou seja, tomando a interdisciplinaridade como uma rede, nas realizações artísticas, o acento não será só nas linhas e nós da rede, mas também no vazio dos buracos. Aí o vazio é o silêncio criador da fala da linguagem, ou seja, a identidade concreta de todas as artes.
Nesse novo horizonte de atuação, a Área de Poética tem promovido essa renovação que congrega todas as linguagens poéticas, como concretização da poiesis. Se a técnica como língua centraliza-se no significado, a linguagem da poiesis realiza mais o sentido. Falar-se de significado de música, dança etc. é difícil, senão impossível. Ninguém, no entanto, poderá negar o seu sentido. Por isso mesmo, é necessário ultrapassar o campo epistemológico, fundador das disciplinas e se abrir para o campo poético-ontológico, fundador do inter de toda disciplina.
A tensão entre técnica e poiesis, língua e linguagem, significado e sentido funda ontopoeticamente a interdisciplinaridade poética em sua concreticidade questionante.
A Área de Poética vem já realizando concreta e realmente a inter-disciplinaridade tão necessária para responder e corresponder aos novos tempos e demandas.
7 – O núcleo interdisciplinar de estudos poéticos
Diante dessa prática já bastante amadurecida e em pleno crescimento configura-se agora a possibilidade de institucionalizar o Núcleo interdisciplinar de estudos poéticos. Aberto a novas idéias, práticas e pesquisas, quer ser um horizonte inaugural de uma efetiva renovação dos saberes tradicionais e da reformulação e inovação do papel da Universidade, na dinâmica histórica que exige uma contínua reconfiguração dos saberes.
8. Professores participantes
MANUEL ANTÔNIO DE CASTRO - Poética – UFRJ
EMMANUEL CARNEIRO LEÃO – Poética - Prof. Emérito UFRJ
ANTÔNIO JARDIM – Música – UFRJ
MARTHA ALKIMIN – Teoria Literária - UFRJ
RONALDES DE MELO E SOUZA – Literatura – UFRJ
MARIA LÚCIA PINHEIRO GUIMARÃES – Teoria Literária - UFRJ
MARIA INÊS DE SOUZA CALFA – Dança - UFRJ
GILVAN FOGEL – Filosofia - UFRJ
LUITGARDE OLIVEIRA CAVALCANTI BARROS – Sociologia - UFRJ
Faculdade de Letras, 26 de agosto de 2006
Prof. Manuel Antônio de Castro – Titular de Poética - UFRJ
4 comentários:
Parece querido Mestre que agora você auxiliou na experiência da clareira...linda a explicação – destaco ...”fique logo claro que Poética, reflexão sobre as obras de arte quase três vezes milenar, não indica de maneira alguma algo normativo, mas uma indagação e questionamento dos diferentes fazeres artísticos enquanto poiesis e linguagem, como essência e sentido do agir.... se abre e atua dentro e a partir das diferentes linguagens artísticas... núcleo e elo comum...porque essencial a todo agir humano... trabalha sempre questões e nos interstícios dos conceitos ...aberta a todas as linguagens artísticas, é primordial e fundamentalmente interdisciplinar.” Aqui se sente a transdisciplinariedade, a proposta da transparência respeitosa do caminho que segui-se na rota da descoberta, o respeito aos diversos tipos de proximidade e proximação, bem como da diversidade... a aceitação do outro e do outro humano, vivo...pulsante. Então que fique vivenciado e repleto de trocas e aprendizagens es te espaço...assim é o meu bom desejo a equipe. Cilchrysti
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boa noite! a pesquisa ainda acontece hoje em dia, professor?
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