04 maio 2013

Dialética, logos, lógica


           Dialética, logos, lógica
                                             Manuel Antônio de Castro
Dialética
O primeiro grande pensador da dialética foi Heráclito. E como pensador originário ele será sempre a referência obrigatória para toda a posteridade e não, como geralmente se pensa, a dialética hegeliana. Tomando esta como referência, reduziu-se a dialética a método. Se tomamos este no significado lógico-matemático moderno, apriori que determina o que é a verdade da realidade, a dialética não será método. É a partir dele que se procura conhecer e interferir no acontecer da realidade, inutilmente, pois tal método fundamenta-se no conceito, na representação e no cálculo. E a realidade é mais. Desde Heráclito a grande questão da dialética é a verdade como aletheia, enunciada na sentença 123: Physis kryptestai phylei: A realidade desvelante apropria-se no velar-se. Mas método deve ser tomado no que a própria palavra, fundada no logos, diz. Método é metá-hodos: pôr-se a caminho da escuta do logos, conforme o pensador Heráclito nos propõe na sentença 50: Auscultando não a mim, mas ao logos, é sábio concordar que tudo é um. O pôr-se a caminho do logos, da linguagem, concretiza-se no diálogo.
Assim se originou a palavra dialética: em grego, o sufixo –ikos, e, on (m/f/n) forma adjetivos a partir de  verbos. Neste caso, o verbo é dia-legein. Tal sufixo indica o ser apto para o agir expresso pelo verbo de onde se forma. Dialeti-ké diz a qualidade de ser apto para o diálogo. A denominação morfológica de substantivo ou adjetivo provém da gramática, fundamentada na proposição. O substantivo nomeia o ente e o adjetivo (predicativo) uma qualidade ou atributo seu. Porém, o núcleo da proposição é o verbo e não o substantivo ou atributo, daí o sufixo –ikos, e, on, referir-se ao agir dos verbos. Contra o pensamento lógico-gramatical, nem tudo é redutível a entes-substantivos. Isso é decisivo para compreendermos o que seja dialética. Esta remete sempre para um pensar verbal. Exemplos de “substantivos” não entes: a claridade, o mundo, o logos, a ideia, o humano, o justo, o belo, o bom, o uno, o verdadeiro, o poético etc. Por quê? O substantivo, sendo conceito, logo, representação, oculta e esquece o acontecer da realidade. Este, por ser verbal, é questão. Disso decorre que pensar a dialética é pensar o diálogo na dinâmica do questionar. Não há dialética sem diálogo. A essência deste é a escuta do logos. E a dialética é o agir do diálogo, isto é, do tempo enquanto linguagem, verdade, sentido e mundo. O diálogo não pode ser pensado desligado dessas questões essenciais. É que nelas acontece a realização do humano, numa dialética concreta e histórica. Portanto, o humano acontecerá no pôr-se a caminho do que já recebeu para ser: seu próprio. Caminhar é eclodir na verdade. Isso é o libertar-se para o que é. Todo caminho implica necessariamente tempo, sentido e mundo: liberdade. Diálogo e dialética se implicam mutuamente. Na dialética é o próprio destinar-se do ser que se doa e acontece, sempre aberto e inesperado, segundo o próprio Heráclito: Se não se espera, não se encontra o inesperado, sendo sem caminho de encontro nem vias de acesso (Heráclito, 1991, frag. 18, 63).
Diálogo, compõe-se do prefixo diá- e do verbo legein. O prefixo indica a conjuntura em que a ação verbal acontece, onde jamais haverá separação entre a conjuntura e o acontecer da realidade (physis). Diá-  nos remete para o considerar de um e de outro lado, expressando tensão ontológica de limite e não-limite, de ser e não-ser, sempre num entre abismal e inesgotável. Já o verbo legein, em suas derivações etimológicas, assinala a própria dinâmica da realidade, dizendo: pôr, depor, dispor, propor. Por isso legein pode significar: reunir, dizer, enumerar, narrar, assentar-se, repousar. Trata-se no diálogo e na dialética de um acolhimento das diferenças na identidade, que não só aceita as diferenças, mas promove necessariamente a diferenciação. Eis a lei da dialética, na concreticidade universal do diálogo. Todo diálogo verdadeiro é um exercício de escuta de um eu e de um tu ou de auto-escuta, a partir do logos, no que cada um é em sua verdade. Quem funda o diálogo é o ser que vigora como possibilidade de realização do “eu” e do “tu”, do “eu” e do “sou”. Isso é tematizado no conto “O espelho” (Rosa: 1967, pp. 70-78).
Para indicar a unidade e diferença de eu e tu, para além de uma relação subjetiva ou objetiva, diálogo e dialética provêm do verbo grego dialegein na voz média: dialegesthai.  A voz média difere da voz ativa, pois naquela o sujeito é tanto agente quanto paciente. Na voz média, a ação do verbo assinala um experienciar-se mútuo concreto. Isso é a essência do social. No diálogo poético da dialética, cada um e todos estão implicados em seu sentido de realização e libertação conjuntural e histórica. A realização de cada um implica a realização de todos e a de todos a de cada um, onde o horizonte do agir é o ser.
Dialética é caminho de realização histórica do próprio. Este é uma doação do ser: possibilidades de e para possibilidades. Nessa caminhada, a dialética é o contínuo estar em crise, depondo o realizado e abrindo-se para novas realizações. É isso que significa krinein/discernir, de onde se formou crise e crítica. Criticar é o operar poético da verdade da realidade enquanto aletheia. Dialética é diálogos porque é aletheia. O seu acontecer como realização do humano é a dianoia: o pensar-se e saber do ser no não-saber do abismo do nada criativo. Em última instância, este é a morada, o ethos, a morada do extraordinário. Habitar é deixar-se tomar pelo sentido e verdade do ser: a linguagem.
A expansão global da ciência ocidental desencadeou uma crise ética global, que desintegra a verdade dominante na realidade. É o jogo astuto da verdade (aletheia). Desintegra para integrar em novo nível o humano em seu sentido, verdade, mundo. Toda negação gera uma afirmação que reintegra em outro nível, num permanente acontecer dialético. Trata-se de um desafio contínuo de agir realizando o que é e não é, fundados no nada criativo. Assumindo a crise, não podemos jamais querer ressuscitar o que se metamorfoseou em sistemas prontos, acabados. A dialética da realidade é sempre aberta e inesperada. O real como realização da realidade não pode caber em nenhum sistema. Onde há sistema não pode haver dialética. Em lugar da qualificação da dialética: platônica, hegeliana, marxista etc. deve vigorar o caminho libertador do questionar, pois este joga a dialética em sua essência: o diálogo. Questionar é experienciar-se dialogalmente, onde os dialogantes se abrem para a escuta do operar da linguagem: sentido e mundo da realidade acontecendo. É o experienciar da aprendizagem.

        
Logos

         Caso se quisesse caracterizar o Ocidente com uma única palavra, esta seria:   logos. Qualquer tradução que dela se proponha é insuficiente. Logos, como o Tao chinês, disse Heidegger, é intraduzível. Levar o leitor a apreender essa intraduzibilidade e a tomar conhecimento das vias que suas traduções abriram  no Ocidente é esta a difícil tarefa. O maior pensador do logos foi Heráclito, denominado, em vista disso, o obscuro. Só se adentra o logos pensando e escutando a força da presença constante do silêncio, plenitude e fonte de toda fala.
Com o surgimento das Escolas helenísticas, do logos originou-se a lógica, tendo a  pretensão de se tornar o paradigma único da verdade (o que não for lógico será i-lógico, afirma-se). Daí surge a dicotomia em que se fundamenta o Ocidente metafísico: o logos dá origem à lógica e depois esta passou a determinar – pelo critério do lógico ou verdadeiro – o que é o logos. Ou seja, tudo no Ocidente gira em torno da questão da verdade. Falar da realidade, do ser, é sempre já estar pensando a questão da verdade. O que verdade implica torna-se a questão, porque verdade é ser se manifestando e jamais alguma adequação lógica, representacional. Ela é tão misteriosa como o próprio ser, do qual sempre já estamos próximos e distantes, porque a maior proximidade possível da verdade ainda é a não-verdade do sentido do ser. E isso é o logos, pois o ser é princípio (arché) e sentido (telos). Daí se originou a tradução predominante: fundamento, em grego, hypokeimenon. O abandono, aproximadamente desde o Helenismo, da aletheia pela lógica gerou o esquecimento do sentido do ser e, com isso, a compreensão invertida do que os pensadores originários diziam com logos. Nestas poucas indicações é impossível comentar tudo isso. Fica o convite ao pensar. Eis algumas traduções: 1) Fundamento; 2) Unidade; 3) Razão; 4) Necessidade/Lei do mundo; 5) Lógica; 6) Linguagem; 7) Palavra/Deus; 8) Língua/código; 9) Fala/discurso; 10) Signo/semântica 11) Coletividade. Podemos reunir estas traduções em três grupos. 1º. Diz respeito ao logos quanto à questão do princípio de tudo, dando origem às traduções: 1, 2, 3, 4; 2º. Verdade: 5, 6; 3º. Dependendo da ambiguidade do segundo, ao narrar ou discursar: 7, 8, 9, 10, 11. Então, segundo a determinação do que seja verdade, os grupos primeiro e terceiro serão lidos de uma maneira até oposta. Porém, o que aí se decide é algo radical: o que seja ser/realidade e ser humano. Este horizonte das traduções foi esquecido e elas passam a bastar-se por si mesmas, como, absurdamente, se auto-originassem. Contudo, essas duas questões não podem ser separadas, o que acontece desde que se instituíram as disciplinas e no lugar de questão só se fala de conhecimento disciplinar. Porém, a questão de todo pensar originário e poético será sempre a referência de Ser e Essência do homem. Esse “e” não é partícula gramatical. É o abismo em que desde sempre nos vemos projetados como entre-ser. No fundo, esse “e” é o logos, daí ele tanto se referir ao Ser quanto ao homem.
Para adentramos essas questões, tomemos uma sentença grega e suas traduções. Estas implicam as questões, pois traduzir é interpretar, que é a escuta do sentido do silêncio, da linguagem. Para interpretar já devemos vigorar no Ser. A sentença define o homem: Dzoion logon echon. A tradução latina, esquecendo o vigor do logos, propõe: (Homem) animal rationale, animal racional. Uma outra tradução diz: (Homem) animal que fala. As duas traduções só aparentemente são diferentes, pois a razão causal e científica determinará o que se entende por fala ou discurso. Não podemos reduzir dzoion a animal e logon a racional. Dzoion é Vida. Os latinos reduziram physis a natureza. Pela lógica, ela é composta de seres inanimados e animados. E estes divididos em racionais e irracionais. Isso é classificação científica, racional. Logos foi traduzido por ratio, razão. E esta se tornou a causa, isto é, o fundamento do universo. O fundamento teve duas versões. Pela primeira, torna-se Deus/palavra. Dominou desde a implantação do Cristianismo até a Modernidade. Apoia-se, sobretudo, no início do evangelho de São João (90 d. C), quando afirma, referindo-se a Cristo, filho de Deus: “En archei ho logos”. “No princípio era a Palavra”, traduz-se. Temos aí a ligação do primeiro grupo com o terceiro: fundamento e linguagem. Ele escreveu no grego da Koiné, isto é, do Helenismo (300 anos a.C). Estava aberta a possibilidade para a outra tradução: “homem, animal que fala”, pois ele é uma criação de Deus/fundamento. Quando a Modernidade substitui a teo-logia pela antropo-logia, o fundamento/logos torna-se razão. Criador, causa. E a linguagem passa a ser fundamentada pela ciência linguística. Como o conhecimento científico é essencialmente funcional, a linguagem reduziu-se às suas funções comunicativas e sociais, isto é, ao discurso. Quando o fundamento tornou-se causa (ratio/razão), todo objeto do conhecimento científico passou a ser estudado pelo princípio das quatro causas: material, formal, eficiente e final, proposto por Aristóteles. É uma confusa mistura de noções. Matéria passou a ser confundida com linguagem e conteúdo, forma com meios, eficiente com subjetividade, final com função e meta. E é isso que é ensinado hoje, onde o logos originário de Heráclito ficou esquecido.
É do verbo legein que depreendemos o que é o logos. O radical indo-europeu desse verbo é lg. A experiência inaugural a que ele remete é: pôr, depor, dispor, propor e compor. Porém, os significados correntes são: reunir, dizer, ler, narrar, colher e repousar. Como isto se deu no acontecer poético e dialético? É que o doar-se do ser no pôr não é um simples justapor, como se para fazer uma casa bastasse justapor os tijolos. No pôr do ser conduz-se o que se põe para o pouso de seu ser, dando-lhe sentido em sua realização. Tal processo implica, portanto, ordenamentos e diferenciações de posições. Trata-se, em vista disso, de um acolhimento diferenciado por identidade, estimulando a diferenciação. Na raiz de todo é e não é age o vigor de legein, gerando posições e compondo oposições. Isto pelo poder criador (pondo) e destruidor da linguagem (depondo). Em virtude disso, na sua forma medial legesthai, experiencia-se o recolher-se no repouso de si mesmo e dos outros. Recolher é acolher. Tal recolher-se à vigência do silêncio torna-se a possibilidade de todo diálogo e dialética. É que somos acolhidos pelo vazio, na vigência do nada criativo. Quando nos recolhemos a nossa morada, a linguagem, é no vazio do silêncio do logos que encontramos o que somos. Das experienciações originárias de legein, podemos configurar três campos de significados: reunir e concentrar; assentar e repousar; relacionar, enumerar, narrar.
Se agora voltarmos à sentença grega, que define o homem, podemos, poeticamente, traduzi-la: Alguém de quem o logos cuida para ser o que é.


Lógica

Como problema filosófico, a Lógica se origina do logos. Mas este era pensado pela filosofia. Esta consistia na procura do princípio e sentido do physis/ser, manifestando-se e velando-se como verdade, aletheia, em grego. Segundo Heráclito, há uma disputa entre physis e aletheia, um pólemos.Pólemos e logos são o mesmo” (Heidegger: 1969, 90). Então a tensão entre ser e verdade dá-se como linguagem ou logos. O princípio do ser em sua verdade e sentido era o logos, onde se fundava o mundo, o ético e a liberdade. A physis foi pensada como ta onta: a totalidade dos sendos. To on, o real/o sendo, é o particípio presente do verbo einai/ser. O sendo participa do ser, mas não é o ser.
A referência de ser e homem foi a grande questão. O homem não é um ente entre outros entes. O que o diferencia?  É um enigma. “Muitas são as coisas estranhas, nada, porém, há de mais estranho do que o homem” (Sófocles, 1969, 170). Sob influência dos sofistas, iniciou-se em filosofia uma nova postura diante do princípio da physis/ser. Priorizando o lugar do homem, o ser é esquecido e toma-se o homem como medida de todas as coisas.
Historicamente, o logos, como fundamento, terá duas interpretações no percurso ocidental: a helenística e, posteriormente, a cristã. A Lógica surge com as Escolas Helenísticas, pois nem Platão nem Aristóteles reduziram seu pensar à Lógica epistêmica. Neles ainda não havia a diferença entre sentido do ser e conhecimento (episteme). “A Lógica é a ciência das configurações fundamentais do raciocinar. A Lógica, enquanto ciência brota da filosofia, como toda e qualquer ciência, mas precisamente nesta forma em que foi apresentada ela mesma já não é filosofia” (Heidegger: 2008, 43). Com a criação da Lógica como disciplina pretendeu-se ensinar a pensar, tornando-se o método para aprender a raciocinar corretamente. Desse modo, a Lógica se tornou a propedêutica para todas as ciências, fazendo-se presente em todos os ramos de conhecimento. A Lógica dá sequência à tradição sofística, que já desenvolvera a gramática como propedêutica para a correta argumentação pelo conhecimento racional e discursivo da língua. Nesse clima, em torno do logos como discurso argumentativo, surgiu uma nova interpretação do logos: a judaico-cristã. Afirma: “No princípio era o logos”,  pois Cristo  era o Filho de Deus: Criador das criaturas. Há uma dicotomia entre Criador e criatura, acentuada pelo pecado. Da junção deste novo fundamento com a Lógica, surge a metafísica lógica e dicotômica.
Esquecido o sentido do ser e sua verdade, a Lógica dicotomiza conhecer e ente. A verdade é a verdade do discurso, isto é, da proposição. Ficaram esquecidas a physis e a aletheia.  Mas a principal dicotomia será entre Lógica e ente. Desde então tudo que não for lógico será ilógico. Algo contraditório aconteceu: o logos dá origem à Lógica. E esta passa a definir o que é o logos, reduzindo-o a discurso e razão. No lugar da Lógica do Logos teremos desde então o logos da Lógica. Esta distinção é importante para a interpretação dialética das obras de arte e de pensamento.
Deus-fundamento, como Logos, dá origem à teo-logia. E toda a Idade Média se consumirá na discussão infrutífera de superar a separação entre conhecimento e real, porque partiam da verdade da Lógica. Dentro do mesmo horizonte, a Modernidade mudará apenas o nome do fundamento, pois os problemas continuavam os mesmos: de teo-lógico para antropo-lógico. As três questões essenciais continuam: o homem, a verdade e a linguagem. Havia a forte tradição da ligação do homem ao logos, baseada numa sentença grega antiga: Anthropos dzoion logon echon. O logon originou duas traduções interpretativas: razão e discurso: homem o animal que tem fala/razão. O discurso remete para uma concepção da linguagem e a razão para uma da verdade. O homem como logon-fundamento decide sobre a linguagem e a verdade. E estas decidem o que é o homem, porque a verdade será a verdade da Lógica da proposição do discurso. É a verdade por adequação.
 O ser/physis e a aletheia continuam esquecidos. Mas a Lógica metafísica e dicotômica não dá conta, evidente, da complexidade do ser/realidade. As dicotomias se generalizam e surgem paradoxos e impasses. O Logos, transformado em fundamento, passou a ser a verdade e deixou de haver a linguagem como o “entre” o ser e sua manifestação nos entes enquanto sentido, ético e mundo. Pela Lógica nunca há um “entre” conhecer e ser; conceito e coisa; verdadeiro e falso; universal e individual; código e língua; discurso e linguagem; proposição e palavra; substantivo e verbo; lógico e ilógico; real e irreal; racional e irracional; útil e inútil; ciência e arte; raciocinar e pensar etc. etc. A língua metafísica é o discurso destas e de outras dicotomias.
As duas traduções do logos já partem de uma interpretação da verdade como adequação e da línguagem como discurso. Não se parte mais da aletheia (verdade/não-verdade), mas da proposição dentro da sintaxe (linguagem como criação social), onde a verdade é reduzida à adequação entre o dito (proposição) e a coisa dita (real). Na aletheia, o discurso jamais é determinado pela sintaxe da proposição, pois há discursos onde o mais importante não é o dito, mas o não-dito, caso das obras de arte e de pensamento. É impossível separar essência da verdade e essência da linguagem. A essência origina-se do ser/realidade. A essência do ser humano não depende da Lógica epistemológica. É o que nos mostra Édipo. Sob impulso da Lógica epistemológica, nega e foge do destino. No final, descobrindo que a Lógica do destino (logos) é soberana, arranca os olhos, reconhecendo que sabe que não sabe. É ainda com esta Lógica que tem de ser compreendida a loucura. Um exemplo, entre outros: Dom Quixote.
Na epistemologia temos o logos da Lógica. Na poética-ontologia a Lógica do logos. Por esta, fundamento diferencia-se de princípio, onde inexistem dicotomias, porque a realidade/ser não é estático, é dinâmico; não é linear, é circular; não é finito, é infinito; não exclui, inclui. Raciocinar diferencia-se de pensar. O raciocinar é a tradução redutora do logos por razão. O pensar é o mesmo que ser, segundo Parmênides. Nesse mesmo (logos), o ser se doa ao homem como linguagem. Questões diferenciam-se de conceitos. Estes são fechados e abstratos, aquelas são abertas, pois cada resposta recoloca a pergunta em nova dimensão etc.
O ensino das artes, tornadas disciplinas, é um subproduto histórico da Lógica epistemológica. A essência da arte é esquecida, porque o que está em questão na Lógica é a essência do homem. E este é indissociável do sentido do ser. É na Lógica do logos que devem ser pensadas as obras de arte e de pensamento, porque nelas é o destinar-se do sentido do ser que acontece.