O idioma é a única porta para o
infinito, mas infelizmente está oculto sob montanhas de cinzas.
João Guimarães Rosa
Metafísica
é uma palavra muito usada na cultura ocidental, mas enigmática em sua origem e
nos seus múltiplos significados e desdobramentos. Ela é um exemplo perfeito do
poder da verdade em desvelar e velar. E jamais pode ser reduzida ao caminho
único da verdade da Lógica, hoje dominante na teologia, na filosofia e na
ciência. Muitas vezes, quanto mais estas a querem negar, mais a firmam, porque
mais ainda se servem do seu vocabulário dominante. É uma vingança silenciosa da physis, porque a Lógica a pressupõe e
não há como omiti-la, silenciá-la.
A palavra metafísica
compõe-se do prefixo metá- e de physis.
No prefixo metá- temos a presença
aberta da própria verdade e não-verdade enquanto aletheia, inerente à physis.
Metá- diz, o para, o entre. Se o primeiro significado do metá- dá origem à metafísica causalista, onde o para,
como finalidade, determina o próprio
vigorar da physis como sujeito causal
de alguma consequência, no jogo de agente e paciente, já o significado “entre”
assinala um lugar de abertura abismal e sem fundamento, sem sujeito, ao mesmo
tempo em que, enquanto hiância ou hiato, inter-relaciona e faz presente a
própria physis em seu dar-se e
retrair-se, isto é, na unidade da
dobra em que não cessa de desdobrar-se e jamais se fecha, se conclui. Isto é a sua a-letheia. E nela e por ela acontece o surgimento do sendo que
denominamos ser humano. Este é
originariamente um Entre-ser, ou
seja, um sendo da physis, movendo-se
no livre aberto do entre, da hiância criativa da physis. É
com esta abertura, esta hiância do entre, que se dá a referência de Essência do
ser humano e do Ser. Na vigência da língua grega,
essencialmente, o ser-humano é um sendo meta-físico.
Sob o domínio do logos, compreendido e definido
racionalmente pela verdade da Lógica, o entendimento da metafísica do fundamento causalista (su-jeito), na trajetória ocidental, reduziu-se a dois encaminhamentos
aparentemente excludentes entre si, embora complementares, na prática. Há neles
um domínio do essencialismo lógico e
esquecimento da essência ontológica. São,
portanto, limitados e enganadores, ainda que se tenham tornado estereótipos
lógico-científicos da verdade. Fundamentada no lógico-matemático e sua
precisão, a ciência se apresenta como sendo a própria verdade, única e excludente. Ela
tem a pretensão de se tornar a medida pela
qual tudo deve ser medido. Porém, não
passa da verdade enquanto representação. A
essência da verdade lógico-metafísica é a representação. É nesse sentido que há hoje uma tendência
quase absoluta ao virtual, isto é, à representação (criadora de um mundo estético e indolor), uma vez que a
realidade digital é dócil e obediente ao modelo e não admite jamais o
inesperado (Se não se espera, não se encontra
o inesperado, sendo sem caminho de encontro nem vias de acesso. Heráclito:
18). No virtual da representação
lógica tudo já está programado. A estética
como lógica da representação das vivências impera na totalidade das teorias
sobre a arte, de larga aceitação contemporânea. Na Modernidade a poética das obras de arte foi reduzida à
Ciência estética ou ideológica de
qualquer arte, especialmente da
literatura. Tal domínio se tornou hoje quase inquestionável para tais
teorias e correntes críticas, que gostam de reduzir o vigorar poético da
palavra à expressão representativa e que tornam a poesia escrava dos meios
comunicativos. Disso resulta uma certa idolatria do novo e do contemporâneo
cronológico, como se o tempo poético se reduzisse ao datado e à última moda,
onde o poeta-sujeito é mais importante que a obra poética. Há aí uma confusão
entre novidade e novo. O humano é sempre novo, mas as produções circunstanciais
não passam de novidades que não resistem ao tempo em seu acontecer poético.
Nesse sentido, o contemporâneo poético será sempre o que escuta o apelo do
tempo como sentido e cuidado do ser em seu destinar-se. E isso diz respeito à
conjuntura histórico-dialética, que não depende do sujeito-poeta-autor, mas do
apelo da poesia, que melhor seria denominada poiesis: essência da ação, energia irradiante. Bem que a
Modernidade quis abolir o destino e é
como seu próprio fracasso que o vê cada vez mais poderoso, embora lhe atribuam
outros nomes. É uma tarefa tão inglória como querer acabar com a morte. O máximo
que consegue é fazer do mortal um simulacro de si mesmo. O poeta como autor tomou um lugar
hipertrofiado na medida em que é identificado com o sujeito lógico-metafísico
na era da Modernidade.
Os dois lugares-comuns sobre o que
seja a metafísica finalista dependem de traduções interpretativas do que seja o
logos já dentro da verdade lógica. E são os seguintes: 1º. Metafísica
como algo transcendente; 2º. Metafísica como algo imanente, porque lógica e
científica.
Partamos do evidente em si e por si
já desde sempre vigente e experienciado inequivocamente por todos: o viver da
Vida. Mas para o ser humano-vivente tão importante como o viver é procurar o motivo do viver, pois não apenas vive,
mas existe. Eu, já vivendo, posso perguntar o que é a Vida (como perguntar se
não estiver vivo? Não é o conhecimento que me permite viver. Sem este não há
conhecer, embora o viver já traga em si a possibilidade de todo conhecer, na
medida em que vivendo posso perguntar). Porém, não devemos confundir duas
coisas: o viver com o verbo grego bionai e
o perguntar com a pergunta e a resposta. Há o Viver do Dzen e há o questionar como abertura para poder perguntar. Não
podemos separar Dzen (Viver) e questionar uma vez que o próprio
acontecer do Dzen já é em si e por si
o seu eclodir enquanto verdade, ou
seja, em grego, lanthanomai e manthanomai. Ambos os verbos radicam na
mesma raiz indo-europeia, com variação apenas da consoante “l” e “m”, dentro da raiz l/m/anth. São,
portanto, indissociáveis. Se lanthanomai diz
o que se vela e esquece, manthanomai diz
o poder ensinar e aprender, que é o questionar enquanto o próprio eclodir da verdade, ou seja, o Dzen em seu sentido, linguagem e mundo. Por isso, em verdade, o
radical é não o evidente como o que já se deu a ver, isto é, eclodiu (aleth), mas o que na eclosão se velou e
esqueceu, ou seja, o seu já poder ser verdade enquanto sentido, linguagem e
mundo. Se não há separação entre dzen e
bionai, também não pode haver entre
esquecer e lembrar, desvelar e velar, viver e questionar. Ao questionar
inerente ao Viver (Dzen) é o que se
denomina pensar. Questionamos ou
pensamos para realizar as possibilidades que nos constituem, que dão
consistência a cada próprio. Ao passo que ao viver enquanto bionai corresponde o conhecer. Se sem Dzen não há bionai, sem pensar não há conhecer. Mas não há nem pode haver aí uma separação, acontece
apenas que o conhecer se torna uma possibilidade de compreensão no âmbito do bionai porque este já vigora no Dzen, isto é, no Ser que nos advém desde sempre como o próprio pensar, ou seja, lathanomai e
manthanomai. Para melhor sermos
tomados pela radicalidade do que seja acontecer,
devemos ter em mente sempre a sentença 123 de Heráclito: Physis kryptestai philei / O eclodir do
Viver apropria-se no velar e esquecer-se do que já eclodiu. Ou noutra
tradução: Bionai apropria-se no Dzen. Ou
noutra: Ser apropria-se no nadificar-se.
Apropriar-se diz sempre o agir que é ser, ou seja, pensar-se enquanto
verdade no dialetizar-se, pois verdade já implica necessariamente sentido, linguagem, mundo. É o
destinar-se do sentido do Ser, do nadificar-se. A essência do nadificar-se enquanto aletheia é o dia-letizar-se de Dzen e bionai no destinar-se do sentido do
Ser/Nada. O pensar já vigora na medida em que o ser humano é o que é. Pensar é
ser as possibilidades de realizar-se que já desde sempre é: eis a dialética de
verdade e aprendizagem. Parmênides assim a pensou dizendo: “...pois o mesmo é pensar e ser”.
Por
isso, é claro, é evidente e certo que nenhuma resposta pode dar conta do que
seja o viver da Vida (Dzen) enquanto
(tempo) questionar e pensar da Physis (Ser). Tempo é Ser. Para sair do impasse surgiu a metafísica e suas respostas padrões através da representação. A
posição transcendente interpreta o logos como
Deus criador, um Demiurgo transcendente. E fundou, para justificar logicamente
essa resposta, a teo-logia. Outra
coisa muito diferente é a vigência do sagrado em seu mistério, de que nós
finitos-viventes necessitamos para existir e concretamente nos realizarmos. O
mistério é onipresente e nada tem de transcendente ou imanente, porque não
admite separação de nada, tudo nele já é. E não precisa ser nomeado, é só
vivermos o sentido do Viver na mais completa e total diversidade. Nele não há
separação entre o Uni- e as Versões do uni-versal. E nem criador pode ser nomeado, para não cairmos no
causalismo excludente de uma fraternidade cósmica essencial. Criador é o fundamento, o sujeito, o autor. A teo-logia
dicotomiza o viver da Vida em duas instâncias separadas: o terreno/material
e o celeste/espiritual, o sensível e o inteligível, o aparente e o verdadeiro.
Daí surge a posição metafísica de transcendente, isto é, que transcende a realidade vigente em que nos encontramos. A
posição imanente interpreta o logos (ratio/fala) como representação racional ou discursiva, e funda a epistemologia
e suas disciplinas. É a ciência epistemológica voltada para o material com
exclusão do espiritual, porque tudo é redutível ao racional. A esta redução de tudo ao racional, Kant denominou conhecimento
transcendental. Este diz respeito a conhecimento racional e não a uma
realidade que está além, que é transcendente espiritual e intelectualmente.
Ambas as propostas teórico-metafísicas são causais. A causalidade surge
através da proposta do sujeito/sub-iectum,
ou em grego, hypo-keimenon. Neste
e por este o agir é sempre do fundamento ou sujeito, nas diferentes
interpretações dominadas pela Lógica. E a unidade mínima do enunciado
verdadeiro é a pro-posição (krisis/juízo não moral ou ético, a não
ser implicitamente como determinante de tudo o que pode ser aceito como
verdadeiro. E todo verdadeiro é moralista, mas não e jamais ético ou poético). Todo ente, toda “coisa” da realidade (kata physin), seria composta de um
núcleo em torno do qual se agregam as suas características, os atributos, as
qualidades que lhe são próprias. O núcleo é o sujeito e as características são
os predicativos. A estrutura da “coisa” seria equivalente à estrutura da
proposição e esta àquela, num processo de verdade por adequação, onde quem mede é a Lógica. Esta é a representação
em que surge o círculo vicioso, ainda que lógico e, portanto, verdadeiro: coisa
é proposição e esta é coisa.
A adequação, homoiosis, em
grego, ou semelhança, é questionável no sentido de que a proposição
representacional não pode anular o poder
manifestador da verdade da palavra verbal.
Fique claro, opôs-se o sujeito ao predicado/predicativo. E aquele se
constitui no que sub-siste, sub-está, tornando-se o sujeito-substantivo. E tudo
passa a ser visto a partir da proposição e esta a partir do
substantivo-sujeito. O poder verbal fica subordinado àquele, na verdade
propositiva. Por isso na proposição onde se julga a partir do que é, este é anulado e classificado como
verbo de ligação, numa função meramente gramatical e jamais ontológica,
verbal. Quando, em verdade, é no poder
verbal que tudo se concentra e sem o qual nem pode haver substantivo. E “ser” é
o verbo de todos os verbos. Uma vez que pensar é ser, nele se concentra todo agir essencial. O ser humano só age
essencialmente enquanto se deixa tomar pelo pensar, pois pensar é ser. No seu
vigorar e discernir-se acontece a aletheia.
Como verbo, esta palavra liga-se a Hermes, o deus que diz sempre a verdade,
embora não diga toda a verdade. Daí ser mensageiro
dos deuses e, enquanto verbo, a própria mensagem, não dele como sujeito-veículo comunicativo, porém enquanto palavra do sagrado, do Ser. A
palavra logos, metafísica, sertão, eidos,
acontecer, amar, desmedida, energia etc. etc. não precisam da proposição
para terem em si o poder manifestativo da palavra verbal, ou seja, da verdade.
Se tal acontecesse voltaríamos à substantivação. Por isso, a Lógica parte
sempre da proposição representativa como lugar da verdade e não mais do próprio
vigorar e acontecer da physis. Não é
difícil perceber o círculo vicioso das posições estereotipadas da metafísica
tradicional e dominante, qual ranço indelével do jargão com o qual as correntes
críticas e as teorias nos encobrem o acontecer verbal do Viver (Dzen), numa evidente preguiça e
incompetência de se abrir para o pensar.
A
metafísica imanente para explicar,
lógica e causalmente, o que é o viver da Vida, criou duas disciplinas básicas
interligadas epistemológica e cientificamente: a Bio-logia e a Genética. As teorias
e propostas dos conhecimentos disciplinares tornaram-se mais importantes do que
a questão: o que é o viver da Vida e sua proveniência. É isso a metafísica lógico-causalista. Nesta, o
sentido e mistério do viver da Vida fica esquecido e abolido, não sendo,
portanto, possível nenhum valor, nem ético, nem poético. Metafísica, então, é teoria transformada em conceitos. O pensamento
poético do sentido do viver a Vida é questão,
porque acontece no questionar do pensar do ser. O conceito exclui as
diferenças. As questões nunca excluem nada e não podem ser reduzidas a objetos,
sujeitos, análises e explicações causais. Os conceitos falam através das e
sobre as experiências. As questões acontecem nas e com as experienciações. Não
são os sujeitos que têm as questões. Estas é que nos têm. Viver é navegar
sempre nelas e com elas no e a caminho da linguagem.
São elas que descortinam o horizonte do sentido e cuidado do viver da Vida. Na
proposta científica, o viver da Vida, como fenômeno em viventes, se torna o
objeto de pesquisas que procuram trazer o desconhecido para o conhecido,
através de conhecimentos objetivos, precisos, lógicos, portanto, verdadeiros. A
explicação causal e lógica se centraliza na tarefa de reduzir o desconhecido ao
conhecido, ainda que em conceitos universais abstratos, válidos enquanto
valerem os resultados de tais teorias e experiências. A lógica se basta como a verdade. Tudo que não for lógico será necessariamente i-lógico, falso. Na lógica não há lugar para a astúcia,
a artimanha, para Ulisses, Hermes. Contudo, o nada e o não-ser não são lógicos nem ilógicos. E como nos afirma o
poeta-pensador Rosa: “Tudo é e não é”.
Como trazer o nada para o que
é? Aqui poderíamos lembrar a afirmação de Rosa no conto “O espelho”: “Quando nada acontece, há um milagre que não
estamos vendo”. A epifania do milagre
que não se vê jamais pode ser lógica. E, no entanto, é verdadeira, real,
experiencial. Se tecnicamente fixamos o instante de uma paisagem ou de alguém,
o que não cessa de acontecer não pode ser fixado, tal a riqueza da physis. Por isso mesmo, do que olhamos
vemos muito pouco e do que não se dá a ver, esse cai no esquecimento, embora
como esquecimento da memória seja a possibilidade inesgotável do novo.
Na proposta do pensamento poético, o viver da Vida não é somente
um fenômeno. É uma questão. Em vista disso os mitos são narrações de questões.
E toda a nossa ação e tarefa consiste em fazer emergir, no já conhecido e nas
respostas já dadas a propósito do viver da Vida, o seu sentido e mistério, que
se dá num jogo de desvelamento e velamento. Por isso, o desafio da Poética é a constante caminhada de
conduzir o vivente (bios/bionai) para o viver da Vida (dzen/Dzoé), ou seja, para a sua
proveniência originária e deixar-se tomar, agarrar por ela. É o seu
concretizar-se a partir do princípio, que rege, num círculo poético, o ser
presença constante de uma ausência que nunca se esgota. E por não se esgotar o
princípio poético em que vigora a verdade do viver da Vida, todo vivente (bios) é uma patência do seu acontecer
enquanto latência (Dzoé).
O ser humano é um vivente e, portanto, não é o viver da Vida, uma vez
que ele é finito e mortal. O mesmo não se pode dizer do viver da Vida. Trata-se
então, na dificílima tarefa do pensamento poético, de nos deixarmos tomar pela
não-finitude e pelo saber do sentido da finitude e da morte, pois esta aparece
como a própria essência da finitude, essência que sem a não-finitude é
impensável. Sem o horizonte do não-finito não há nem como perceber e ver o
finito. Desse saber que acontece como experienciação de pensamento nos advém a
impossibilidade de qualquer separação metafísica entre finitude e não-finitude,
entre vivente e viver da Vida, ainda que dados e manifestados como verdade de
uma hiância, fonte inesgotável de
toda criação. É o misterioso saber do ver poético da coruja que olha e vê na
escuridão o que ainda não adveio (desvelamento) e nem inteiramente advirá à
claridade da clareira. Nenhuma fala fala tudo, nenhuma escuta escuta tudo,
nenhum conhecimento conhece tudo. Nenhuma sendo é tudo. Pois como afirma Rosa: Tudo é e não é. É o jogo de desvelamento e velamento da aletheia da Physis/Dzen.
O poético move-se na arché, ou seja, no princípio. Este é o
deixar-se tomar circularmente e na
unidade das diferenças pela luz originária da aletheia: o viver da Vida se manifestando em sua verdade. Sua, do
viver da Vida, e não do sujeito metafísico. E, por isso, jamais poderá ser
reduzida a uma verdade lógica e científica, ou
seja, metafísica causalista. A unidade
essencial projeta cada vivente no sentido do próprio Viver. A metafísica
causalista somente trabalha com a uniformidade
do universal abstrato, tanto
teórica quanto conceitual. Todas as
Correntes críticas são tributárias da verdade lógico-científico, facilmente
aplicável a pseudo-poetas de pseudo-obras-de-arte, que demonstrando a sua
mediocridade se auto-intitulam contemporâneos.
Toda obra de arte é sem atributos, porque seu vigorar é o da aletheia, onde qualquer atributo é
inútil, desnecessário. E, portanto, inclassificáveis. No vigorar do tempo
poético toda obra tem seu operar pelo que nela opera: a arte. E esta,
poeticamente, é sempre contemporânea. Por este poder de estar sempre em
consonância com o tempo é sem atributos. O contemporâneo cronológico e não
poético pode assim se tornar o atributo em que se esconde a mediocridade e
embasbacar-se no estranho de um mero
jogo discursivo retórico. Jamais podemos confundir o estranho retórico com o inesperado
de que nos fala o pensador Heráclito na sentença 18, acima já citada. Se
aquele é lógico-discursivo e retórico, este é ontológico, fundado na memória,
na aletheia de Mnemosine.
Em última instância, a unidade de
vivente e viver da Vida acontecerá poeticamente no tender a e no caminhar para
o Viver enquanto Viver em sua plenitude. É o telos do vigorar da arché. Tal
telos, em sua plenitude, é o sentido
ético-poético do cuidar pensante de ser. Por isso não há nem nunca poderá haver
metafísica com atributos, seja imanente, seja transcendente, na Poética, isto
é, jamais o epistemo-lógico poderá determinar e eliminar o onto-lógico. Jamais
a lógica poderá eliminar a a-letheia. É em vista disso que tudo se
decide na questão da essência da verdade.
Essa é a questão decisiva onde a realidade/Vida, o ser humano e o pensamento poético encontram o seu
horizonte de compreensão e unidade. A aletheia
e não a verdade lógica é o horizonte ético e poético do humano.
O
poético é a tentativa mais radical de livrar-se da terminologia metafísica
atributiva e libertar cada vivente para a luz matinal do instante poético em
que nos compreendemos já vivendo. O poético é a paixão de Viver e seu sentido,
sempre novo, sempre inaugural, sempre desafiante, para ser experienciado e
jamais reduzido a mero jogo retórico-expressivo de palavras midiáticas. A mídia e seus meios expressivos são a
metafísica atributiva da linguagem. Nela,
linguagem se reduz a meio. Os lugares-comuns da língua e sua
lógica coerente são o sepulcro metafísico da poiesis, encoberto pelas camadas de cinza multi-seculares do jargão
dominante da metafísica lógica. O poder verbal da palavra é a possibilidade de
todo poético e o que ele implica sempre de inesperado, porque ele é a verdade
acontecendo enquanto desvelamento e velamento, casa da linguagem e cuidado da
concretização do humano.