29 julho 2015

Universal



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       É certamente uma das questões mais difíceis de expor. Queiramos ou não já nos movemos no Universal. Nem poderíamos dialogar se não nos movêssemos nele. O Universal nos move e comove porque nele acontece o mistério do permanente e do efêmero. Porém, os usos da palavra universal e seus sinônimos, consignados no dicionário, não ajudam. Assim: absoluto, coletivo, comum, cósmico, global, católico, geral, conceitual, genérico, mundial, internacional, planetário, total, encobrem em vez de manifestarem a riqueza que o universal realiza, embora acenem para ele. Estes usos nos jogam apenas numa das suas facetas sem evidenciar a outra.

       Para pensar o universal há duas vias dialéticas: uma conceitual e funcional, e outra poética, exigindo o permanente questionar. A conceitual ou científica, predominante, decorre de teorias paradigmáticas para explicar o universo. É adotada pelas classificações e julgamentos das coisas e das obras de arte e de pensamento. Nela, a operacionalidade e a funcionalidade decidem a validade e verdade do universal. É a via do Universal abstrato. Abstrato porque se estabelece um conceito científico-filosófico de verdade pelo qual são abstraídas, deixadas de fora, todas as diferenças e traços próprios, e se afirma o que as torna conhecíveis enquanto conceitos ou categorias, independendo de tempo e espaço. Não há nem pode haver ciência do particular, do próprio. Não se fala mais em coisa, pessoa, sendo, mas em “objeto” conhecível porque representável. O universal abstrato resulta de uma verdade lógica, onde algo é ou não-é, não havendo lugar para o terceiro excluído. A lógica jamais é dialética, mas toda dialética é lógica. Na lógica o que não for lógico será necessariamente i-lógico.

À outra via só chegamos de uma maneira oblíqua: é a via do Universal concreto. É o caminho oblíquo da arte e do pensamento: oblíquo porque nele o que se diz nos advém dialeticamente, isto é, no dizer o não-dizer, no ver o não-ver, no conhecer o não-conhecer, no manifestar da verdade a não-verdade, sem separação, dicotomia, duplo, mas numa dobra que não cessa de se desdobrar em processo e diálogo contínuo. Em-si, concreto e Universal constituem uma tautologia, pois dizem o mesmo. O universo ou realidade nas realizações do real é sempre uma energia em processo, jamais redutível a uma estrutura ou proposição lógico-gramatical. Por isso, o seu sentido histórico é a linguagem da unidade, que os gregos denominaram: logos. No entanto, concretamente nada é igual, tudo é diferente. É uma mônada, autopoiese e uma versão.

Uni-versal forma-se das palavras latinas: unus e vertere. Vertere diz o sempre eclodir em novas formas ou versões. Unus diz a unidade da multiplicidade infinita e fonte originária das versões, das interconexões universais. Porém, quem se verte é a unidade, sem a qual não poderíamos nem compreender as versões. Pois se houvesse somente versões nem poderíamos estar falando delas. Seria algo caótico, incompreensível, sem sentido. E para dizermos caótico ou até ilógico já devemos saber, de antemão, o que é não-caótico e o que é lógico. Mas a lógica se fundamenta no princípio da não-contradição: algo é ou não é, não sendo possível uma terceira posição. Porém, os pensadores e poetas se regem pela dialética, onde o princípio da não-contradição já é uma contradição na referência da linguagem e da verdade à realidade. Desta somente temos proximidade e distância, porque somos sendos, finitos, efêmeros. Eleger um fundamento para dizer a unidade e falar a partir dele é a contradição por excelência. Seria como o sendo querer falar em nome do Ser, o finito-efêmero em nome do Nada. Heidegger a expôs num paradoxo: “Ser não pode ser. Se fosse (ser) não mais permaneceria Ser, mas seria ente” (HEIDEGGER, 1970, 95). Dialeticamente afirma  “Ora, o que  que é, antes de tudo, é o Ser” (HEIDEGGER, 1967, 24). Todo é é um predicativo do Ser, pois o Ser é verbo não predicativo. Toda dialética é dobra de proximidade e distância do Ser/Nada.

Em verdade, dada a nossa condição de efemeridade, só podemos mesmo é partir das versões, o que não quer dizer parar nelas, impossível, como vimos acima. Exige-se, portanto, além da verdade lógica, geral, genérica, classificatória, paradigmática, uma verdade dialética onde sejam acolhidas as versões. Estas implicam três dimensões indissociáveis, que comparecem em todo diálogo efetivo e não apenas nominal: o próprio e o outro, o conhecimento, a verdade. E a questão do universal então se desloca para a dobra de conhecimento e verdade, mediada pela palavra, pela dobra de língua e linguagem. Compreender as versões é tão difícil quanto compreender a unidade e só de uma maneira oblíqua. Talvez uma imagem-questão nos faça pensar essa dobra que constitui o Universal. Como expor a identidade e diferença, sem excluir o próprio de cada versão? No filme Depois do ensaio, Bergman (1984) encaminha essa questão numa imagem-questão simples. O personagem-Diretor tem de mostrar para uma personagem-Atriz a unidade do que ela é e do que deve ser a sua personagem, tendo como referência a leitura-versão da obra, além da unidade entre a versão do Diretor-personagem e a versão- performance da Atriz. Retira do seu cabelo um grampo, segura as duas pontas e o abre, ficando reto e uno. Recurva-o, de novo: temos duas pontas. Eis uma dobra em seu dobrar-se e desdobrar-se: unidade e versões. Em outras palavras: identidade e diferença. Diferença não diz respeito apenas ao que difere, mas muito mais ao que lhe é próprio e irredutível à generalização. São as versões. Como estas se afirmam concretamente? É o que nos propõe o poeta-pensador Guimarães Rosa quando afirma: “O real não está na saída nem na chegada. Ele se dispõe para a gente é no meio da travessia” (ROSA: 1968, 52). Portanto, a questão do universal está nas interconexões da travessia, de nosso existir. Nas interconexões presentificiam-se as referências de uns com os outros, com as conjunturas e contextos. Eis o social. “Travessia” concretiza o Universal. Temos uni-versal e tra-vessia provindo ambos do verbo vertere (verter, existir: processo de estar além da posição). O prefixo latino tra-/trans- diz o pôr-se a caminho de. Travessia é a caminhada de cada existente, único e irrepetível, no com-crescer do próprio e do Universal, no e a partir do uno. Ele exige uma verdade dialética, não lógica, excludente esta das diferenças, das versões. Tal verdade é proposta pela Esfinge a Édipo. Diz: “São duas irmãs. Uma gera a outra. E a segunda, por seu turno, é gerada pela primeira. Quem são elas?” Responde Édipo: “A luz e a escuridão. A luz do dia, clareira aberta no céu, gera a escuridão da noite que, por sua vez, precede a luz do dia”.  As imagens-questões do mito – dia e noite – expõem a verdade universal do humano. Essa dialética poético-circular da travessia recebeu dos pensadores originários a denominação: a-letheia, o desvelamento que se vela. Physis. Universal.


                               Manuel Antônio de Castro

Metafísica

     

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O ser humano, desde sempre, já está lançado no mistério da physis, o ser, a realidade. O mistério lhe causa profunda admiração e o leva a questionar. Questionar é perguntar pelo saber e não-saber. E se perguntou pelo princípio da physis. Princípio abrange, em grego, a tensão e sentido de arche e telos. Sentido diz o tender para o consumar de tudo que é. Nele já sempre estamos imersos, mas é necessário deixá-lo eclodir enquanto pensamento. Princípio é, portanto, a questão do originário do ser, que não deve ser confundido com origem. A Metafísica surgiu de duas instâncias: da dicotomia entre originário e origem; e da verdade lógica que a fundamentava. Nelas foi esquecido o sentido do ser.

O nome Metafísica é circunstancial e surgiu em referência às obras de Aristóteles. Nestas nunca aparece a palavra metafísica, mas prote philosophia, filosofia primeira, onde se pensa a questão do princípio ou arche/telos. A substituição da prote philosophia por Metafísica aconteceu de um modo estranho. Andronico de Rodes, no primeiro século a. C., fundamentado no Helenismo, que transformou o pensar em disciplinas, resolveu ordenar os escritos de Aristóteles. Quando se defrontou com aqueles que tratavam da prote philosophia não encontrou, no Helenismo, uma disciplina correspondente onde pudessem ser incluídos. Simplesmente colocou tais livros depois dos livros que tratavam da physis: ta metá ta physis, em grego. O nome da posição nada dizia sobre a temática de tais livros. Estudando-os passaram a denominar seu conteúdo metaphysica. Daí surgiu a disciplina Metafísica que fez história no Ocidente, numa interpretação fundamentada e ensinada, inicialmente, a partir das posições das Escolas Helenísticas, posteriormente da Escolástica medieval e, finalmente, da Modernidade. O que era obra de pensamento a propósito da prote philosophia foi esquecido. No seu lugar surgiu a Metafísica, manual de conhecimentos, ensinados já dentro da verdade lógica como disciplina.  

A Metafísica pensa a realidade, a physis, como ta onta, a totalidade dos entes, ou seja, o ente enquanto ente, como se este fosse o fundamento da physis, do ser. Disso resultou um ser geral abstrato e lógico-formal, ao qual nada de real corresponde. Baseado nele, a gramática interpreta o ser na proposição como verbo de ligação, sem nenhum conteúdo. Proposição diz-se em grego krisis, juízo lógico-afirmativo do que é verdadeiro ou falso. Portanto, a procura da Metafísica pelo fundamento sempre foi em relação aos entes, no sentido de que se procurava e afirmava a unidade na multiplicidade dos entes. Tal fundamento é o que está além da multiplicidade (ta onta), ou em grego, metá-physis. Era um equívoco da Metafísica, pois pensava-se o fundamento como o metá-on. Contraditoriamente, isso deu origem aos futuros humanismos, pois é o ser humano que se diferencia dos demais entes e será interpretado como o  fundamento. Humanismo e Metafísica se identificam. Além ou aquém da physis/ser há nada, pois todo on é e não-é. Isso contradiz a lógica. Coloca-se, então, para a Metafísica a questão: “Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada?” É o impensado da Metafísica humanista. Contra seus limites lógicos, Heidegger afirma: “O Nada, enquanto outro do ente, é o véu do Ser” (Heidegger, 1969, 58).  Aos seres humanos só é dado pensar o sentido do ser. Portanto, a língua da Metafísica refere-se ao ente enquanto ente, pois nunca houve uma Metafísica do nada. O ser nos advém como questão do sentido. Essencialmente, a Metafísica se compõe numa dupla decisão e cisão: ocupou-se do fundamento, instalando uma dicotomia entre fundamento e fundado, ser e ente, realidade e real, criador e criatura; identificou esse fundamento com o logos, não o de Heráclito, mas aquele dominante nas Escolas Helenísticas, do qual se originou a lógica. Nelas, a verdade e não-verdade da aletheia, onde vigorava a tensão de desvelamento e velamento da physis, conforme nos diz a sentença 123 de Heráclito: Physis kryptestai philei: A realidade desvelante é vir-a-ser no velar-se, já tinha sido substituída pela verdade da lógica sofística, base também dos futuros humanismos. Ela é reforçada quando o Cristianismo interpretou e identificou o logos com Deus, a palavra criadora e reveladora da verdade, tornando-se a verdade única, absoluta, pois lógica e divina. Os sofistas já tinham reduzido o logos a discurso, operando na proposição como verdade lógica. E desde então só é verdadeiro o que for lógico, o não-verdadeiro é ilógico. A verdade da Metafísica torna-se também dicotômica, pois saiu do âmbito do ser, ficando prisioneira do fundamento, que será identificado na cultura romana com homem. Daí terem surgido nela os Studia humanitatis, estudos fundamentados no e em torno do homem.

Da conjunção de fundamento e de verdade originou-se uma Metafísicas de duas faces: a Teológica, transcendente, e a Antropológica, imanente, dando origem à dicotomia entre realidade e verdade espiritual (Idade Média) e realidade e verdade material (Modernidade). Essencialmente, nada mudou, houve apenas a inversão do fundamento teológico para o antropológico.

Baseadas na Metafísica, as leituras interpretativas das obras de pensamento e da arte deram origem a uma língua metafísica, avessa ao questionar, que hoje domina todos as disciplinas, seja científicas, sejam crítico-artísticas. Nela opera uma sucessão de esquecimentos: o ser é substituído pelo ente, a coisa pela proposição, o princípio pelo fundamento, o sentido pelo significado, a linguagem pela língua, o verbal pelo substantivo.

A Metafísica radicalizou-se na questão do homem, originando os futuros Humanismos. O homem não é um ente entre outros entes. O que o diferencia? Já diz uma antiga sentença grega: Anthropos dzoion logon echon. Tanto a Metafísica quanto o Humanismo se fundamentam na verdade lógica. É que logon foi traduzido por: discurso e razão. Pela verdade lógica, razão se torna o fundamento, pois o homem é aquele que discursa ou raciocina. Eis aí o pleno domínio da concepção metafísica ou humanista. Na verdade da aletheia, homem é doação de quem a linguagem cuida no e pelo pensar do ser. No pensar é o ser que se doa enquanto sentido da linguagem. A compreensão do que seja o ser humano na verdade da aletheia reúne o legein de Heráclito e o noein de Parmênides, pois como afirma este: ser e pensar são um e o mesmo. Neste horizonte, redefine-se a meta-physica enquanto pensamento e arte. Metá- também significa: entre. O homem é o on meta-físico, o entre-on-e-physis: finito e não-finito.

Crítico profundo da Metafísica, Heidegger propôs o diálogo fundado no pensar e na arte. Realiza-se pelo questionamento do fundamento e da verdade lógica, bases da língua metafísica e humanista, diferenciando fundar e fundamentar. O fundar opera em três dimensões: doar, fundamentar e principiar. Abre-se assim a possibilidade de interpretar todas as obras de pensamento e arte no horizonte da linguagem, verdade, mundo e sentido do ser, dimensionando a língua metafísica pelo operar dialético do pensar poético.


                                                                  Manuel Antônio de Castro


Pensar



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O humano não é uma questão de cultura, gênero, método, época, porque não pode ser reduzido a um conceito. O humano é a questão. E o extraordinário consiste em que ele somente eclode, como questão, no pensar. Pensar foi, é e será sempre o lugar do questionamento e experienciação do humano, porque pensar é ser as possibilidades próprias, realizando o que já sempre se é. Pensar não é raciocinar, pelo qual se pode trazer o não sabido para a claridade da razão discursiva. Pensar é saber no sabido o não-saber.

O humanizar-se do homem não consiste em adequá-lo a qualquer modelo humanista. Humanizar-se será o permanente desafio de deixar-se tomar pelo pensar do ser, ficar sendo pelo aprender a pensar. São complexos os desdobramentos de ser e pensar. Segundo Parmênides, ambos vigoram na identidade do mesmo: “ ... to gar auto noein estin te kai einai. “... pois o mesmo é pensar e ser” (PARMÊNIDES, 1991). Nesse mesmo, que doa a unidade, está o desafio do pensar.

Pensador é todo homem, independentemente de nível de formação, classe social, cultura, época ou de quem estudou ou não filosofia. Pensar é inerente ao viver do homem. Nem todo ser vivente é pensador, mas todo pensador será um vivente humano. O grego usa duas palavras diferentes para vida: Zoé, a vida infinita; bios, a vida com nascimento e morte, finita. Em grego, Zoé é Ser. O homem é finito enquanto bios e não-finito enquanto pensar. Todo vivente é um sendo, mas nem todo sendo é pensador. Este diferencia o sendo humano. Como se diferencia? Narra Riobaldo: “De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos” (Rosa, 1968, p. 11). Na vida vivida já estamos ontologicamente nos movendo no pensar, pois o ser humano só age enquanto pensa. Mas Riobaldo ainda não assumira a procura do sentido do agir, de suas ações, pois ainda não fazia da vida vivida (1) uma vida experienciada (2), que fosse regida pelo telos (consumação e sentido) do viver. Nessa dobra está o pensar e viver ou o pensar e ser. E o que o leva a experienciar o viver? “Os prazos”, o destino, moira, em grego. Vida experienciada é a vida pensada no narrar. Na vigência do destino é necessária uma terceira dimensão. Qual? O narrar. Este acontece como logos, que não se reduz a discurso, mas diz, enquanto linguagem, enumerar diversidades no tempo e no espaço, dando um sentido ao que se enumera. Isso é narrar. O narrar o viver do destino se desdobra numa diá-noia e num diá-logo (dialética). Dia-noia é o entre-pensar do entre-ser acontecendo como diá-logo.

Pensar é deixar-se tomar pelo destino. No mito grego, fundava-se na figura de três mulheres (criatividade) responsáveis por tecer e cortar o fio da vida de todos. Operavam um tear (Roda da Fortuna) onde tramavam a tessitura narrativa de nossa vida. Pensar vem de pensum, do verbo pendere, pender. Desse particípio formou-se o substantivo pensum, significando: “... o encargo e, em sentido próprio, a quantidade de fio de lã que se pendura para a tarefa de tecer e fiar durante a luminosidade de um dia” (LEÃO, 1999, 246). É o agir do pensar no vigorar do destino. Este agir é regido pelo desvelamento ou verdade (aletheia) do que se é. É que na verdade o ser humano realiza o seu sentido. Portanto, este diz respeito a verdade e não-verdade. Isso é o que diz des-velamento. O prefixo des- manifesta, ambiguamente: negação e intensificação. Nega e intensifica o velamento, pois este é a fonte de tudo que é e não-é. Se o viver é agir, para o ser humano a essência do sentido do agir está no pensar. O pensar age enquanto pensa. Sentido ou verdade/não-verdade, implica, portanto, uma vida dialética onde acontece a dianoia, o entre-pensar. Pensar é vir-a-ser.

Há uma outra versão da essência do humano ligada a logos. Ela está sintetizada na sentença grega: Zoion logon echon. Duas foram as traduções para logos: (a) animal que fala ou discursa; (b) animal dotado de razão. Como conciliar as versões do humano: o que pensa e o que fala ou raciocina? A dificuldade em apreender o sentido de pensar está nessa aparente oposição. Desde Parmênides, se acentua a identidade de pensar e ser. Mas na tradição metafísica houve um esquecimento do sentido do ser. E justamente pela incompreensão do sentido do logos na sentença grega a propósito do homem. O sentido foi substituído pelo conhecimento racional, pois traduziu-se logos como razão, reduzindo o sentido ao significado semântico proposicional. Na e pela razão não se procura mais o sentido do ser, mas as causas vigentes no real, acessíveis ao método científico-epistemológico (crítico-matemático), reduzindo a realidade às relações representacionais de causa e efeito, agente e paciente, sujeito e objeto. O conhecimento científico, fundamentado na matematização do real, substitui o ser pelo conhecimento teórico e pelo fazer que causa efeitos e podem intervir no real. Só há raciocinar e não mais pensar. Tal conhecimento diz respeito aos entes, suas relações, posições e circunstâncias, e não ao ser. E o narrar ou falar tornou-se discurso racional dentro de relações sócio-discursivas. Na ciência não há mais lugar para o pensar, muito menos para o aprender a pensar. O esquecimento do sentido do ser reduziu o lugar do homem a funções, tornando-o uma peça no sistema totalizante do conhecer e fazer. Mas será que logos pode ser reduzido a  razão? Não. Se voltarmos às derivações históricas da raiz de legein, de onde se origina o logos, sabemos que são: pôr, depor, dispor e propor. Por isso gerou os verbos dizer, ordenar, reunir, recolher e repousar. Originariamente, legein somente pelo pôr e depor pode propor-se como dispor num narrar e dizer, porque vigora no sentido do ser. É o ser que se diz. O ser se dizendo é linguagem, sentido e mundo. No pensar o ser se torna linguagem. Portanto, logos diz unidade de linguagem, porque é o sentido do ser doando-se em todo pôr e depor, isto é, na verdade e não-verdade da aletheia, do diálogo. Depor é negar e pôr afirmar. Essa é a liminaridade do homem como entre-ser. O sentido é sentido do pensar do ser destinando-se no homem. Portanto, legein e noein não se opõem. Pelo contrário, no pensar, o sentido do ser se torna linguagem do ser. E é na sua escuta que o homem pode aprendê-la. Tal aprendizagem dizia-se em grego mathesis. Sem esta não há diálogos e dianoia. Humanizar-se é aprender a pensar, porque nele se dá o sentido de ser e do ser. E nele e por ele, o humano encontra o seu lugar no todo da realidade, porque pelo pensar realiza o sentido do que é em suas possibilidades.


                                                      Manuel Antônio de Castro